quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Banco de Portugal faz ‘desaparecer’ remessas de Macau

Ninguém sabe quanto dinheiro é enviado de Macau para Portugal. Nem o Banco de Portugal, que se limita a calcular um valor ridículo, depois de alterações estatísticas feitas em 2013. Agora – oficialmente – só estimativas.

João Paulo Meneses*

Em 2013, os residentes de Macau enviaram para Portugal 4,1 milhões de euros (pouco mais de 40 milhões de patacas, aos valores actuais), mas no ano seguinte a soma das remessas colocadas em Lisboa ficou-se pelos 60 mil euros (quase 600 mil patacas).
Não, não é engano – pelo menos se tomarmos em conta que são dados oficiais, do Banco de Portugal.

E não é engano porque em 2014 o valor ficou-se pelos 90 mil euros e, no ano seguinte, pelos 50 mil euros (menos de 500 mil patacas).

Os dados surgiram pela primeira vez num documento do Observatório da Emigração, apresentado publicamente no final de Dezembro, mas divulgado na Internet alguns meses antes, e citam as estatísticas da balança de pagamentos, na rubrica “Remessas de emigrantes/imigrantes” relativas a Macau.

Desde Novembro que o PONTO FINAL procura conhecer a explicação para este desaparecimento, sendo que os responsáveis do Observatório da Emigração se limitaram a responder que “o Observatório não lhe consegue dar uma resposta à questão que expôs. Nós não dispomos de informação sobre o motivo, só o Banco de Portugal o poderá esclarecer.”

Seguiram-se vários contactos com o Banco de Portugal – infrutíferos, por falta de resposta.

Em simultâneo, este jornal contactou informalmente vários Portugueses com responsabilidades na comunidade em Macau e todos se mostraram perplexos. Ainda assim houve quem avançasse que a alteração estaria ligada às obrigações de maior controle bancário, associadas à evasão fiscal e à troca de informação fiscal entre jurisdições, o que conduziria a uma alteração dos critérios de classificação.

ESTIMATIVA

Uma coisa as várias opiniões recolhidas tinham em comum: ninguém acreditou que a comunidade Portuguesa residente em Macau estivesse a enviar, no seu conjunto, 500 mil patacas por ano (os últimos dados referem-se a 2016).

Imagine-se uma família com dois ou três filhos a estudar em Portugal. Não gastaria, no total dos encargos directos e indirectos, quase 500 mil patacas?

Era, pois, forçoso encontrar uma explicação oficial, que veio da Secretaria de Estado das Comunidades!

Confrontado pelo PONTO FINAL com o insólito da situação, o gabinete de José Luís Carneiro contactou o Banco de Portugal, que acabou por responder.

Assim, além de confirmar a veracidade dos números, o Núcleo de Difusão Estatística do Banco de Portugal esclarece que “entre 2013 e 2014, houve uma alteração do procedimento de compilação das estatísticas externas dado que, por imposição legal a nível europeu, os bancos deixaram de reportar a classificação estatística da natureza das operações dos seus clientes”.

Face a esta alteração, o Banco de Portugal foi obrigado a alterar “os procedimentos de compilação das estatísticas externas (que são da sua exclusiva responsabilidade) passando o reporte COPE (Comunicação de Operações e Posições com o Exterior) a ser a peça fulcral. Este é um reporte directo das operações com o exterior efectuado por todas as entidades colectivas residentes, com mais de 100 mil euros de transações com o exterior por ano”.

Acontece que – e é esta a parte que nos interessa – “neste contexto, a componente de remessas da Balança de Pagamentos teve de passar a ser estimada, com impacto ao nível do detalhe geográfico, mas sem impacto relevante ao nível do total”.

Ou seja, os 50 mil euros relativos a 2016 são uma estimativa. Para não estar lá zero. Mas, na verdade, deixou de ser possível saber quanto valem as remessas que a comunidade Portuguesa envia para Portugal anualmente.

O Banco de Portugal diz também, noutro documento interno, consultado pelo PONTO FINAL, que “seguindo a estratégia mundial de alteração e melhoria das estatísticas externas, nomeadamente de cobertura, mensuração e divulgação, o Banco de Portugal publicou, em outubro de 2014, novas estatísticas sobre a balança de pagamentos e a posição de investimento internacional. Esta divulgação consubstancia a alteração mais significativa em termos de apresentação destas estatísticas, operada em Portugal desde o início de 1999”.
De 18 milhões a… nada

É no mínimo estranho que na era da informação, da informação digitalizada e da obrigatória troca de informações entre os estados e regiões do mundo, não seja hoje possível saber o que até 2013 eram dados banais.

E são esses dados ‘banais’ que nos permitem perceber que após uma quebra muito acentuada, a seguir à transição (14 milhões de euros em 2001, 18 milhões em 2000), houve uma recuperação. Que coincidiu com a chegada a Macau de mais Portugueses, a partir de 2011.

Em 2008 há uma recuperação para 8 milhões de euros, mas em 2010 o indicador atinge o valor mais baixo de sempre (2,4 milhões). E é a partir daí que se dá a recuperação, interrompida pela ausência de dados estatísticos oficiais.

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