20 de maio: independentes, mas
oprimidos por dentro?
Diligente, editorial | * Título Timor Agora
Neste 20 de maio, Timor-Leste assinala mais
um ano de independência. Uma conquista histórica, fruto de uma
resistência heroica contra a ocupação indonésia. Mas que liberdade celebramos
quando a soberania se esvazia de sentido, a justiça é manipulada,
os serviços públicos estagnam e a dignidade do povo continua por cumprir?
O sonho nacional de um Estado justo
e equitativo está por concretizar. As promessas da Restauração
foram engolidas por um sistema onde a opacidade, o apadrinhamento e
o desleixo se tornaram norma. A ilha ainda vive ao ritmo de
falhas de eletricidade, estradas abandonadas, pobreza estrutural, redes de
clientelismo e um Estado capturado por interesses paralelos.
Durante séculos, o povo timorense
lutou contra a exclusão, a violência e a negação de direitos. Mas muitas
dessas injustiças não terminaram com a independência: persistem hoje sob novas
formas. A justiça, que deveria ser um dos pilares do Estado de
Direito, continua fora do alcance de milhares. E o rosto da
liberdade tornou-se o da sobrevivência — com crianças nas ruas a vender ovos,
jovens a carregar cocos e adultos a transformar as estradas em mercados noturnos,
sempre sob ameaça de perseguição.
Desde a independência,
Timor-Leste aprovou sucessivos Orçamentos Gerais do Estado que somam dezenas de
mil milhões de dólares, sustentados pelo Fundo Petrolífero. Mas ao
contrário do que se esperaria de uma nação que saiu da guerra com a promessa de
justiça e dignidade, os setores mais sensíveis – saúde, educação, agricultura e
proteção social – têm sido sistematicamente subfinanciados.
No OGE de 2025, apesar de o
orçamento total ultrapassar os 2,2 mil milhões de dólares, o setor da
agricultura recebe apenas 2,3%. A educação fica com 9,2% e a saúde permanece cronicamente subfinanciada, apesar
dos apelos da ONU, do Banco Mundial e de organizações da sociedade
civil. Enquanto isso, setores como os “veteranos” absorvem quase 10%
do orçamento, num investimento mais político do que estratégico.
Num país onde 46,7% das crianças
sofrem de nanismo por desnutrição crónica, onde mais de 360 mil
pessoas enfrentam fome severa e 42% da população vive abaixo da linha
da pobreza, o Estado continua a falhar no mais básico: garantir o direito à
alimentação, à saúde e à educação.
A nomeação de Afonso Carmona como
Presidente do Tribunal de Recurso, ao abrigo de uma norma criada à
pressa, simboliza a degradação do Estado de Direito. A nova
lei foi aprovada de véspera e aplicada no dia seguinte, apesar de o
nomeado não cumprir os requisitos legais. Juristas, deputados e
o Provedor dos Direitos Humanos e Justiça denunciaram a violação da
Constituição e da separação de poderes, mas o Presidente da República insiste que
seguiu a lei.
O caso revela uma
reforma judicial feita à medida dos interesses do momento. Em vez de fortalecer as
instituições, alteram-se leis para legitimar decisões políticas. A
Constituição não confere ao Presidente o poder de nomear dirigentes
de tribunais, apenas de magistrados. Mas essa salvaguarda está a ser
ignorada. A justificação dada para a nomeação — a falta de juízes disponíveis — expõe outra
ferida: a carência de quadros qualificados, a morosidade dos
processos e a exclusão da população rural do sistema
judicial.
A exoneração súbita de
membros do Conselho, como Lukeno Alkatiri, sem qualquer explicação oficial, e a
substituição imediata por nomes próximos do poder político levantam suspeitas
graves. A oposição, juristas, a JSMP e o próprio Provedor dos Direitos Humanos
e Justiça já alertaram para a violação da Constituição e para os
riscos de politização do sistema judicial. O silêncio institucional
que se seguiu só reforça a desconfiança: quando até o topo do sistema
judicial é manipulado, o que resta da democracia?
É apenas mais um exemplo de como
os poderes formais são esvaziados por lógicas informais, heranças da
resistência clandestina, onde redes pessoais e lealdades tribais se sobrepõem à legalidade.
Em vez de serem desmanteladas, essas estruturas informais foram absorvidas pelo
Estado — e continuam a reger decisões cruciais, como nomeações
judiciais, processos legislativos e gestão de orçamentos.
Enquanto isso, Richard Daschbach,
ex-sacerdote condenado por abusar sexualmente de menores, surge na lista de indultos enviados
pelo Governo ao Presidente da República. A alteração à Lei do Indulto, aprovada
em 2023, eliminou qualquer limite objetivo à clemência
presidencial – permitindo perdoar até crimes de pedofilia e corrupção.
Madalena Hanjam e Emília Pires já foram beneficiadas. Daschbach poderá ser
o próximo.
O argumento usado é o das “razões
humanitárias”. Mas e as vítimas? Quem lhes garante justiça, quem as ouve? Em
nome da reconciliação, exige-se o perdão — mesmo que forçado. Mesmo que
doa. O risco é transformar o indulto num instrumento de impunidade,
e não de compaixão.
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