sábado, 3 de março de 2018

Falta de fronteira com a Austrália custou a Timor-Leste 5 mil milhões de dólares


Díli, 03 mar (Lusa) -- A organização timorense La'o Hamutuk estima que a Austrália "recebeu indevidamente" cerca de cinco mil milhões de dólares de recursos timorenses devido à falta de fronteiras marítimas entre os dois países.

As contas tornam-se significativas porque depois de décadas a insistir que os recursos eram seus, Camberra finalmente aceitou o determinado na Lei do Mar e a definição de uma linha equidistante entre os dois países.

Timor-Leste e a Austrália assinam na terça-feira em Nova Iorque um histórico tratado que delimita de forma permanente essas fronteiras depois de anos de acordos temporários de partilha, que dirigentes timorenses dizem ter sido "arrancados a ferros".

O impacto dessas perdas de receitas sentiu-se em poços entretanto esgotados ou quase esgotados - como os de Laminaria-Corallina ou Bayu Undan - mas vai acabar por se alargar além do novo tratado com a partilha de receitas dos campos do Greater Sunrise.

"O valor total de receitas petrolíferas que o Governo australiano recebeu entre 1999 e 2014 que, por direito, pertencem a Timor-Leste é de cerca de cinco mil milhões de dólares", explica a La'o Hamutuk.

"Durante o mesmo período, o Governo australiano disponibilizou cerca de mil milhões de dólares em assistência bilateral e multilateral para Timor-Leste e assistência militar no valor de 600 milhões. Quem ficou a ganhar", questiona a organização.

Estas, pelo menos, são as perdas totais que a organização estima que não entraram nos cofres timorenses devido à insistência da Austrália em recusar negociar fronteiras permanentes e em beneficiar de recursos que estão, na prática, do lado timorense da linha mediana que é agora o centro do novo tratado.

Kim McGrath, académica australiana autora do livro "Atravessar a linha - A História secreta da Austrália no Mar de Timor", diz que depois da "conduta imoral da Austrália" relativamente a este assunto, Camberra deveria pagar compensação a Timor-Leste.

"Eu acho que a Austrália devia pagar. O facto de este tratado ser assinado não é o fim da história em termos da Austrália resolver o que foi um capítulo vergonhoso da nossa história", defende a académica, que está a escrever o seu doutoramento sobre este assunto.

"A nossa política neste assunto foi conduzida pela lascívia pelo petróleo de Timor-Leste e isso teve consequências devastadoras para os timorenses. Fomos cúmplices da Indonésia e ajudámos a esconder a extensão de atrocidades, de mortes cometidas. E isso é algo com que a Austrália tem que lidar", defendeu.

Charles Scheiner, da La'o Hamutuk, referiu: "todos os poços estão do lado timorense e sabemos, portanto, quanto dinheiro é que a Austrália roubou a Timor-Leste".

As contas da organização começam com os poços de Laminaria-Corallina, que ao longo dos seus 15 anos de produção - 1999 a 2015 - acumularam vendas de 6,8 mil milhões, das quais 2,2 mil milhões em impostos pagos ao Governo australiano. "Timor-Leste recebeu zero", explicou a organização.

De fora deste valor ficam os impostos que se aplicaram no investimento total de cerca de mil milhões no desenvolvimento de capital e exploração dos poços.

A Austrália recebeu ainda receitas de pequenos campos (Buffalo e Buller), em águas timorenses caso se aplicasse a linha mediana do novo tratado, e no Elang Kakatua, com estimativa de receitas de 50 milhões pagas à Indonésia e à Austrália.

Desde 2004, a Austrália tem recebido 10% dos impostos e 'royalties' dos campos Bayu-Undan e Kitan - também do lado timorense da linha mediana, o que representam receitas totais para Camberra de mais de 2,3 mil milhões de dólares.

ASP // VM

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