Ludo Lunden | Diligente
33 anos depois do Massacre de
Santa Cruz, a 12 de novembro de
A 28 de outubro de 1991, Sebastião Gomes, um jovem de 18 anos, apoiante da independência e membro da Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste (RENETIL), foi assassinado na Igreja de Motael. Duas semanas depois, a 12 de novembro, ocorreu o Massacre de Santa Cruz.
Foi precisamente dessa igreja que partiu a procissão, dirigindo-se para o cemitério de Santa Cruz, onde se depositaram flores na campa de Sebastião Gomes, e o rastilho para os protestos que se seguiram face à aparição de militares do TNI indonésio armado com metralhadoras. No rescaldo, resultaram pelo menos 271 mortos e 278 feridos, de acordo com a imprensa da altura (Rádio Renascença e semanário Expresso) e um número indeterminado de desaparecidos.
A 12 de novembro de 2024, comemorou-se o 33.º aniversário daquela data e se, ao nível do discurso, a efeméride é considerada uma memória preciosa, algumas práticas parecem indicar outra direção. No dia anterior às comemorações, o Comando-Geral da PNTL, através do Comando Operacional, emitiu uma diretiva ao Comando Municipal de Díli para “garantir a segurança durante as comemorações do 19.º aniversário do Dia Nacional da Juventude e do 33.º aniversário do Massacre de Santa Cruz”. Esta diretiva incluiu a proibição de qualquer manifestação pública, entenda-se, de protestos de qualquer índole.
O Comandante da PNTL de Díli, Superintendente-Chefe Orlando Gomes, assegurou que iria destacar efetivos para locais mais propícios, no seu entendimento, a manifestações de protesto indesejadas. Asseverou que iria “atuar contra grupos ou pessoas que queiram realizar ações de manifestação neste dia” (Youtube da RTTL, Últimas Notícias de 11 de novembro de 2024).
O dia cujo lema é “Orgulho com a nossa história e juntos desenvolvemos a nossa nação para um futuro prospero” conta assim com um primeiro paradoxo: delibera-se silenciar as vozes de jovens que, eventualmente, quisessem protestar em homenagem aos jovens que protestaram a 12 de novembro de 1991 e que, em última instância, tiveram um papel crucial no processo que conduziu à independência e soberania de Timor-Leste.
Um segundo paradoxo reside na circunstância de se saber que a geração de jovens que protestou em 1991 é, mais de três décadas depois, a mesma geração que agora permite estas intenções por passividade, por silêncio, por anuência ou, mais grave, está nos círculos do poder a tomar este tipo de decisões.
Um terceiro paradoxo é que, naquele dia, também se comemorou a décima nona edição do Dia Nacional da Juventude e poucas dúvidas restam que seria a juventude atual o alvo predileto do Superintendente-Chefe Orlando Gomes.
Estas medidas de repressão bacoca encontram maior eco sobretudo em datas comemorativas ou efemérides relevantes: aquando da visita do Papa Francisco, foram detidos ativistas por transportarem sinalética da Palestina ou da Papua Ocidental (bandeiras, crachás ou simples t-shirts) a evocar aqueles movimentos independentistas ou simplesmente a clamar um breve slogan de revolta. Também ocorreram detenções de estudantes universitários em frente ao Parlamento Nacional.
Sim, este ímpeto repressor manifesta-se periodicamente em detenções de jornalistas, ativistas e jovens que ousam protestar. As autoridades insistem que não se pode manchar a sacralidade destas cerimónias, mesmo que estas homenageiem os jovens que, em 1991, perderam a vida com o clamor da sua voz.
No dia 12 de novembro de 1991, jovens cordeiros timorenses baliram pelo direito ao protesto, pelo direito à reunião, pelo direito à manifestação, pelo direito de voto pelo seu futuro, pela independência e pela soberania. À espera dos cordeiros estavam lobos armados que dispararam, que raptaram, que feriram e que mataram. Agora alguns lobos- disfarçados-de-cordeiros, porventura antigos cordeiros, reprimem os atuais que, neste ambiente, nunca balirão.
É difícil acreditar que o “chefe da alcateia” dos atuais lobos-disfarçados-de-cordeiros desconhecesse as intenções do Superintendente-Chefe Orlando Gomes: o seu chefe, o chefe do seu chefe e o chefe supremo da alcateia. E se não ordenou, possibilitou por anuência ou passividade.
Depois de mais de três décadas de escuridão em Timor-Leste, onde jovens derramaram sangue e morte, não era preciso inventar um dia escuro. Não se coaduna, não se adequa, não se justifica…
Ludo Lunden, ex-professor em Timor-Leste após a independência, contribuiu para a formação de jovens professores nas áreas de língua portuguesa e didática. Atualmente, vive em Portugal, dedicando-se à escrita e à investigação em temas de educação, com um foco específico na história da educação e no estudo de manuais escolares.
Imagem: Fridia Lisnawati