quarta-feira, 24 de maio de 2017

POR TIMOR | “Uma das mais belas páginas de sempre do jornalismo português”

“Em Timor ... jornalistas portugueses cumpriram o sagrado dever que é o de emprestar a voz a quem não tem voz ...” (Adelino Gomes).

Timor-Leste sempre reconheceu o papel decisivo que a imprensa teve no longo percurso para a independência e, por esse motivo, foram muitos os jornalistas e órgãos de informação condecorados desde a independência.

No dia 20 de maio do corrente mês, este país comemorou o 15.º aniversário da independência e Francisco Lu-olo Guterres tomou posse como o novo presidente da República. Na semana anterior, o então presidente da República Taur Matan Ruak voltou e relembrar a importância dos jornalistas na denúncia da opressão a que os timorenses estavam sujeitos e condecorou mais alguns jornalistas.

Homenagem a Anabela Góis

Uma das pessoas condecoradas no corrente mês com a “Ordem de Timor” foi Anabela Góis. Esta jornalista, entre as muitas ações em que participou ao serviço da Rádio Renascença, em 1997 entrevistou Xanana Gusmão na cadeia em Cipinang, Indonésia; Acompanhou as negociações Portugal/Indonésia, a preparação do referendo e o recenseamento em 1999; Assistiu à campanha e à consulta popular de 30 de agosto de 1999, assim como presenciou pessoalmente e relatou dia a dia toda a violência que se seguiu à divulgação dos resultados do referendo; Esteve nos campos de refugiados; Assistiu à libertação de Xanana Gusmão em Jakarta; Acompanhou as primeiras eleições de Timor-Leste e assistiu à independência do país em maio de 2002.

Embora esta homenagem seja pessoal, não deixa de representar um reconhecimento e bom exemplo, entre muitos outros, de que jornalismo português se orgulha.

Jornalistas assassinados

O trabalho da imprensa em Timor-Leste, antes da independência, nunca foi fácil, os jornalistas sempre foram personae non gratae e alguns pagaram bem cara a sua missão. Logo de início da ocupação, cinco jornalistas foram assassinados a 16 outubro de 1975 em Balibó (Bobonaro): os australianos Greg Shackleton e Tony Stewart; o neozelandês Gary Cunningham e os britânicos Brian Peters e Malcom Rennie. Adelino Gomes, na altura ao serviço da RTP, esteve com estes jornalistas em Balibó, poucas horas antes de serem assassinados.

Após a consulta popular de 30 agosto de 1999, outros jornalistas perderam a vida, como o timorense Bernardino Guterres, crítico da ocupação que foi assassinado em 26 agosto de 1999 e Sander Thoens, correspondente do Jornal Financial Times, abatido a tiro em Becora em 22 setembro 1999 quando tentava fazer uma reportagem sobre um ataque de milícias. Junto à igreja de Becora há uma placa em sua homenagem e essa rua passou a chamar-se Avenida da Liberdade de Imprensa, uma das maiores avenidas de Dili.

Coragem dos jornalistas portugueses

Durante os ataques e massacres de 1999, os jornalistas que se encontravam em Dili foram aconselhados e ameaçados para que abandonassem o território. A maior parte saiu, mas vários jornalistas portugueses, correndo risco de vida, resistiram às milícias e militares indonésios, não abandonaram a cidade e continuaram junto dos timorenses a reportar o que se passava. Como atrás se viu, com casos de jornalistas assassinados, as ameaças eram bem reais e sérias.

Entre estes jornalistas encontravam-se Hernâni Carvalho, Jorge Araújo, José Vegar e Luciano Alvarez, sobre os quais Adelino Gomes, que também conviveu com o risco de vida, mencionou na sessão de apresentação do livro “Timor - O Insuportável Ruído das Lágrimas”, Campo das Letras, Porto, 2000: Em Timor-Leste os “jornalistas portugueses cumpriram o sagrado dever que é o de emprestar a voz a quem não tem voz ... Eles foram os protagonistas de uma das mais belas páginas de sempre do jornalismo português.”

João Luís Gonçalves | Diário de Notícias (Funchal)

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