domingo, 30 de outubro de 2016

"Brasil não tem dado a prioridade que merece a CPLP" - analista brasileiro


Brasília, 30 out (Lusa) - O analista brasileiro Carlos Henrique Cardim considerou que o Brasil, maior país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que vai assumir a presidência do grupo até 2018, "não tem dado a prioridade que merece" a organização.

O professor da Universidade de Brasília (UNB) e também diplomata, mas que falou à agência Lusa como independente, defendeu que "o Brasil deveria dar maior prioridade conceptual e operacional à CPLP".

Segundo Carlos Henrique Cardim, que já dirigiu o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), ligado à diplomacia brasileira, "é impressionante" que existam vários grupos atuando em "quase todas as áreas científicas, tecnológicas, culturais", mas "outra coisa é a prioridade do Governo".

O diplomata destacou a "adesão muito grande", pelo menos a Portugal, entre "diplomatas, intelectuais e políticos inclusive" no Brasil, acrescentando que, na CPLP, quer se queira quer não, "há um eixo fundamental", entre Brasil e Portugal, "como em toda as comunidades deste tipo", como o eixo na União Europeia, entre França e Alemanha.

"Portugal está realmente priorizando e investindo" na CPLP, enquanto na relação do Brasil com o grupo "há momentos e depois esquecimentos", avaliou.

A propósito da cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP, que se realiza na segunda e na terça-feira em Brasília, que ditará o início da presidência brasileira, Carlos Henrique Cardim afirmou esperar que esta presidência "dê mais estabilidade à prioridade da CPLP" uma vez que falta ao Brasil "continuidade nessa estabilidade e engajamento institucional com recursos".

Nessa esfera, o diplomata propôs uma valorização sobretudo das áreas da educação e da cultura, mas também da ciência e da tecnologia.

O novo Presidente brasileiro, Michel Temer, "é um professor universitário e um homem da cultura", destacou.

Questionado sobre a aposta económica que a comunidade deverá assumir na cimeira, o diplomata disse "concordar plenamente", mas vincou que "comunidades deste tipo deveriam priorizar mais a cultura e a educação" para depois chegar à economia.

Neste sentido, lembrou as palavras de Jean Monnet, fundador da União Europeia, de que, se pudesse reiniciar a UE, apostaria na cultura e não na economia.

"Quem tem visão estratégica do mundo sabe da importância das comunidades linguísticas. Você tem aí não somente um instrumento de comunicação, mas um instrumento de visão do mundo, de sentimento, de perceção da realidade, que é dado através da língua de uma maneira muito subtil", vincou.

Carlos Henrique Cardim defendeu a difusão da literatura lusófona nos países da CPLP, a facilitação de acessos a textos de autores lusófonos em livrarias e numa biblioteca digital internacional de língua portuguesa, programas televisivos semanais sobre os países da CPLP e até a criação da "disciplina da história da comunidade da língua portuguesa" em escolas e universidades.

O investigador organizou, juntamente com João Batista Cruz, o livro "CPLP: Oportunidades e Perspetivas", que resultou de um seminário sobre a CPLP em Brasília, em 2002, altura em que já se assinalava o défice de informação sobre a organização.

Passados 14 anos, o analista ainda entende que "há um défice", dando o exemplo dos seus alunos na universidade, que "não têm muita ideia da CPLP".

A CPLP, que comemora este ano 20 anos, reúne Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

ANYN // VM

Brasil recusa apurar violações de direitos humanos na Guiné Equatorial

Brasília, 30 out (Lusa) - O Brasil, que vai assumir a presidência rotativa da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), rejeita que a organização averigue alegadas violações de direitos humanos na Guiné Equatorial para confirmar se o país cumpre os estatutos.

O conselheiro Paulo André Moraes de Lima, chefe da coordenação-geral da CPLP do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, respondeu à agência Lusa que "o Brasil acredita que há dentro do sistema internacional de direitos humanos instâncias com competência para isso [monitorização da situação de respeito pelos direitos humanos no país]".

Recentemente, as organizações Conectas Direitos Humanos, brasileira, e EG Justice, norte-americana, exortaram os restantes países da CPLP a fazerem uma investigação 'in loco' sobre as violações de direitos humanos na Guiné Equatorial e a "tomar medidas decisivas".

Desde que o país entrou formalmente para a CPLP, em julho de 2014, a situação dos direitos humanos "piorou", desde logo, com a pena de morte ainda a vigorar no país, apesar de essa ter sido uma das condições para aderir ao bloco lusófono, alertaram as organizações.

O diplomata Moraes de Lima lembrou que o Brasil sempre acreditou que "promove mais e melhores mudanças pela inclusão", daí que o país se tenha juntado ao bloco de países africanos que "eram muito entusiastas" da adesão do país africano à CPLP, ao contrário de Portugal.

"O facto de a Guine Equatorial estar dentro da CPLP ajuda a que possamos efetivamente influir, agora influir não significa interferir", explicou, lembrando o princípio da CPLP de não-ingerência nos assuntos internos de cada país.

Confrontado com o caso da Guiné-Bissau, o diplomata lembrou que "há uma demanda do Governo" - que reconhece que "há uma crise interna e uma situação de instabilidade" - para que "a CPLP esteja presente e contribua", bem como outras entidades, "sempre em coordenação com o Governo".

A Guiné Equatorial tornou-se, a 23 de julho de 2014, o nono país a ser admitido como Estado-membro da CPLP, juntando-se assim a Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Na altura, o executivo brasileiro foi acusado de considerar apenas interesses económicos e estratégicos.

O facto de o Brasil importar petróleo e gás da Guiné Equatorial e de grandes construtoras estarem presentes naquele país eram apontados por analistas como as principais razões por trás do patrocínio brasileiro.

Estender a influência brasileira no mundo e procurar mais um voto para o Brasil entrar para o Conselho de Segurança das Nações Unidas eram outros motivos referidos.

Em julho último, para assinalar o segundo aniversário da adesão, o Presidente brasileiro, Michel Temer, respondeu à Lusa ser prematuro fazer um balanço dos dois anos, acrescentando: "Creio que teremos de trabalhar por uma dinâmica construtiva, lastreada nos nossos interesses e nos nossos valores".

ANYN // VM

1 comentário:

Unknown disse...

Uma das prioridades da CPLP tem que passar pela resolução do problema da violação dos direitos humanos em alguns países da CPLP e de questões sociais gritantes decorrentes do neoliberalismo. O pensamento da CPLP tem que ir muito mais longe, mergulhar no campo social, cultural e político, e não estar confinado às questões empresariais e económicas. (M. Azancot de Menezes, Secretário-Geral do PST - Partido Socialista de Timor)