segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Amor e justiça, a série que em 2017 vai levar temas sociais à televisão timorense

António Sampaio, da agência Lusa

Díli, 26 dez (Lusa) - A intensidade do momento apontava a que Vitor, polícia, beijasse Rosa, advogada de direitos humanos, mas o medo ou a inexperiência não deixaram o jovem ator timorense José ir além de um beijo na testa à sua coprotagonista Irim.

E depois um riso envergonhado, que se contagia aos vários timorenses que ajudam com a sonoplastia, a claquete e as luzes na filmagem que decorria na sede da Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR) em Díli.

"Corta", disse Luigi Acquisto, produtor e diretor da série "Amor e Justiça", que está a ser produzida para a televisão nacional timorense, a TVTL, e que está na reta final de filmagens.

"Beija-a, mas se não a beijas, não dês beijo na testa. Fica só a olhar para ela", explicou ao jovem José Sarmento Piedade, ator há poucos meses e que á sua frente tinha uma das maiores estrelas do jovem cinema timorense, Irim Tolentino, protagonista da primeira longa-metragem do país, A Guerra de Beatriz.

Os dois protagonistas de "Amor e Justiça" - série produzida pela Dili Film Works e filmada ao longo das últimas 10 semanas em vários pontos de Timor-Leste - são um dos fios condutores de uma série sem precedentes no país.

Mais de 100 atores, contratados pelo facebook e de boca em boca, alguns dos quais integram a equipa de filmagem de quase 40 elementos que prepararam uma série de 20 episódios que, em blocos de dois - e com histórias que servem de fio condutor a todos eles - analisarão aspetos importantes da vida em Timor-Leste.

"No início pensávamos que encontrar os atores seria mais difícil do que acabou por ser. As coisas mudaram e conseguimos contar com muitos jovens com alguma experiência em teatro, mas conseguimos encontrar muitas pessoas, de todas as idades, sem experiência, mas que fizeram um ótimo trabalho", disse Luigi Acquisto, em declarações à Lusa.

"Um dos maiores desafios de um processo como este é a logística que em Timor-Leste pode ser complicada, especialmente se estás a filmar em muitos locais, com um calendário e orçamento apertados", explicou.

Para Irim Tolentino, esta é uma série especialmente importante por tratar de assuntos como direitos humanos que são cruciais para a situação em Timor-Leste e que, como o filme Guerra da Beatriz, marcam momentos destacados do país.

"A Guerra da Beatriz foi um filme muito importante para Timor-Leste porque foi a primeira vez que contamos a história de Timor-Leste e de massacres como o de Kraras", disse.

"Esta série também é muito importante porque falamos de muitos temas importantes para a sociedade timorense. E o meu papel é de uma mulher forte, que defende muitos dos casos que aparecem na história. Adoro", afirmou.

José Piedade mal consegue acreditar na oportunidade que teve: ser ator de repente, quando estava no desemprego, depois de algum tempo a trabalhar como geólogo, área em que as oportunidades são poucas.

"Eu participei para conseguir ter uma nova experiência. É a primeira vez que participo num filme. No início custou muito, mas agora já é mais fácil", disse, explicando que gostava de repetir.

"Amor e Justiça" envolve 20 episódios e a história aborda áreas tão diversas como o sistema judicial, violência doméstica e de género, assuntos ambientais, corrupção e outros.

Acquisto destacou que este é dos poucos projetos de produção feitos em tétum, com atores e técnicos timorenses - apoiados por uma equipa australiana e com financiamento da União Europeia e que, considera, devem ser replicados.

"Este tipo de programas são muito importantes para ajudar a desenvolver uma identidade e de nação", disse.

Como muito em Timor-Leste, onde ainda há bastantes projetos pioneiros, a realização da série acaba também por ser um espaço de formação, com jovens timorenses a serem atores e elementos da produção.

É o caso de Doroteia Castela que na série interpreta Paula - "uma jovem que vem da montanha para estudar na universidade, tem que viver em casa da tia que todos os dias, em vez de ir estudar, a obriga a ir vender pão".

A jovem, que foi uma criança figurante na Guerra de Beatriz - também produzido pela Dili Film Works - ajuda noutros elementos da série e, neste caso, é responsável pela claquete improvisada num quadro branco em que, com a mão, vai apagando os números que se sucedem.

A sua história é, tristemente, demasiado comum em Timor-Leste, onde muitos jovens viajam ou são aliciados dos distritos para a capital com a promessa de emprego ou estudo e acabam a ser quase empregados domésticos ou vendedores ambulantes para familiares com menos escrúpulos.

A série passa por vários locais simbólicos dentro e fora da capital, incluindo o Cemitério de Santa Cruz, zonas montanhosas e um posto do chefe de suco (freguesia).

ASP // VM

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