Redação, 09 jan (Lusa) -- Os
registos históricos não permitem averiguar a escala, mas o trabalho forçado nas
colónias portuguesas era uma realidade "bastante disseminada", pelo
menos até à década de 1960, segundo o historiador José Pedro Monteiro, num novo
livro sobre o tema.
Depois de concluída a tese de
doutoramento intitulada "A internacionalização das políticas laborais
'indígenas' no império colonial português (1944-1962)", José Pedro
Monteiro apresenta, na quinta-feira, em Lisboa, o livro daí resultante:
"Portugal e a questão do trabalho forçado: Um império sob escrutínio"
(Edições 70).
O trabalho analisa "o modo
como as dinâmicas internacionais e transnacionais se relacionaram com o trajeto
histórico do Império Português em matéria de relações laborais 'indígenas'
(mais precisamente entre 1944 e 1962)", tendo por base que "qualquer
estudo sobre a evolução das políticas e práticas sociais no colonialismo tardio
português que omita o impacto destas dinâmicas é forçosamente incompleto e,
mais do que isso, marcadamente lacunar/impreciso".
Questionado pela Lusa sobre a
dimensão do trabalho forçado nas colónias portuguesas durante o período
estudado, José Pedro Monteiro respondeu que o material disponível não permite
chegar a números precisos: "É muito difícil conseguir-se ter uma ideia
global à escala do império. Primeiro, há realidades geográficas muito
distintas. Em Cabo Verde ,
Timor e, eventualmente, na Guiné a questão do trabalho forçado não se coloca da
mesma maneira que se coloca em
São Tomé , Angola e Moçambique".
Por isso, "desconfiaria
muito de alguém que desse um número redondo para os trabalhadores
forçados", salientou.
No livro, com base em
documentação da viragem da década de 1950, José Pedro Monteiro constata que
"o trabalho obrigatório não se limitava a fins públicos [como previsto no
Código de Trabalho dos Indígenas (CTI)]; para fins públicos, era usado como
regra e não como dando resposta às exceções previstas no CTI; o recrutamento
era feito generalizadamente com intervenção das autoridades administrativas
(tanto para fins privados como públicos); os compromissos de repatriamento não
eram respeitados; as taxas de mortalidade eram extraordinariamente altas; e,
por fim, os castigos corporais estavam longe de estar completamente erradicados,
como a lei postulava".
Por exemplo, em 1945, um
relatório indicava a existência de trabalhadores presos com
"grilhetas" ao pescoço em
São Tomé , o que levava o Inspetor Superior de Serviços
Judiciais a argumentar contra tal imposição, "não por uma razão
humanitária, [mas] antes diplomática", depois de turistas estrangeiros
terem fotografado pessoas a serem chicoteadas, o que podia levar a censura
internacional.
Em 1951, um encarregado de
serviços da Inspeção Superior dos Negócios Indígenas desfiava "um rol de
iniquidades e abusos": desde a elevada taxa de mortalidade no transporte
de pessoas aos "acidentes de trabalho que eram dados como ocorridos nas
horas de descanso, como forma de desresponsabilização", passando pelos
"inválidos que eram obrigados a trabalhar em São Tomé ", então
classificados como "verdadeiros farrapos humanos", ou pelas violações
sistemáticas de mulheres de trabalhadores, "enquanto outras grávidas e
mulheres com filhos eram 'monstruosamente espancadas com mais de 50
palmatoadas' por terem abandonado o trabalho".
Sobre a escala daquela realidade,
José Pedro Monteiro esclareceu: "Muitas das vezes, o que para um é
trabalho forçado para outro não é. O facto de a própria legislação ser ambígua
e dizer que se deve encorajar o indígena a trabalhar, é muito difícil conseguir
ter um registo de quais os números exatos. Há situações muito cinzentas. O que
posso dizer é que se manteve como realidade bastante disseminada -- com
diferenças -- até 1961/62. Mais não posso dizer porque a minha tese para em
1962".
O investigador de
pós-doutoramento do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
salientou que "há diferenças entre as colónias", até mesmo dentro das
distintas colónias.
Apesar de o "reformismo
português existir", este tinha limites que eram, "em grande medida,
resultado de uma equação utilitarista": "Aqueles funcionários que se
indignavam com o trabalho forçado e exigiam o cumprimento integral do CTI eram
(...) provavelmente aqueles mais comprometidos com uma mudança".
Por outro lado, "nestas
mesmas instâncias de inspeção encontram-se relatos bem mais complacentes com
práticas de trabalho coercivo", como é disso exemplo o escrito de um
determinado funcionário: "Todo aquele que tem lidado com pretos sabe muito
bem que o indígena nunca vai trabalhar para fora da sua terra, por um período
superior a cinco ou seis meses, contratado de sua livre vontade. Pode
ausentar-se por um período superior como voluntário. Como contratado só
obrigado".
A apresentação de "Portugal
e a questão do trabalho forçado" está marcada para quinta-feira, às 18:00,
na Livraria Almedina Rato, em Lisboa, com a presença de António Araújo e de
Francisco Louçã.
TDI // PJA
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