Jacarta, 18 mai 2019 (Lusa) -- A
última bandeira portuguesa deixada na ilha timorense de Ataúro quando o então
governador Lemos Pires saiu do país, a 23 de setembro de 1975, está numa pasta
de madeira, numa casa nos arredores de Jacarta.
"Esta bandeira tem a sua
história especial", conta o ex-embaixador indonésio, Francisco Lopes da
Cruz, um homem que tem passaporte dos dois países que ocuparam a terra onde
nasceu, Timor-Leste.
Numa entrevista à Lusa, Lopes da
Cruz, fundador da União Democrática Timorense (UDT), mostra a histórica
bandeira portuguesa que tem.
O ex-diplomata indonésio
levanta-se, sai da sala por momentos e regressa pouco tempo depois, com uma
mala de negócios, uma pasta que em vez do habitual coro é feita de madeira, com
uma pega também de madeira e dois fechos sólidos, de metal.
Na zona dos fechos, impresso com
letras brancas lê-se "Istana Presiden R. I." (Palácio Presidente República
Indonésia).
Uma cor idêntica à da camisa
escura de batik do embaixador, sobre a qual se destaca um longo terço em prata,
a mesma cor da barba aparada de Lopes da Cruz, que está em fotos com a família
e com personalidades internacionais nas paredes da sala.
Na casa -- foi-lhe dada como
antigo diplomata -- destaca-se a simbologia religiosa católica.
"Quando os portugueses
deixaram a ilha de Ataúro, deixaram a bandeira portuguesa hasteada. Quando a
tropa indonésia chegou lá, arrearam a bandeira, com todas as honras militares,
e hastearam a bandeira indonésia", disse.
"Timorenses da UDT pediram à
tropa indonésia para que esta bandeira seja entregue a mim como presidente da
UDT, partido que defendia a continuação com Portugal, antes da independência. E
a Indonésia aceitou e eles meteram-se numa barcaça e levaram a bandeira a Díli
e entregaram-me pessoalmente", conta.
Houve muitos que não gostaram,
explica, pretendendo que a bandeira fosse para o museu nacional em Jacarta.
"Vim a Jacarta e falei com o
Presidente [indonésio] Suharto e expliquei tudo sobre essa bandeira. Ele disse,
senhor Da Cruz -- era o único que me tratava por Da Cruz -, leve essa pasta,
ponha a bandeira dentro dessa mala", recorda.
"Ninguém pode tirar essa
bandeira da sua mão sem o conhecimento do Presidente. E assim foi: meti a
bandeira dentro dessa caixa e já lá vão mais de 30 anos", refere.
Com cuidado vai dobrando a
bandeira e explica o significado especial que tem para si: "eu defendi
essa bandeira, durante a guerra em Moçambique, e depois em Timor, como soldado.
Essa bandeira representa Portugal".
Mas a bandeira portuguesa não é a
única. Dobradas estão outras na pasta de Suharto.
"Por debaixo está a primeira
bandeira da UDT, que queria a ligação com Portugal. A senhora que coseu essa bandeira
ainda continua viva, em Timor-leste. Levei sempre a bandeira comigo, até a
fronteira e depois de volta a Díli. Sempre comigo", conta.
Por baixo dessa, explica, está a
da Fretilin, partido que Lopes da Cruz acusa de lhe ter morto vários
familiares.
"Quando a UDT chegou à
fronteira, apanharam esta bandeira, queriam queimar a bandeira. Disse que não,
tirei a bandeira, de 1975, fiquei com esta bandeira, porque é dos timorenses
como nós. Estava içada em Batugadé. Fiquei com essa bandeira desde 1975 até agora",
explica.
No fundo de todas a mais recente,
a bandeira da Indonésia, que diz ter recebido quando veio para Jacarta, em
1982.
Quatro bandeiras fundamentais da
história de Timor-Leste, mas também da história de Lopes da Cruz que
questionado admite que a que traz "mais no coração" continua a ser a
portuguesa.
"Os meus pais, avós, todos
eram portugueses, quer queira quer não", disse.
ASP // PJA
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