sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Na pele de uma criança trabalhadora: o preço da sobrevivência em Timor-Leste

Lourdes do Rêgo | Diligente

Com apenas 10 anos, Faustino carrega nas suas pequenas mãos mais do que sacos de snacks: carrega o peso das responsabilidades que a vida lhe impôs. Dividido entre a escola e a venda ambulante, sonha com um futuro diferente — um futuro em que poderá usar uma farda de polícia, ajudando a sua comunidade.

Ao meio-dia, sob o sol escaldante, encontramos Faustino, de 10 anos, no jardim à frente do Palácio do Governo. Perante o imponente edifício, Faustino parece quase insignificante, uma pequena figura movendo-se sob o sol de meio-dia. A sua presença frágil, vestida com uma simples camisola de manga curta, contrasta com a solidez e a opulência da estrutura à sua frente.

Enquanto segura firmemente pacotes de camarão crocante e noodles amarrados com cuidado, caminha sozinho, tentando atrair clientes com um sorriso tímido, enquanto os carros e as pessoas apressadas passam por ele. Apesar de ser apenas um estudante do 4.º ano, Faustino já conhece o que é a dureza da vida.

Todas as manhãs, o quarto de cinco irmãos veste o uniforme escolar e segue para a escola. Quando as aulas terminam, corre para casa, almoça apressadamente e, sem descanso, segue o pai, que lhe entrega os produtos que deve vender até ao entardecer. Enquanto outras crianças saem da escola para brincar, Faustino escolhe ajudar a mãe e os irmãos. “Gosto de vender na rua porque, quando as pessoas compram, a minha mãe consegue garantir que continuamos na escola e comprar a comida que gosto”, partilha com um sorriso que mistura cansaço e esperança.

Mesmo com o cansaço visível no rosto e o peso das mercadorias nas mãos, Faustino não desiste. “Num dia bom, consigo ganhar 2 dólares. Às vezes, não vendo tudo, mas o que sobra trago para casa, e o dinheiro que ganho ajuda-nos a comprar mais krupuk e snacks para vender no dia seguinte”, explica, com uma maturidade que vai além da sua idade.

O irmão de 11 anos também faz a sua parte, vendendo café e doces no Jardim de Motael. O pai, por sua vez, trabalha como carregador no porto de Díli. E, apesar das dificuldades, Faustino mantém o foco: sonha em ser polícia, não para ele, mas para dar segurança e orgulho à sua família.

A situação é dura, mas não é exclusiva de Faustino. Mais de 52 mil crianças timorenses, entre os cinco e 17 anos, são sujeitas diariamente a algum tipo de trabalho infantil. São dados do estudo da Comissão Nacional contra o Trabalho Infantil (CNTI), que fez o levantamento do número de crianças trabalhadoras em Timor-Leste, de 2016 a 2022.

Mesmo assim, Faustino e a sua família não se deixam abater. “Adoro matemática, e quando chego a casa, o meu pai ensina-me a contar. Isso faz com que eu valorize o que aprendo na escola, mesmo que não seja o melhor da turma”, conta, com um brilho nos olhos. Nas férias, em vez de brincar, prefere sair para vender, embora admita que, como qualquer criança, também goste de momentos de diversão.

Por mais que famílias como a de Faustino façam sacrifícios para garantir que os filhos estudem, muitos jovens em Timor-Leste enfrentam barreiras quase intransponíveis.

Leis que protegem, realidades que persistem

De acordo com as alíneas a) e b) do artigo 18.º da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), as crianças “têm direito a uma proteção especial da família, da comunidade e do Estado, sobretudo contra todas as formas de abandono, discriminação, violência, opressão, abuso sexual e exploração”.

A Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual Timor-Leste é membro, sublinha que todos os países membros devem comprometer-se a respeitar e promover os quatro direitos e princípios fundamentais no ambiente de trabalho, incluindo a “eliminação efetiva do trabalho infantil”.

A OIT aponta como principais fatores que fomentam o trabalho infantil a desigualdade social, a carência de um sistema de educação pública de qualidade e a falta de políticas públicas voltadas para o planeamento familiar.

Conforme esta organização, o trabalho infantil agrava problemas psicológicos, reduz o desempenho escolar e prejudica a socialização, a preparação para o futuro mercado de trabalho e o desenvolvimento cognitivo da criança, comprometendo o seu crescimento enquanto adulto. Desta forma, o trabalho infantil é uma clara violação dos direitos humanos, pois impede que a criança possa crescer plenamente e viver a sua infância de forma adequada.

A realidade de crianças como Faustino, que enfrentam diariamente o desafio de conciliar o trabalho com os estudos, é um reflexo das dificuldades socioeconómicas que ainda prevalecem em Timor-Leste. Embora a Constituição e os tratados internacionais assinados pelo país garantam a proteção das crianças contra a exploração e assegurem o direito à educação, a prática revela um cenário onde muitas famílias, devido à falta de recursos, dependem do trabalho infantil para complementar o rendimento doméstico.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Timor-Leste | Violência contra vendedores de rua em Díli revela tendências autoritárias, diz ONG

Numa campanha de despejos e demolições iniciada pelo Governo, a "aplicação brutal da 'lei e ordem' não só está a levar a violações dos direitos humanos, mas também a provocar divisão", alerta ONG.

Uma organização não-governamental (ONG) afirmou que a violência contra os vendedores ambulantes em Díli revela “tendências autoritárias” e um “desrespeito pelos direitos humanos básicos”, que está a provocar “divisão e conflito” na sociedade.

“A aplicação brutal da ‘lei e ordem’ não só está a levar a violações dos direitos humanos, mas também a provocar divisão e conflito dentro da sociedade“, advertiu a Fundação Mahein (FM), numa análise divulgada na sua página oficial.

“Em vez de recorrer à violência para intimidar os pobres a conformarem-se, os líderes devem refletir sobre a sua própria responsabilidade na situação atual deste país“, salientou a ONG.

Em causa está a campanha de despejos e demolições iniciada este ano pelo Governo, através da Secretaria de Estado dos Assuntos de Toponímia e Organização Urbana, para eliminar construções ilegais e atividades económicas não licenciadas, e que, em alguns casos, tem sido exercida com violência.

O último incidente ocorreu na semana passada, quando oficiais daquela Secretaria de Estado e elementos da polícia se envolveram numa luta com vendedores ambulantes em Díli, tendo um homem sido ferido com um tiro alegadamente disparado por um membro das forças de segurança.

Parlamento de Timor-Leste aprova na generalidade Orçamento do Estado para 2025

O maior partido da oposição, a Fretilin decidiu abster-se na votação. Prevê-se o esgotamento do Fundo Petrolífero do país já em 2024

O parlamento de Timor-Leste aprovou esta sexta-feira na generalidade o Orçamento do Estado para 2025, no valor de 2,617 mil milhões de dólares (2,430 mil milhões de euros), sem votos contra, com o principal partido da oposição a abster-se.

“O Orçamento Geral do Estado foi aprovado na generalidade com 42 votos a favor, 22 abstenções e zero votos contra”, afirmou a presidente do parlamento nacional, Fernanda Lay, terminando o debate, que teve início na quarta-feira.

O principal partido da oposição e segunda maior força política no parlamento timorense, a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), decidiu abster-se devido à “falta de objetividade e resposta em relação às preocupações apresentados ao Governo, especificamente ao primeiro-ministro [Xanana Gusmão], disse a deputada Nurima Alkatiri.

A deputada explicou também que a Fretilin vai apresentar várias propostas de alteração no debate na especialidade.

Na declaração final da Fretilin, o deputado Aniceto Lopes lembrou que o país enfrenta um “momento extremamente crítico em relação à situação da sustentabilidade financeira e da sua existência enquanto Estado”.

Timor-Leste e o papel de Portugal no mundo


Na semana passada comemorámos os 25 anos sobre a consulta popular que determinou a independência de Timor Leste. E, simbolizando o apoio de vários Governos portugueses, António Guterres - que era Primeiro-Ministro à época - recebeu a cidadania Timorense.

A independência de Timor-Leste deve-se, antes de mais e principalmente, à vontade do seu povo. Antes, os 25 anos de resistência em condições dificílimas, quando a realidade da Guerra Fria e a importância da Indonésia no combate ao comunismo no Sudoeste Asiático impunham um pragmatismo nas relações internacionais que impediam o reconhecimento da razão e do direito internacional que assistiam à causa dos timorenses. E, depois, quando finalmente o mundo e a Indonésia mudaram e foi possível escolher, as filas intermináveis de pessoas que depositaram mais de 75% de votos a favor da independência de Timor.

Durante esses longos anos de aflição Portugal não abandonou Timor à sua sorte e, como potência administradora no quadro da ONU bateu-se, tantas vezes incompreendido e quase sempre sozinho, pelo princípio consagrado na Carta das Nações Unidas da autodeterminação dos povos. De facto, Portugal nunca exigiu a independência de Timor, mas sim que o direito internacional fosse aplicado. E foi através dos mecanismos legais e de pacientes negociações que contribuímos para que os Timorenses pudessem escolher o futuro que desejavam. A questão de Timor-Leste parece demonstrar, assim, que um negociador honesto, independentemente da sua dimensão ou poder, poderá atingir resultados inesperados num quadro multilateral e com base no direito. O que podemos chamar a Diplomacia da Paz.

A autodeterminação de Timor-Leste teve ainda outro efeito lateral, mas importante: Portugal não tem hoje qualquer conflito latente ou declarado no quadro das suas relações diplomáticas bilaterais e os conflitos que temos, nomeadamente na Ucrânia, enquadram-se nos princípios da defesa das e do direito e das organizações internacionais.

Somos, assim, um país que, embora sem capacidade ou apetência para impor soluções no quadro das suas relações externas, demonstrou saber utilizar os mecanismos de direito internacional, de cooperação diplomática e militar e ser um negociador honesto. Não seremos os únicos, mas apresentamos ainda uma característica histórica, essa sim mais singular, que reforça o nosso papel no mundo: poucos serão os estados que tenham um passado e um presente tão universal e que nos permite ouvir e entender as razões e preocupações alheias.

Portugal, juntamente com outros países que partilham os mesmos princípios multilateralistas, deveria assumir claramente a sua natureza de construtor das pontes que tanta falta fazem à paz e à estabilidade do mundo.

* Artigo publicado em Diário de Notícias em 3 de setembro de 2024

* Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Oposição timorense acusa presidente do Parlamento de conduzir sessão "de forma antidemocrática"

Mari Alkatiri - Fretilin

A bancada da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin) acusou hoje a presidente do Parlamento de conduzir "de forma antidemocrática" o debate na especialidade do Orçamento Geral do Estado, no primeiro dia, segunda-feira.

"A bancada da Fretilin não pode deixar de denunciar que, durante o primeiro dia de debate na especialidade do Orçamento Geral do Estado [OGE] de 2025, a sessão foi conduzida de forma antidemocrática pela presidente do Parlamento", Fernanda Lay, afirmou, em comunicado, a bancada do líder da oposição timorense.

A Fretilin entendeu que aquele comportamento esteja a ser "deliberado para bloquear a participação ativa e relevante da oposição, incluindo o constante desrespeito e violação do guião e do regimento do Parlamento".

O partido explicou ter submetido uma proposta de aditamento para que os cerca de 4,2 milhões de dólares (cerca de 3,8 milhões de euros) destinados à compra de novos carros para o Parlamento fossem direcionados para o estabelecimento de dois centros de saúde, especializados em cardiologia e oncologia.

"No entanto, devido a um erro técnico da equipa do Parlamento, a proposta não foi corretamente registada no sistema. Ao reconhecer o erro, a equipa técnica tentou corrigir a situação e submeter uma proposta substituta. A presidente do Parlamento, porém, recusou autorizar a submissão, bloqueando assim a possibilidade de se discutir uma realocação mais prioritária e relevante para a saúde pública", afirmou a Fretilin.

Em protesto, "contra a gestão antidemocrática" e a "violação das regras regimentais", tanto a Fretilin, como o Partido de Libertação Popular (PLP), recusaram participar na votação das propostas que se encontravam em discussão.

No comunicado, o partido salientou que o país enfrenta uma "grave crise no sistema de saúde" e que muitas pessoas com doenças cardíacas e oncológicas têm de ir para o estrangeiro para ter serviços especializados.

"O Ministério da Saúde já havia identificado a necessidade de criar centros de cardiologia e oncologia. Contudo, nenhum fundo foi alocado no OGE de 2025 para iniciar esses projetos, o que resulta na contínua falta de acesso a tratamentos críticos para os cidadãos timorenses", salientou.

A Fretilin pede à presidência do Parlamento que "respeite os princípios e priorize o bem-estar da população" e que o parlamento e o Governo "concentrem os seus esforços na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, honrando os sacrifícios do passado, através de ações concretas que beneficiem o presente e o futuro" do povo.

O Parlamento timorense iniciou na segunda-feira o debate na especialidade do OGE para 2025, que vai decorrer até dia 25.

O OGE, no valor de 2,617 mil milhões de dólares (2,430 mil milhões de euros), sem votos contra, foi aprovado na generalidade na passada sexta-feira, com o principal partido da oposição a abster-se.

RTP | Lusa

PR timorense diz que 12 de novembro é dia de memória e de reforço da liberdade

O Presidente Timor-Leste afirmou hoje que o Dia Nacional da Juventude, em que se assinala o massacre de Santa Cruz, não é apenas "de memória", mas também de reforço da "liberdade e dignidade" dos timorenses.

"Hoje, estamos juntos para celebrar o Dia Nacional da Juventude, uma data que representa a vossa força e o vosso entusiasmo, que marca o 33.º aniversário de um evento inesquecível da nossa história, o massacre de Santa Cruz, que não é apenas um dia de memória, mas também um momento para reforçar a nossa liberdade e dignidade", disse José Ramos-Horta.

O chefe de Estado timorense falava nas celebrações do Dia Nacional da Juventude e do 33.º aniversário do massacre de Santa Cruz, em 12 de novembro de 1991, que incluíram uma missa em Motael e uma marcha até aquele cemitério histórico da capital timorense.

Naquela data, mais de duas mil pessoas reuniram-se numa marcha até ao cemitério de Santa Cruz, em Díli, para prestarem homenagem ao jovem Sebastião Gomes, morto em outubro desse ano pelos elementos ligados às forças indonésias.

No cemitério, militares indonésios abriram fogo sobre a multidão, provocando dezenas de mortos e de feridos.

Segundo números do comité 12 de novembro, 2.261 pessoas participaram na manifestação, 74 foram identificadas como tendo morrido no local e mais de 100 morreram nos dias seguintes no hospital militar ou em resultado da perseguição das forças ocupantes.

Para o prémio Nobel na Paz, naquele dia, os jovens timorenses enfrentaram o que muitos consideravam impossível e que se concretizou a 30 de agosto de 1999, com a realização do referendo, que permitiu a restauração da independência do país.

O Presidente timorense salientou que apesar dos desafios, Timor-Leste vive em paz e com instituições de Estado que funcionam.

José Ramos-Horta lembrou o jornalista Max Stahl, que filmou o massacre de Santa Cruz e permitiu que o mundo conhecesse o drama timorense.

"Quero prestar homenagem a todos os que sacrificaram as suas vidas no evento do massacre de Santa Cruz, todos eles merecem honra e respeito," disse o Presidente, que pediu para sararem feridas e olharem para o futuro para que o país seja um modelo de reconciliação.

Nas celebrações participaram, vários membros do Governo, deputados, o antigo Presidente timorense e presidente da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), Francisco "Lu Olo" Guterres, bem como o secretário-geral da Fretilin, Mari Alkatiri, e elementos do corpo diplomático em Díli.

RTP | Lusa