Lourdes do Rêgo | Diligente
Com apenas 10 anos, Faustino carrega nas suas pequenas mãos mais do que sacos de snacks: carrega o peso das responsabilidades que a vida lhe impôs. Dividido entre a escola e a venda ambulante, sonha com um futuro diferente — um futuro em que poderá usar uma farda de polícia, ajudando a sua comunidade.
Ao meio-dia, sob o sol escaldante, encontramos Faustino, de 10 anos, no jardim à frente do Palácio do Governo. Perante o imponente edifício, Faustino parece quase insignificante, uma pequena figura movendo-se sob o sol de meio-dia. A sua presença frágil, vestida com uma simples camisola de manga curta, contrasta com a solidez e a opulência da estrutura à sua frente.
Enquanto segura firmemente pacotes de camarão crocante e noodles amarrados com cuidado, caminha sozinho, tentando atrair clientes com um sorriso tímido, enquanto os carros e as pessoas apressadas passam por ele. Apesar de ser apenas um estudante do 4.º ano, Faustino já conhece o que é a dureza da vida.
Todas as manhãs, o quarto de cinco irmãos veste o uniforme escolar e segue para a escola. Quando as aulas terminam, corre para casa, almoça apressadamente e, sem descanso, segue o pai, que lhe entrega os produtos que deve vender até ao entardecer. Enquanto outras crianças saem da escola para brincar, Faustino escolhe ajudar a mãe e os irmãos. “Gosto de vender na rua porque, quando as pessoas compram, a minha mãe consegue garantir que continuamos na escola e comprar a comida que gosto”, partilha com um sorriso que mistura cansaço e esperança.
Mesmo com o cansaço visível no rosto e o peso das mercadorias nas mãos, Faustino não desiste. “Num dia bom, consigo ganhar 2 dólares. Às vezes, não vendo tudo, mas o que sobra trago para casa, e o dinheiro que ganho ajuda-nos a comprar mais krupuk e snacks para vender no dia seguinte”, explica, com uma maturidade que vai além da sua idade.
O irmão de 11 anos também faz a sua parte, vendendo café e doces no Jardim de Motael. O pai, por sua vez, trabalha como carregador no porto de Díli. E, apesar das dificuldades, Faustino mantém o foco: sonha em ser polícia, não para ele, mas para dar segurança e orgulho à sua família.
A situação é dura, mas não é exclusiva de
Faustino. Mais de 52 mil crianças timorenses, entre os cinco e 17
anos, são sujeitas diariamente a algum tipo de trabalho infantil. São
dados do estudo da Comissão Nacional contra o Trabalho Infantil (CNTI), que fez
o levantamento do número de crianças trabalhadoras em Timor-Leste, de
Mesmo assim, Faustino e a sua família não se deixam abater. “Adoro matemática, e quando chego a casa, o meu pai ensina-me a contar. Isso faz com que eu valorize o que aprendo na escola, mesmo que não seja o melhor da turma”, conta, com um brilho nos olhos. Nas férias, em vez de brincar, prefere sair para vender, embora admita que, como qualquer criança, também goste de momentos de diversão.
Por mais que famílias como a de Faustino façam sacrifícios para garantir que os filhos estudem, muitos jovens em Timor-Leste enfrentam barreiras quase intransponíveis.
Leis que protegem, realidades que persistem
De acordo com as alíneas a) e b) do artigo 18.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), as crianças “têm direito a uma proteção especial da família, da comunidade e do Estado, sobretudo contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração”.
A Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual Timor-Leste é membro, sublinha que todos os países membros devem comprometer-se a respeitar e promover os quatro direitos e princípios fundamentais no ambiente de trabalho, incluindo a “eliminação efetiva do trabalho infantil”.
A OIT aponta como principais fatores que fomentam o trabalho infantil a desigualdade social, a carência de um sistema de educação pública de qualidade e a falta de políticas públicas voltadas para o planeamento familiar.
Conforme esta organização, o trabalho infantil agrava problemas psicológicos, reduz o desempenho escolar e prejudica a socialização, a preparação para o futuro mercado de trabalho e o desenvolvimento cognitivo da criança, comprometendo o seu crescimento enquanto adulto. Desta forma, o trabalho infantil é uma clara violação dos direitos humanos, pois impede que a criança possa crescer plenamente e viver a sua infância de forma adequada.
A realidade de crianças como Faustino, que enfrentam diariamente o desafio de conciliar o trabalho com os estudos, é um reflexo das dificuldades socioeconómicas que ainda prevalecem em Timor-Leste. Embora a Constituição e os tratados internacionais assinados pelo país garantam a proteção das crianças contra a exploração e assegurem o direito à educação, a prática revela um cenário onde muitas famílias, devido à falta de recursos, dependem do trabalho infantil para complementar o rendimento doméstico.