segunda-feira, 11 de maio de 2015

28 MILHÕES SEM DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NA CPLP


Pela primeira vez, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa recorreu à sociedade civil para ajudar a produção agrícola e combater as deficiências alimentares. Dois programas, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, já arrancaram.

No universo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) de 260 milhões de cidadãos, existem 28 milhões de pessoas sem direito a alimentação adequada. Trata-se de um conceito recente, de 2010, adoptado no quadro das Nações Unidas, e que passou a ser considerado uma prioridade política a partir de 2008, aquando da crise dos preços dos cereais.

A completa definição de direito à alimentação adequada revela, por si mesmo, a inovação e implicações deste conceito. É o direito a ter acesso regular, permanente e livre, tanto directamente ou por meios de compra financiados, à alimentação quantitativa e qualitativamente  adequada às tradições culturais das pessoas a quem o consumo se destina.

Daí decorre a segurança alimentar, cujos parâmetros variam com a idade. Ao nascer, o bebé precisa de 300 calorias por dia. Nos dois primeiros anos de vida de 1000, aos cinco anos de 1600 calorias diárias. Já aos adultos são estimadas necessidades entre duas mil e 2700 calorias, dependendo de onde moram e do tipo de trabalho que desempenham.

Deste modo, em Outubro de 2011, a CPLP definiu uma estratégia de segurança alimentar e nutricional. Durante o seminário “Erradicação da fome e má nutrição em Timor-Leste”, realizado em Díli em 20 de Julho passado, foi lançada a campanha “Juntos Contra a Fome!”, em colaboração com a FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura].

Uma campanha que se desenvolve em vários planos. A nível institucional, o objectivo é claro. “Consagrar o direito humano à alimentação adequada nos princípios constitucionais de cada Estado-membro”, explica, ao PÚBLICO, Manuel Clarote Lapão, director de Cooperação da CPLP. 

Também criar o conselho de segurança alimentar da CPLP. ”Temos tido alguma dificuldade na sua montagem”, admite o mesmo responsável. O projecto está focado numa diversidade de áreas – Agricultura, Educação, Saúde e Ambiente - envolvendo os vários laboratórios do Estado e as universidades, os produtores e o poder local, e a sociedade civil.

“Fizemos uma estreia, pela primeira vez abrimos uma iniciativa da CPLP à sociedade civil, esta é a primeira iniciativa da CPLP que chega ao cidadão comum e, na verdade, o que melhor tem funcionado tem sido a resposta da sociedade civil”, reconhece o director de Cooperação. “A adesão dos Estados membros tem sido diminuta”, lamenta.

A realidade dos países revela problemas vários. Cerca de 80 % dos bens alimentares vêm de pequenos produtores agrícolas, os circuitos comerciais são praticamente inexistentes, a capacidade de armazenamento é débil e a transformação industrial é uma miragem. “Nos últimos dez anos, Angola e Moçambique aumentaram em 40% o seu investimento de recursos públicos na produção de bens alimentares”, revela.

Semelhanças com "Fome Zero"

“Os países [da CPLP] são assimétricos na produção agrícola e nas necessidades agro-pecuárias”, prossegue Manuel Clarote Lapão. O modelo seguido pela CPLP foi o que permitiu ao Presidente Lula da Silva lançar o programa “Fome Zero”. Contudo, assegura o responsável da Cooperação, não há mimetismos. “O modelo brasileiro não é replicável, mas adaptável”, afirma.

Em 3 de Outubro de 2014, foram apresentados 32 projectos, dos quais 14 viriam a ser aprovados e dois já têm financiamento. O valor envolvido para estes projectos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde é de 70 mil euros, igualmente divididos. Uma soma não avultada, mas é importante o seu âmbito e decisiva a função.

Na Guiné-Bissau, trata-se de apoiar 120 mulheres pequenas-agricultoras e 50 jovens da zona de São Domingos e Bigene no aproveitamento de 65 hectares com gestão de água melhorada e a constituição de um centro de formação rural. Já em Cabo Verde, os beneficiários directos do projecto de 35 mil euros são 150 famílias, no vale da Ribeira da Vinha, que se dedicam à produção agro-pecuária.

Os objectivos passam pela formação de 116 pessoas na agricultura sustentável, agro-ecologia e criação de gado, e a formação de 20 mulheres em temas de género, higiene, agregação de valor e comercialização de produtos. Prevista está, ainda, a reabilitação de um viveiro, instalação de rega gota-a-gota e a construção de uma horta escolar.

“Juntos contra a Fome!” tem a cooperação técnica da FAO na definição das políticas públicas que devem ser seguidas, avaliada em um milhão de euros. Mas no financiamento dos projectos – à margem ficam os programas oficiais de cada Estado -, a CPLP conta com parcerias com a sociedade civil. Entre essas iniciativas está o leilão de obras de arte doadas pelos artistas, como as que, a partir de sexta-feira, estão em exposição e venda no Torreão Poente do Terreiro do Paço.

Cooperação portuguesa em cinco países com dez milhões

A cooperação oficial portuguesa para a Estratégia de Segurança Alimentar e Nutricional da CPLP tem como destinatários cinco países: Angola, Timor-Leste, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde. No total, e em parcerias com diversos actores nacionais e internacionais, estão a ser apoiados sete projectos, com um volume de financiamento de dez milhões de euros.

Os dados da Secretaria de Estado da Cooperação apontam que os beneficiários destas iniciativas, para além de órgãos ministeriais daqueles países, são organizações da sociedade civil, pequenos agricultores e populações vulneráveis.

Em Angola, é fornecida assessoria técnica ao Instituto de Investigação Agronómica e apoiado um mestrado em Agronomia e Recursos Naturais. Já em Timor-Leste, o esforço destina-se à dinamização dos circuitos de comercialização e de assistência técnica para o desenvolvimento rural. O desenvolvimento rural da costa litoral de Cabo Delgado e um mestrado em Hidráulica e Recursos Hídricos são os investimentos em Moçambique.

Dois projectos de intensificação da produção alimentar em Bafatá e a formação em segurança alimentar são os apoios dados à Guiné-Bissau. Por fim, em Cabo Verde, é financiado o projecto Sabores da Terra, com 74 mil euros.

Nuno Ribeiro - Público

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