segunda-feira, 11 de julho de 2016

Ligação afetiva e melhores condições de trabalho levam macaenses a voltar a casa


Macau, China, 10 jul (Lusa) -- O agudizar da crise tem levado muitos macaenses a deixar Portugal e a voltar a casa, onde dizem ser mais fácil progredir na carreira e ter uma vida confortável, fatores que se aliam às saudades da cidade onde nasceram.

"Sempre quis regressar, sou um filho da terra, tinha esse bichinho", explica António Teixeira, 34 anos, informático.

A sua é uma história comum: deixou Macau em 1999, ano da transferência da administração do território para a China, e ingressou na universidade em Portugal, para onde muitas famílias macaenses se mudaram por receio do futuro.

Começou a trabalhar em 2007, mas "o mercado de trabalho" levou-o a Espanha em 2012. Uma oferta de emprego vinda de Macau chegou em 2013. "Em Espanha tinha condições bastante melhores [do que em Portugal] mas para sair, preferia ir para casa, para Macau", recorda à Lusa.

Além de uma maior estabilidade financeira, na cidade natal encontrou também outras facilidades: "Macau permite ter uma vida pós-laboral, que não seja só casa-trabalho de segunda a sexta, [em Portugal] perde-se muito tempo em deslocações".

Como visitava Macau com regularidade, o "choque" de voltar a viver numa cidade que aumentou de população em cerca de 50% foi "gradual". "Há muito mais população, confusão, os preços das casas são uma grande preocupação. Mas ainda existe muito do que existia, ainda há a Macau antiga", diz.

Henrique Siqueira, de 30 anos, tem uma história semelhante. Deixou Macau em 1995, aos oito anos, com a família a recear as consequências da transferência de administração.
Os macaenses têm, regra geral, Bilhete de Identidade de Residente em Macau, que os liberta de autorizações de permanência ou trabalho, falam as duas línguas oficiais, português e chinês, e têm família na cidade.

Estes fatores estiveram sempre no horizonte do especialista em análises clínicas e foram decisivos quando percebeu que "as perspetivas profissionais não eram boas" em Portugal.

"Tinha emprego, mas sou uma pessoa ambiciosa e queria mais da minha vida. Desde que comecei a trabalhar (2009), senti que era altura de sair. Ainda fiquei seis anos, mas progressão na carreira era coisa para pôr de parte", justifica.

Ao regressar a Macau, em 2015, Henrique Siqueira apercebeu-se de que não era o único a voltar: "O pessoal está a regressar, as pessoas não se sentem bem em Portugal, não há trabalho, não há futuro".

Apesar de satisfeito com a mudança, lamenta ter tido de deixar Portimão para trás. "Vivia no paraíso e não sabia", comenta.

O regresso não se faz apenas na juventude. Jorge Sales Marques esperou até aos 55 anos para voltar a Macau, em 2015, onde agora é presidente da Associação de Médicos de Língua Portuguesa.

"Voltei 16 anos depois porque senti que era a altura certa, os meus filhos estão crescidos, a minha mulher também gosta de Macau, senti que era tempo de ajudar mais a família. Além disso, já tinha sido abordado para voltar a trabalhar para os Serviços de Saúde. Tinha todos os ingredientes", conta.

A situação profissional em Portugal era boa, mas "a partir de certa altura uma pessoa cansa-se, trabalha-se imenso, era um desgaste enorme andar sempre de um lado para o outro".

O pediatra gostava até de ver os filhos seguirem-lhe as pisadas "porque todos sabem que a situação para os jovens é muito má, o emprego é precário, mal pago e as finanças ficam com metade".

A Macau que deixou há década e meia é hoje muito diferente, mas Jorge Sales Marques continua a sentir-se confortável: "Apesar de ter praticamente duplicado desde que nasci, quando tinha 16 quilómetros quadrados [hoje tem 30], é pequeno, é fácil, acolhedor, tem boa comida e cultura".

O regresso dos 'filhos da terra' -- uma tendência que se verifica desde o 'boom' dos casinos -- é confirmado por Miguel Senna Fernandes, presidente da Associação dos Macaenses.

"Nos últimos três anos tem sido assim, não é um retorno massivo, mas como as condições em Portugal não são as melhores, quando as pessoas podem, regressam a casa", explica.

Os jovens, diz, "têm mais propensão para a aventura", mas Senna Fernandes verifica muitos regressos de macaenses com idades entre os 40 e os 50 anos "que conhecem Macau e sabem o que é trabalhar". E também os reformados "voltam por uma questão sentimental".

"Há sempre espaço para os macaenses em Macau", assegura.

ISG // VM

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