quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Organizações preocupadas com alterações a currículos escolares timorenses


Díli, 14 fev (Lusa) - Várias organizações nacionais e 70 cidadãos timorenses escreveram ao Presidente da República a expressar preocupação sobre um conjunto de alterações aos currículos do pré-escolar e primeiro ciclo que consideram terem sido feitas sem avaliação cientifica adequada.

A carta refere que as alterações foram aprovadas de forma "súbita" e vão contra vários estudos que apoiavam o currículo em vigor, e que se mantém apesar das alterações dos decretos, que só devem começar a ser implementadas em 2019.

Na véspera do chefe de Estado anunciar a dissolução do Parlamento - o que implicou que o executivo ficou em gestão - o Governo aprovou alterações a dois polémicos decretos de 2015 que introduziam o uso de línguas maternas no pré-escolar e arranque do ensino básico, colocando o português como língua principal apenas no 3.º ciclo.

Lurdes Bessa, vice-ministra da Educação, explicou à Lusa que os dois decretos-lei hoje aprovados alteram, respetivamente, o decreto 3/2015 sobre o currículo nacional de base da educação pré-escolar e o 4/2015 sobre o currículo do 1.º e 2.º ciclo do ensino básico, abrangendo todos os estabelecimentos de educação da rede pública.

"O que fizemos foi avançar com propostas de alteração aos dois decretos que definem o uso das línguas maternas em sala de aula", explicou Bessa em declarações à Lusa, explicando que as mudanças refletem o programa do executivo e as decisões do 3.º Congresso Nacional da Educação, que decorreu no ano passado em Díli.

Os signatários da carta pedem ao chefe de Estado, Lu-Olo, para que não promulgue as alterações consideram que o currículo em vigor "não ensina línguas nacionais (línguas maternas), mas permite aos professores nos anos iniciais usar essas línguas apenas quando necessário para apoiar a compreensão e a inclusão".

"Esta metodologia foi demonstrada em vários estudos como levando a um melhor sucesso escolar para os estudantes. O objetivo final deste método é que todas as crianças do país tenham uma compreensão sólida de ambas as línguas oficiais, bem como a compreensão em matemática, ciência e outras disciplinas, antes do final do segundo ciclo", consideram as organizações.

A carta é assinada pelas organizações Fokupers, Knua ba Labarik, Alola Foundation, ACbit, AJAR, La'o Hamutuk, Belun, Haburas, Permatil, MOFFE e Timor-Leste Women's Network e ainda por 70 cidadãos.

Na missiva explicam ter participado, entre 2013 e 2017, em "várias consultas e colaborações" sobre esta matéria, tendo ficado "muito surpresas ao ouvir sobre essas mudanças repentinas sem qualquer consulta".

"Nós entendemos que o currículo em vigor funciona para motivar e realmente valorizar a participação dos alunos e a aprendizagem ativa. Isso é difícil de fazer se os alunos não conseguirem entender seus professores ou não se conseguem expressar", refere a carta.

"Também compreendemos a importância crítica da participação dos pais na escolaridade de seus filhos e a dificuldade dessa participação acontecer se os pais não entendem o que seus filhos estão a aprender", consideram, defendendo a "metodologia de progressão linguística".

Centrados em "quatro grandes alterações" os decretos aprovados abrangem questões como "a definição das línguas oficiais com línguas de ensino, dando prioridade ao português como língua de ensino e ao tétum como língua de suporte".

As línguas nacionais são definidas como "património cultural e histórico, para terem o devido tratamento nessa área", explicou ainda a vice-ministra.

O Governo deliberou ainda duplicar a carga horária mínima do ensino pré-escolar, de duas para quatro horas por dia, sendo ainda reajustada a carga horária "para o ensino da capacidade linguística em tétum e português", detalhou "O atual currículo não separa as duas e dá cargas horárias muito baixas. Redistribuímos isso e em relação ao ensino nas competências em língua portuguesa, nos níveis pré-escolar e básico, aplicamos uma carga horária semelhante à carga horária do ensino para a matemática", disse ainda.

Os textos de alteração incluem ainda duas outras questões, nomeadamente o ensino inclusivo "que não estava previsto", introduzindo a educação psicomotora no pré-escolar e a educação física no básico.

Na defesa da sua proposta no Conselho de Ministros, o Ministério da Educação destaca "a necessidade de estabilidade e coerência em termos de aplicação de políticas educativas em Timor-Leste" e ainda "a necessidade de clarificar posições referentes às línguas a utilizar no sistema educativo".

"A implementação de políticas educativas em Timor-Leste, deverá ser norteada de forma coerente e consistente, de forma a salvaguardar não só o previsto na Lei, mas também preservar a nossa cultura étnica, única no mundo, ao mesmo tempo que desenvolvemos um sistema de ensino inclusivo, que permita a igualdade de acesso às oportunidades de formação por todos os cidadãos timorenses", nota ainda o documento.

ASP//RBF

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