quarta-feira, 14 de março de 2018

Fronteira Marítima | PREZA-NOS NÃO SÓ OS LOUROS, MAS TAMBÉM O PROVEITO E OS LUCROS


MSA - Raimanso* | opinião

Parece irrisório o preço que Austrália tem pago para Timor-Leste sobre os dividendos do Mar de Timor. Não há forças a medir perante o gigante australiano e as suas multinacionais?! Em termos contabilísticos e financeiros, segundo os dados fornecidos pela organização “Lao Hamutuk”, Timor-Leste foi subtraído das suas receitas petrolíferas desde 1999 até 2014 um prejuízo avultado em mais de 5 mil milhões de dólares americanos (5x10^9 US$) contabilizado todas as receitas do mar de Timor desde então que as petrolíferas contraíram de uma forma alegadamente ilícita, apesar de mais tarde ter restabelecido o acordo contrato 90/10 do Joint Petrolleum Development Area - JPDA em 20 de maio de 2002, e a assinatura do acordo de administração e partilha de recursos em Janeiro de 2006 – o denominado Tratado sobre Certos Ajustes no Mar de Timor (Certain Maritime Arrangement in the Timor Sea - CMATS).

Nota: não se ficou comprometido nestes Acordos a delimitação permanente da fronteira marítima entre os dois países. Contudo na sequência deste último Acordo - CMATS permitiu arrecadar em forma de receitas para o tesouro de Timor-Leste os 30 mil milhões de dólares americanos (30x10^9 US$). Não sabemos quanto do lado de lá o lucro das empresas petrolíferas envolvidas como a Conoco Philips, a Osaka Gas, a Royal Dutch Shell e a Woodside Petrolleum e, o Governo Australiano. Presume-se fortunas!

Talvez não seja dinheiro perdido aquela soma de 5 mil milhões de dólares americanos (US$5x10^9). Imagina-se que seja em troca pela generosidade de programas bilaterais da AusAid inflacionado pelos seus “head cost” em expertise e burocratas que vem trabalhar em Díli e que tem sido alegadamente apontados como os olhos e os ouvidos de Canberra, ou talvez pelos custos associados a outras organizações Australianas e das NGO´s que se instalaram no território para uma miríade de coisas, uns alegadamente ao seu serviço para enviar recadinhos de democracia e direitos humanos como se fossem grandes defensores do nosso povo no passado recente.

Nesta cooperação de assuntos bilaterais, queremos parcerias em pé de igualdade, isento e transparente, sem agendas encobertas. Que não nos explorem a fraqueza da ignorância, das limitadas capacidades humanas, técnicas e logísticas e, sem humilhações como não tem sido nos últimos tempos a linha editorial de certos politólogos australianos, manifestando um nada simpático para não dizer hostil contra Timor-Leste, ridicularizando-nos de “estado falhado”. Óbvio que a ocupação ilegal do Mar de Timor pela Austrália para a exploração do petróleo, a demanda de Timor-Leste pela linha mediana para a delimitação da sua fronteira marítima segundo o Direito Internacional, e as sucessivas recusas da Austrália fizeram replicar os sinos da indignação em Timor-Leste.  

E não só, como deve calcular a avultada soma de 5 mil milhões de dólares americanos ficou apenas registada para a memória contabilística dos timorenses, do quanto nos faz falta como povo e como nação. Parece estar perdido, dada a cláusula em que os negociadores chegaram o acordo de ontem, dia 6 de março de 2018 para não sermos indemnizados de quanto a Austrália e as empresas petrolíferas beneficiaram em seu proveito para os seus recheados cofres.

Não foi feita justiça, não! Porque é que não temos que ser ressarcidos dos avultados prejuízos financeiros contabilizados que nos subtraíram das receitas dos poços petrolíferos que jazem na soberania do mar de Timor-Leste desde então, quid júris?
Qual foi a cedência do “toma lá dá cá” do poder de negociar com os parceiros Australianos? Ninguém sabe. Mas calculo o lobby australiano por detrás disso seja forte para ignorar aquele prejuízo de 5 mil milhões de dólares americanos (US$ 5 x 10^9), sumido na cláusula “no more onerous” para as empresas petrolíferas naqueles acordos preliminares JPDA em 2002 e CMATS em 2006. Ao lado disto acredito que nestes grandes negócios não há vizinhos nem amigos, cada uma “brasa à sua sardinha” nesta cobiçada indústria petrolífera multimilionária. Não querendo usar o neologismo daquele palavrão saxónico “burgaining power” pois isto é prato do dia dos lobbies das empresas petrolíferas australianas com o seu Governo e que são sonantes do léxico preço e lucro, sabem melhor do que nós o que isto lhes pesa na balança dos seus interesses quando se pretende faturar dividendos. Sabe-lhes bem, pois não?!

Ainda não é de todo para muitos festejos o acordo de 6 de março de 2018, assinado em Nova York realizado na base da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar –United Nations Convention on the Law of the Sea - UNCLOS, sob os auspícios da Comissão de Mediação. Talvez seja para desanuviar um pouco o pesadelo da luta travada e sorrir com o vizinho para ouvir os cucurabas a chilrear e ver o saltitar dos cangurus.

E agora, a birra dos não capitalistas talvez tenha alguma razão, quando veem os poderosos capitalistas multinacionais assacar o capital dos que menos tem, dos pequenos, neste mundo desigual. Veio à tona aquela metáfora de tirar um porco para dar um naco de chouriço. E ironicamente apelidam-nos de país subdesenvolvido e pobretão. Estes eram alguns dos sintomas de insatisfação de quem viu e ouviu ler o desabafo do principal negociador timorense nas conferências e na missiva endereçada a Comissão de Mediação das Nações Unidas. Merece simpatia e apoio. Também não pretender ganhar cem por cento (100%) neste “toma lá dá cá”. Sem dúvida, há que equacionar os ganhos estratégicos, assegurar a paz e a estabilidade do país, o quão fundamental consenso do desígnio nacional, para assegurar a continuidade das companhias petrolíferas, assegurar a continuação das receitas financeiras de Bayu Undan, assegurar a viabilidade da “joint venture” como de viável seria trazer o gasoduto para Timor-Leste, tendo em conta os seus desafios e o positivo impacto multiplicador económico para o desenvolvimento do País.

O secretismo em torno da substância destas negociações durante meses com advogados a preço de ouro e prata, ao soldo do nosso ressequido cofre de duodécimos, e ainda o sigilo dos termos do acordo resguardado às sete chaves, impediu-nos, o público, conhecer antecipadamente os contornos deste tão esperado acordo, sobretudo os cidadãos timorenses poderem reagir. Finalmente sabe-se que o Acordo redundou em novos acordos de repartição de receitas pendente ao acordo principal, o que não nos parece ainda final e de bom agoiro para festejar todo o sucesso desejado.

A boa fé da Austrália custou-nos mais de 200 mil vidas em troco de “oil for blood” dos timorenses durante os 24 anos em que Austrália selou o seu aval a anexação de Timor-Leste pela Indonésia em 1975. Boa fé?! Se não andassem a espiar-nos e a endossar a conivência do “regime change” do John Howard em 2006 e a ridicularizar-nos nos seus editoriais. Boa fé e generosidade como disse a Ministra dos Negócios Estrangeiros tenho reservas para acreditar. Foi o discurso de momento, diplomático, para assossegar os ânimos exaltados dos timorenses, os ânimos também solidários do povo australiano nesta questão e os interesses internacionais contra esta ocupação ilegal do mar que pertence a Timor-Leste. Para nós resta-nos determinação e sangue-frio. Se fosse pela boa fé, os Liberais e Nacionalistas Australianos aquando no poder em 2002 não teriam retirado da jurisdição do Tribunal Internacional da Justiça (ICJ) de Haia, a Convenção Internacional sobre o Direito do Mar, logo que Timor-Leste gloriosamente restaurou a sua Independência. Valeu-lhes muita astúcia.

Acossados pela ameaça das suas políticas internas, da ameaça dos Trabalhistas (Labour Party) na oposição, por uma margem mínima de 1 assento no Parlamento, que na voz da Senadora Lisa Singh da Tasmânia proclamava o reconhecimento da fronteira marítima na linha mediana no futuro acordo com Timor-Leste quando vier governar, os vários movimentos do Bom Povo Australiano e Timorenses residentes na Austrália contra a sua ocupação ilegal no mar de Timor. Descredibilizados do seu papel de líder no Sudoeste Asiático contra as investidas no mar de China, e a incoerência com ela própria em relação o acordo do mesmo pendor Jurídico Internacional celebrado com a Nova Zelândia, Canberra não tinha hipóteses para não se sentar à mesa de negociações com Díli sob os auspícios da Comissão de Conciliação das Nações Unidas. Foi um corredor que Timor-Leste sabiamente encontrou para chamar o poderoso vizinho, aliás no seu melhor adjetivo the giant Australia, à razão para lhe reivindicar a soberania e os seus direitos subjacentes no mar de Timor.

Estará selado o Acordo de 6 de março de 2018 entre Timor-Leste e Austrália? Presumo que será devidamente reapreciado pelos seus respetivos parlamentares antes da acessão para a ratificação do Acordo e procedimentos protocolares.

O dia 6 de março de 2018, conseguiu-se definitivamente a delimitação da fronteira marítima permanente pela linha mediana, equidistante entre Timor-Leste e a Austrália. Uma merecida conquista e felicitar calorosamente os protagonistas pelo sucesso e que mais uma vez se reescreve com orgulho a Historia de Timor-Leste. Na mesa, falta a divisão das receitas petrolíferas condicionadas com as partilhas 70/30 por cento para Timor-Leste, ou 80/20 por cento para Darwin Austrália. Timor-Leste advoga o tão desejado plano trazer o gasoduto que jaz na área Greater Sunrise com uma produção estimada no valor de 50 mil milhões de dólares americanos (US$50x10^9) para a Costa Sul do País. Duas razões são agora visivelmente plausíveis: a razão da sua soberania, o poço de Greater Sunrise cem por cento (100%) pertence a Timor-Leste e a sua proximidade geográfica com a Costa Sul do País.

Contudo em termos pragmáticos coloca-se grandes desafios, com a falta de recursos humanos capazes para a gestão industrial e de alta tecnologia, uma logística de envergadura para megaprojetos no mar, o desafio do tempo necessário para assegurar a construção das infraestruturas básicas em terra firme (Costa Sul) calculado em tempo record 10 anos, outras infraestruturas associadas, o que transporta para o custo do capital de investimento na ordem dos 5,6 mil milhões de dólares americanos (US$5,6x10^9) considerado pela Comissão de Conciliação da ONU com retornos comerciais exequíveis. O que para Timor-Leste constituem desafios, do outro lado foi trabalho de casa realizada e instalada em Darwin como pontos fortes do lobby australiano. Imagina a batalha!

A estimativa dos 5,6 mil milhões de dólares americanos segundo os peritos da Comissão de Conciliação das Nações Unidas para aquele investimento de capital é mais ou menos equivalente os prejuízos que segundo a base de dados da organização “Lao Hamutuk” tem assinalado pelo desfalque das obrigações das empresas petrolíferas Australianas tem para com o Estado Timorense. É obvio colocar a questão da indemnização como foi referido no início para compensar o todo ou em parte o capital de investimento, apesar dos percalços da cláusula “no more onerous” aludido no contrato JPDA 2002. Resta saber como decorreu a discussão entre os atuais negociadores.

Mas a questão crucial se coloca, no decurso do período de 10 anos de preparação como hipótese, donde virão as receitas para Timor-Leste e de quais poços? Será a continuação das receitas provindas do Bayu Undan e as receitas domésticas? Entretanto o tesouro arrecadado vai sendo gradualmente subtraído em gastos para o Orçamento Geral do Estado Timorense (OGET) que ronda os 85% numa projeção total de 1,4 mil milhões US$ (em 2017) e 2,2 mil milhões US$ (em 2010) anuais. Assim, neste ritmo de despesas, o remanescente 30 mil milhões de dólares americanos (US$30x10^9) que se encontra arrecadado no Banco Federal dos EUA não será suficientemente confortável, capaz de manter naqueles moldes a sustentabilidade do funcionamento da máquina do Estado findo os 10 anos. O Estado timorense poderá abeirar-se para uma insolvência iminente. Parece que nem os juros salvaguardam uma almofada confortável para os gastos anuais seguintes. Carece de esclarecimento.

Sendo desígnio nacional trazer o gasoduto para Timor-Leste, para já, urge parcimónia e contenção nas despesas públicas, visto do lado conservador das coisas, o exercício pelo rigor nas contas públicas, nos gastos e rendimentos dos bens e serviços para o equilíbrio do saldo orçamental, exigindo-se muita prudência. Do lado mais arrojado, urge o consenso nacional na escolha de políticas claras, sobretudo no que respeita o capital de desenvolvimento injetado nas grandes infraestruturas, investimento do grande capital e megaprojetos com retornos só a longo prazo, fase onde poderá estar em causa as necessidades básicas da população sobretudo em bens e serviços, não descurando dos riscos da inflação, da flutuação do preço do petróleo no mercado mundial e o fluxo da economia do País. Precisa sangue-frio nestas decisões cruciais. O que não tem faltado para Timor-Leste é a determinação de querer vencer os desafios.

De todos os prejuízos contabilizados, prejuízos financeiros, perdas de vida humanas durante a ocupação Australiana e Japonesa na Segunda Guerra Mundial em 1942 em que mais de 75 mil vidas pereceram pela causa dos aliados, o aval de Canberra para a ocupação brutal Indonésia em 1975 que ceifou mais 200 mil vidas timorenses no passado; urge hoje o imperativo da paz no país, de paz com os vizinhos, do bem-estar social dos timorenses e o progresso material na senda dos países desenvolvidos. O nosso presente e o futuro de novas gerações comprometem-nos e pesam imenso no prato da balança à prova dos grandes desafios do progresso.

Resta-nos em último reduto salvaguardar a nossa riqueza que faz parte da construção da nossa dignidade humana como povo, como nação e como Estado. Mais uma batalha, trazer o gasoduto para Timor-Leste. Preza-nos não só ter os louros conquistados, mas também a ousadia para faturar o proveito e os lucros.

MSA – RAIMANSO | Correio eletrónico: raimanso@hotmail.com

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