O
Brasil é um país da lusofonia onde o racismo se expande e está em alta. Como
alguns brasileiros dizem: “se não é branco é atirado para o escanteio.” Significa
que é atirado para o canto. É desprezado, é maltratado, é vítima de racismo.
Sejam índios, pardos (mulatos) negros, amarelos, o racismo está presente nas
atitudes ostensivas e racistas de apartheid de inúmeros brasileiros brancos. A
exclusão dos que são vítimas da pobreza é outra espécie de racismo que é
preponderante no Brasil, país tropical que é impossível ser abençoado por Deus –
como diz a canção – e que também devido ao racismo não é bonito por natureza.
Uma
das demonstrações flagrantes do racismo no Brasil vem referida na comunicação
social (entre tantas outras). O racismo brasileiro não olha a idades, nem mesmo
se for criança. O que vem de mostra a seguir, retirado de Global Voices, é
demonstrativo daquele sentimento e postura intolerante (racista) que prepondera
na sociedade brasileira, sem vergonha, ostensivamente.
Felizmente
que não são todos os brasileiros, mas são em demasia os que subjugam e exibem
preconceito contra a maioria da população brasileira, composta exatamente por índios,
pardos (mulatos), negros e pobres. Há os que comparam a situação racial no
Brasil com a África do Sul de há décadas anteriores. Uma vergonha na lusofonia.
(TA)
Vítima de racismo em escola, menina é obrigada a pedir desculpas aos agressores
Desde
que Camila dos Santos Reis consegue lembrar, a filha Lorena, de 12 anos, sempre
foi uma menina doce, que gosta de correr pelo Parque Ibirapuera, em São Paulo,
e assistir desenhos da Disney. No entanto, desde a volta às aulas esse ano,
Lorena estava diferente — mais quieta, retraída. Era uma noite de março quando
Camila recebeu uma ligação da escola avisando que Lorena seria transferida de
turma porque “os colegas não se adaptaram a ela”.
Foi
difícil para Camila entender. As duas sempre foram muito próximas, era estranho
que Lorena não tivesse contado nada. Quando a mãe a procurou, ela explicou:
tinha vergonha. Desde o início do ano letivo, Lorena — que é negra — estava
sofrendo bullying e racismo na escola.
No
mesmo dia em que Camila recebeu a ligação, Lorena havia procurado a direção
para reclamar dos ataques. Mas, segundo Camila, a escola só tomou medidas para
identificar quem estava por trás dos atques duas semanas depois. Quando os
outros alunos souberam que Lorena teve que nomear os agressores, acabou sendo
confrontada, como conta o post
da página Preta e Acadêmica:
"No
espaço da escola, seus “colegas” começaram a questionar sobre o ocorrido, e
como ela pode ter os dedurado, iniciando uma gritaria contra a criança, que
correu para os braços da diretora do colégio. A diretora, que “já está de saco
cheio dessa história” (palavras da própria), resolveu fazer uma acareação. O
resultado? Lorena teve que pedir desculpas para seus agressores."
Por
fim, a diretora perguntou se a menina gostaria de trocar de turma e Lorena,
cansada, aceitou.
Quatro
dias depois, as coisas pioraram. Como Camila contou
em seu perfil do Facebook, compartilhado por mais de 74 mil pessoas, Lorena
lhe enviou uma mensagem com a frase: “Olha como eu sofro”, seguida de uma série
de áudios.
(…)
coloquei meu fone no ouvido, e apertei o botão “REPRODUZIR”, que susto eu
levei… logo a primeira frase gritada em alto e bom som foi “SUA PRETA, TESTA DE
BATER BIFE DO CARA*****”, foram 53 segundos de ofensas horrorizantes, palavrões
ofensivos, a nível físico, racial e por incrível que pareça sexual, vinda de um
garoto de aproximadamente 13 anos morador do condomínio onde vivemos.
Um
grupo formado por 20 crianças — alguns da escola de Lorena, outros, seus
vizinhos em São Bernardo do Campo — usaram um grupo no Whatsapp para seguir com
as agressões contra Lorena. Camila conta no mesmo post:
Pedi
para ela me mandar todos os áudios que tinha recebido, uma sequência de mais de
20 áudios aproximadamente, então percebi que os áudios estavam sendo enviados
de um grupo de amizade da qual ela faz parte. Todos os participantes do grupo
são do condomínio, onde 2 meninos a ofendiam enquanto alguns outros
incentivavam as ofensas.
As
frases que mais marcaram e mais me assustaram foram:
“SUA
PRETA, TESTA DE BATE BIFE DO CARA******!”
“EU SOU RACISTA MESMO, QUANDO EU QUERO SER RACISTA EU SOU RACISTA, ENTENDEU?”
“TODA VEZ QUE EU ENCONTRAR ELA NA MINHA FRENTE EU VOU ZUAR ATÉ ELA CHORAR”
“VOCÊ VAI FICAR NESTE GRUPO ATÉ VOCÊ CHORAR”
“CABELO DE MOVEDIÇA, CABELO DE MIOJO, CABELO DE MACARRÃO”
Muitos
dos colegas ficaram quietos e preferiram não se manifestar, um deles até saiu
do grupo quando as ofensas começaram, teve outro que se revoltou e disse que
estavam passando dos limites e que aquilo já era desrespeito demais.
Entrei em choque, diante de tantas agressões psicológicas, tamanha inconsequência dessa juventude que ainda nos dias de hoje se comporta de maneira tão cruel, não posso encarar essa situação como “coisa de criança”, racismo nunca foi coisa de criança.
Por
envolver menores de idade, o caso foi encaminhado
ao Conselho Tutelar. Dentro da escola, não houve nenhuma punição aos
agressores ou mesmo uma tentativa de abordar a agressão com os envolvidos.
Em
entrevista ao Global Voices, Camila revelou que isso foi o que a deixou mais
indignada.
“É
o errado vencendo o certo, trocou de turma, mas os alunos não foram
conscientizados do erro que estavam cometendo, e nos corredores da escola
quando se encontrassem, como seria? Eles iam continuar ofendendo ela? Recebi
uma ligação da escola no período da noite me informando que ela seria trocada
de turma porque não houve uma adaptação. Como assim? E na sociedade aonde eu
coloco ela?”.
“Não
é bullying, e sim racismo”
O
que aconteceu com Lorena parece denominador comum na infância de alunos negros.
É a experiência de vida de milhares de meninas negras que passam pelos anos de
escola tendo que ouvir piadas sobre seus cabelos e a cor da pele. Todas vítimas
de racismo, não bullying.
Para
diferenciar as duas formas de preconceito, em 2013, um grupo de 21 mulheres
negras resolveu reunir suas histórias de escola no livro “Negras
(in)confidências: Bullying, não. Isto é racismo”, onde explicam:
As
organizadoras fazem questão de afirmar que o que ocorre com as crianças negras
não é bullying e sim racismo, pois, no primeiro caso, a maior parte das
agressões acontece sem a presença dos adultos e os que sofrem a agressão tendem
a cometer atos de agressão por terem sofrido agressões, mas não falam sobre o
assunto. O racismo, no entanto, é uma ideologia que afirma uma raça superior a
outra; a ideologia é tão difundida que as agressões ocorrem tanto na presença
de adultos, como os mesmos as promovem, assim, mesmo que as crianças procurem
ajuda na escola, não a obterão, o que aumenta a sensação de injustiça e
solidão. Acreditam que o bullying inferioriza e o racismo, para além de
inferiorizar, desumaniza o ser humano.
Uma pesquisa realizada
pela Fundação Institucional de Pesquisas Econômicas (Fipe), em 2009, mostrou
que o preconceito étnico-racial é o segundo mais forte nas escolas brasileiras,
atrás apenas de preconceito por questões físicas, como obesidade. O estudo
ouviu professores, funcionários e alunos de 500 escolas em todo o país. Apenas
5% dos entrevistados eram negros.
Em
2003, a assinatura da lei 10.639, tornando o ensino da “História e Cultura
Afro-Brasileira” temática obrigatória nas escolas, parecia anunciar uma mudança
no sistema. Mas não foi bem assim. Dez anos depois, num
artigo na Revista Fórum, o professor Dennis Oliveira, membro do Núcleo de
Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb),
apontou entre os problemas na implementação da lei a resistência de cursos
superiores de pedagogia em incluir a matéria no currículo e, consequentemente,
a falta de professores com formação nela.
Viviane
de Paula, em artigo
publicado no site Blogueiras Negras, afirma que “o ambiente escolar é ainda
agente opressor para muitas identidades”, algo que tanto o Estado quanto as
comunidades escolares ainda não conseguem reconhecer:
A
escola, sem dúvidas, é um espaço sócio-cultural que deve aceitar e, sobretudo,
discutir amplamente a pluraridade cultural, até mesmo como uma maneira de
desconstruir preconceitos. O que muitas vezes presencia-se nas escolas são
atitudes de descaso e silenciamento por parte da gestão escolar. Observa-se que
os gestores de instituições públicas e privadas não se posicionam: é mais fácil
esconder, do que problematizar.
#SomosTodasLorena
Depois
de tudo o que aconteceu na escola, Lorena só queria ver o pai, a mãe e a melhor
amiga. “Isso gerou uma insegurança muito grande nela, além da resistência em ir
para a escola, ela está tendo muita dificuldade de dormir, acorda de madrugada
e não consegue mais pegar no sono, e o apetite dela diminuiu muito”, contou
Camila em entrevista ao GV.
Ainda
assim, o apoio que Camila encontrou nas redes sociais desde que contou a
história da filha revela que a internet se abriu como espaço de afirmação a
tudo aquilo que é ignorado fora da rede. “Diante da proporção que este caso
tomou e da quantidade de mensagens de apoio, ajuda e carinho que recebemos,
acredite, existem muito mais pessoas do bem do que do mal”, comentou em
entrevista ao GV.
Logo
após a publicação do relato no Facebook, um sociólogo escreveu para Camila se
oferecendo para realizar um treinamento com o corpo docente da escola sobre
medidas socioeducativas a serem tomadas nesse tipo de situação. A escola
aceitou, mas depois
voltou atrás.
Segundo
Camila, ainda há muito para acontecer até a conclusão do caso. A hashtag
#SomosTodasLorena começou a circular mostrando mães e comunidades dedicadas a exaltar
os cabelos crespos, como o grupo As Vantagens
de se Enrolar.
Desde
que sua história apareceu na internet, Lolô (como Lorena é carinhosamente
chamada) adotou um black power. Um começo para ela descobrir como ela é
linda e tem poder.
Foto:
Lorena, de 12 anos, e a mãe Camila. (Foto: Facebook/Imagem utilizada com
permissão)
Fernanda Canofre – Global Voices (título e introdução de Timor Agora)
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