segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Ex-ministra Lúcia Lobato quer “limpar a máfia” que diz “existir na justiça de Timor-Leste”


A ex-ministra da Justiça de Timor-Leste tem vindo a denunciar, na sua página do Facebook, alegadas “irregularidades no julgamento” da qual foi arguida e condenada.

Lúcia Lobato, ministra do IV Governo Constitucional liderado por Xanana Gusmão, foi condenada em 2013 a uma pena de prisão de 5 anos por “participação económica em negócio com prejuízo ao Estado timorense numa valia de 4200 dólares“. Cumpriu dois anos de prisão efetiva devido a um indulto concedido pelo Presidente Taur Matan Ruak, em 2015. A antiga ministra foi considerada a “autora moral” do crime num incidente relacionado com a aquisição de fardas para equipar guardas prisionais da Direção Nacional dos Serviços Prisionais e de Reinserção Social.

Numa carta aberta dirigida à presidência do Parlamento Nacional em 2013, Lúcia Lobato revela preocupações com “irregularidades relacionadas com o seu julgamento”, preocupações que estão também ligadas com o pedido de demissão do antigo presidente do Tribunal de Recurso timorense, o juiz Cláudio Ximenes.

Na carta, a ex-ministra coloca em questão a declaração política do partido FRETILIN de 2013, no Parlamento Nacional (PN), onde se pôs em causa a conduta do juiz Cláudio Ximenes quanto à intervenção do seu processo para precaver manipulação nas decisões judiciais:

"Questiono, assim, a “agenda” encoberta ínsita nas declarações proferidas no Parlamento Nacional. Questiono como cidadã, como ex-Ministra da Justiça, quais são os verdadeiros intuitos por detrás de tais afirmações. Remover um juiz, timorense, com mais de 30 anos de Magistratura Judicial para substituir por alguém, certamente não qualificado, mais próximo do partido em causa? É essa a credibilização que se quer dar ao sistema judiciário de Timor-Leste?"

No seu Facebook, Lobato diz “autorizar a divulgação pública das suas comunicações móveis que manteve com diversos juízes”, porque a ex-ministra questiona uma “lista de chamadas” que o deputado, Aniceto Guterres, apresentou no PN como prova de que havia comunicações entre a arguida e o juiz Cláudio Ximenes com planos para a ajudar a libertar da prisão. “Se o argumento de que manter comunicações com a arguida passou para afastar o juiz Cláudio Ximenes do meu processo, mediante um incidente de suspeição, tal deveria também ser o caso relativamente a outros intervenientes”, sublinha.

Em abril de 2013, em declarações ao Jornal Suara Timor Lorosae (STL), o juiz Cláudio Ximenes, reagiu às acusações do deputado Aniceto Guterres da seguinte maneira:

"A informação dada pelo deputado Aniceto Guterres, no que toca à minha promessa de rever o processo do referido caso, a fim de libertar a condenada Lúcia Lobato da prisão através da “habeas corpos” não é correcta."

Nesse mesmo ano, numa entrevista ao Jornal Nacional Diário, Aniceto Guterres, rejeitou qualquer envolvimento na acusação de Lúcia Lobato. Guterres afirma ainda que se sente vítima de acusações falsas por parte da defesa da ex-ministra da Justiça e que no momento certo irá remeter uma queixa por denúncia caluniosa contra a defesa da mesma.

"Eu não tenho qualquer interesse no caso da Lúcia Lobato, como jurista interessa-me o sistema da justiça, que é que tem mesmo interesse no caso da Lúcia Lobato, como jurista interessa-me o sistema da justiça, temos de ver e temos de desvendar."

Processo contra juízes por falta de imparcialidade

Em fevereiro deste ano, Lúcia Lobato declarou à agência de notícias Lusa que admitia avançar com um processo de investigação contra dois juízes portugueses por estes terem sido parciais no seu julgamento.

A juíza portuguesa, Margarida Veloso, antiga inspetora judicial em Timor-Leste que participou no Conselho Superior da Magistratura (CSM) em 2013, apresenta factos indicando que os juízes que mantiveram a condenação da ex-ministra timorense não foram isentos. De acordo com os factos apresentados, uma magistrada timorense terá “ameaçado” um juiz Português de não lhe renovar o contrato de trabalho caso este decidisse a favor da libertação da ministra da Justiça, Lúcia Lobato, através da aceitação do pedido de ‘habeas corpus’.

Margarida Veloso sublinha:

(O Dr. Rui Penha ofereceu-se para relatar o acórdão do Dr. José Goia para contra argumentar a decisão proferida pelo Sr. Presidente Dr. Cláudio Ximenes, enquanto o Dr. Cid Geraldo e Dr. José Goia, alegadamente com o Dr. Aniceto convenceram uma Juíza Nacional a integrar o colectivo), ao arrepio das normas que presidem a composição dos Colectivos junto do Tribunal de Recurso, comprometem também o papel do Juiz internacional na sua qualidade de assessor e formador, uma vez que transmitem praticas eticamente censuráveis e erradas“.

Em conversa com o Global Voices, Lúcia Lobato diz ter enviado cartas não apenas ao Parlamento Nacional mas também ao Governo. Até hoje, não recebeu uma resposta “qualificada”, disse:

"Não só enviei cartas ao Parlamento mas também ao Presidente e Governo antes e depois do tribunal me condenar, mas ninguém me respondeu… [de forma] qualificada."

Lúcia Lobato alega erros procedimentais e lança suspeição sobre a imparcialidade dos juízes envolvidos no caso, por questões políticas:

"Até hoje, nunca recebi nenhuma resposta à carta que enviei aos representantes do Povo no PN. Não apenas pelos deputados não terem vontade politica, mas também em saber por algumas fontes credíveis que o grande partido da CNRT no PN não se quer pronunciar em relação ao meu pedido por causa do “casamento” entre a CNRT e a FRETILIN. Responder ao meu pedido para levantar uma Comissão de Inquérito Parlamentar é como destruir a “lua-de-mel” CNRT-FRETILIN."

A ex-ministra termina lamentando que o mais importante sejam as agendas políticas dos partidos e promete “limpar a máfia” que acredita “existir na justiça timorense”:

"Se fizermos uma pequena análise politica, o importante é os partidos CNRT-FRETILIN cuidarem do seu “casamento” para assegurar as agendas politicas no PN do que ponderar a criação de uma Comissão de Inquérito Parlamentar com vista a investigar as acusações que envolvem o Chefe da Bancada da Fretilin, distinto deputado Aniceto Guterres e a sua esposa juíza (?) Maria Natércia Gusmão Pereira. Este é um esforço, com os meus próprios meios para contribuir em limpar a “máfia na justiça” em Timor-Leste mesmo que até hoje ainda não tenha tido uma resposta do Parlamento Nacional."

Eleições em 2017, “há quem considere que a ex-ministra está a fazer campanha”

Os seguidores do Facebook de Lúcia Lobato mostram-se solidários com ela dando-lhe força para a sua causa. No entanto, há quem considere que a ex-ministra está a fazer campanha contra o partido da Fretilin, numa altura em que as eleições legislativas se aproximam.


"Nós todos reconhecemos os defeitos deste pais. Nós todos reconhecemos a injustiça no nosso povo. Nós reconhecemos que o caso que mana Lúcia Lobato enfrenta também é uma injustiça. Mesmo assim, como cidadãos timorenses, nós temos de fazer um exame de consciência, talvez o nosso produto seja injusto para outros. Reconhecer que desde 2000 até 2006 e até hoje, 2016, os nossos líderes utilizam a “Politica Ordena a Lei”.

"Por isso qualquer um faz manobras para se salvar. Quem é que pode julgar o autor intelectual que esta a destruir Dili? A lei não esta certa, o tribunal não esta certo, o erro aponta-se imediatamente a Fretilin. O grupo pequeno que conspira e enfraquece a Lei com intenção de Roubar a riqueza de Timor-Leste, ninguém fala. Por isso, eu sou solidário para o caso da mana Lúcia Lobato pela injustiça que ela enfrenta. Mas para completar, ao falar de todo processo, fale também da lei que coxeia desde antes até agora para que todos compreendam. Senão as pessoas podem dizer que estando perto das eleições, a mana esta a fazer campanha contra a Fretilin. Peço desculpa, caso esteja errado, corrija-me."

Foto: Lúcia Lobato, ex-ministra da Justiça de Timor-Leste. Foto: António Verdial de Sousa/Director DNTP. Foto utilizada com Permissão de Global Voices

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