Díli, 04 mar (Lusa) - Uma
académica australiana considerou hoje que o anúncio de 2016 dos Trabalhistas
australianos de que negociariam uma fronteira marítima permanente com
Timor-Leste se chegassem ao Governo pode ter contribuído para Camberra aceitar
o novo tratado de fronteiras permanentes.
Kim McGrath referiu que a
fraqueza da maioria de apenas um lugar que os Liberais, no Governo, têm no
parlamento, pode também ter ajudado à mudança histórica e pouco esperada que
permitiu aos dois países acordarem na delimitação da fronteira.
Timor-Leste e a Austrália assinam
na terça-feira, em Nova Iorque, um novo tratado de delimitação de fronteiras
que coloca a divisão ao longo de uma linha equidistante entre os dois países,
postura sempre defendida em Díli, mas que Camberra rejeitava, preferindo
defender a sua bacia continental.
O acordo surgiu depois de cerca
de um ano de negociações entre os dois países no âmbito de uma Comissão de
Conciliação.
Para McGrath, a autora do livro
"Atravessar a linha - A História secreta da Austrália no Mar de
Timor", essa alteração de posição pode ter sido ainda ajudada pela pressão
das petrolíferas, cansadas de "uma indecisão que se arrastava há
décadas".
"Mas também não podemos
ignorar o facto de a Austrália estar muito sensível aos temas do mar do sul da
China. Correndo o risco de ser totalmente hipócrita ao criticar a China por não
respeitar a lei internacional e depois fazer exatamente o mesmo no caso do Mar
de Timor", afirmou, em entrevista à Lusa.
Daí que quando a Comissão de
Conciliação confirma ter jurisdição para o processo, "e para evitar ser
comparada à China", a Austrália primeiro tenha aceitado os resultados do
processo de conciliação e depois "de forma ainda mais surpreendente"
acordado negociar a fronteira marítima.
"Este acordo é muito
significativo. Xanana Gusmão e a equipa timorense estiveram numa verdadeira
batalha de David contra Golias e conseguiram um acordo essencial para o futuro
económico de Timor-Leste", argumentou McGrath.
"Uma das tristes ironias
disto é que o Governo australiano errou na sua avaliação do que eram os
interesses australianos nesta matéria. Se no passado tivesse acordado numa
linha mediana, com Portugal, hoje teria uma democracia estável aqui ao
lado", referiu.
Charles Scheiner, da organização
timorense La'o Hamutuk - uma das principais defensoras de justiça no Mar de
Timor - diz que o grande significado do acordo é que a Austrália "pela
primeira vez reconhece verdadeiramente a soberania timorense".
"Durante décadas, a
Austrália não reconheceu que Timor era um país soberano e mesmo depois de 2002,
quando Timor-Leste se tornou membro da ONU, a Austrália continuou a dizer que
não ia fechar a fronteira, saiu de mecanismos de arbitragem e em todos os
tratados empurrava um acordo definitivo para o futuro. Nunca aceitaram que este
era um país como os mesmos direitos que eles tinham", disse.
"Os cidadãos da austrália
parecem saber mais do que o Governo sobre os interesses timorenses e reconhecem
o importante que a questão da soberania é para os timorenses. Timor-Leste
sacrificou muito para se poder declarar independente", sublinhou.
Mais do que o dinheiro, disse, o
importante é a fronteira e o facto de que a Austrália não a reconhecia, levando
à criação de um "Movimento Contra a Ocupação do Mar de Timor, que era
visto como uma continuação da ocupação indonésia de Timor".
"Ao longo dos últimos 5 anos
começou a haver uma mudança na política australiana querendo começar a
reconhecer Timor como um igual. Dizem-me que nas primeiras reuniões a comissão
funcionou quase como terapia de casal. Falava separadamente com uma parte, e
depois iam ter com a outra parte, porque as duas partes não conseguiam
falar", disse.
"Pode ser que este assunto
se tenha tornado embaraçoso para a Austrália e por isso haja a vontade de o
resolver", considerou.
Scheiner lembrou igualmente a
importância de um processo que foi político do qual a ONU e a equipa da
comissão se devem "sentir orgulhosos", abrindo eventuais precedentes
para o futuro.
"É a primeira vez que este
processo da Comissão de Conciliação foi usado. Espero que sirva com precedente.
Numa era em que a lei internacional está a ser ameaçada, é importante apreciar
que a lei internacional tem valor, que há mecanismos que funcionam. Isto é um
grande exemplo disso", afirmou.
O novo tratado é assinado na
presença do secretário-geral da ONU, António Guterres, na terça-feira, em Nova
Iorque.
ASP // VM
Imagens: 1 - Kim McGrath, em Word for Word
Festival; 2 - "Atravessar a Linha", livro de McGrath.
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A organização timorense La'o
Hamutuk estima que a Austrália "recebeu indevidamente" cerca de cinco
mil milhões de dólares de recursos timorenses devido à falta de fronteiras
marítimas entre os dois países.
As contas tornam-se
significativas porque depois de décadas a insistir que os recursos eram seus,
Camberra finalmente aceitou o determinado na Lei do Mar e a definição de uma
linha equidistante entre os dois países.
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