Lisboa,
29 mar (Lusa) -- O antigo Presidente da República Jorge Sampaio admite o
sentimento de que Portugal "falhou completamente" a sua missão em
Macau e nem sequer lá deixou "grandes marcas", como o ensino da
língua portuguesa.
No
segundo volume da sua biografia política, da autoria do jornalista do Expresso
José Pedro Castanheira, o ex-chefe de Estado considera, contudo, que "não
podia ter feito mais" pelo território, então sob administração portuguesa,
e aponta críticas ao último governador, Vasco Rocha Vieira.
"É
verdade que o nosso sistema foi mais brando que o de Hong-Kong, mas tive sempre
o sentimento de que falhámos completamente a nossa missão. No entanto, eu não
podia ter feito mais. Só eu sei o que sofri, literalmente. Dei uma luta de
morte, apenas por razões de patriotismo e de alguma decência, para fazer as
coisas bem feitas...", assume o ex-Presidente.
No
capítulo intitulado "O adeus de Macau ou o fim do império", que ocupa
44 das mais de mil páginas do livro, Sampaio admite que, em Macau, sempre teve
"a sensação de que estava na China com portugueses".
"Aquilo
era China e Portugal não deixou lá grandes marcas -- e as que deixou foi a
Chima que teve mais interesse em conservar e mostrar. Se tivemos alguma missão
em Angola ou em Moçambique, ali qual foi", interroga-se no livro.
O
ex-Presidente admite também que nunca gostou de Macau, apesar de ter apreço os
macaenses.
"Gostei
muito de conhecer os macaenses, mas nunca gostei de Macau. Em 500 anos nem ao
menos conseguimos ensinar português e ficámos com a fama de tipos que foram
para lá enriquecer", sublinha o antigo chefe de Estado, acrescentando:
"Não tenho a mais pequena prova contra ninguém, mas tinha a noção do que
ia acontecendo".
Jorge
Sampaio aponta também críticas do último governador de Macau, Vasco Rocha
Vieira, no cargo desde 1991 (sucessor de Carlos Melancia) e que chegou a ser
apontado como um bom candidato presidencial contra si, nas eleições de 1996,
numa altura em que Cavaco Silva mantinha o tabu sobre a entrada na corrida a
Belém.
"Nos
primeiros anos [em Macau, Rocha Vieira] fez o que quis, usou aquilo para fazer
uma promoção gigantesca e toda a gente diz que o objetivo era Belém",
refere no livro.
A
passagem mais crítica diz respeito à criação da Fundação Jorge Álvares por
parte do antigo governador, à "revelia" do Presidente. O comentário
do ex-Presidente terá sido tão forte, quando soube que o assunto tinha
avançado, que "não pode ser transcrito" para o livro de José Pedro
Castanheira.
Antes
da transição, Sampaio afirma ter dito "de dedo em riste, senhor
governador: assim não há Fundação Jorge Álvares" e prossegue: Rocha Vieira
"agiu com má-fé. Tinha instruções para não o fazer e fez".
Outra
questão que suscitou a críticas para o então governador foi o arriar da
bandeira no Palácio da Praia Grande, o símbolo da administração portuguesa.
"A
história da bandeira foi ridícula: estudada ao milímetro e feita a uma hora em
que nós não estávamos", acusou.
A
questão do discurso na Universidade de Macau, em fevereiro de 1999, quando
optou por retirar a referência mais crítica à Indonésia, tornando-se num alvo
de críticas generalizadas, é também apontada na biografia.
Jorge
Sampaio revela que foi Rocha Vieira quem lhe pediu para retirar a passagem
crítica da Indonésia, ocupante de Timor-Leste, para não hostilizar um aliado da
China.
"Quando
rebentaram as críticas, não abriu a boca, deixou-me debaixo de fogo. Foi sempre
assim", acusa o ex-Presidente.
No
livro, Jorge Sampaio critica também o executivo liderado por António Guterres,
que considera ter prestado "pouca atenção a Macau".
"Andei
sempre atrás do Governo para saber como estavam as coisas", salienta.
Ainda
no livro, o ex-Presidente admite que nunca percebeu a vontade do seu
conselheiro Manuel Magalhães e Silva em suceder a Rocha Vieira como governador
de Macau, embora considerando que "foi melhor assim", para não ficar
"debaixo de fogo" por ser um dos da sua "trupe".
JPS
// PJA
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