domingo, 4 de outubro de 2015

João Afonso dos Santos traça retrato de um Portugal "salazarento e fechado"


Lisboa, 02 out (Lusa) -- O livro "O últimos dos colonos. Entre um e outro mar", de João Afonso dos Santos, procura traçar o retrato de um Portugal "de que hoje não imaginamos, salazarento e fechado", disse à Lusa o autor.

A obra relata a separação de uma família pelo mar, quando os pais de João e de José Afonso, que se tornou um conhecido cantor e compositor de intervenção política e renovador da canção coimbrã, os enviaram para Coimbra, tendo eles ficado em Moçambique com a irmã mais nova, contou o autor, salientando que aborda uma "questão ainda pouco tratada, que foi a ocupação de Timor-Leste por tropas japonesas", durante a II Guerra Mundial (1939-1945), em que os seus pais foram feitos prisioneiros pelas tropas nipónicas.

A obra, disse à Lusa, é feita das suas memórias "e das memórias dos outros", que ouviu e registou, trazendo a lume dois documentos de autoria do seu pai, o juiz José Nepomuceno Afonso dos Santos, um deles é "uma rememoração iniciada a bordo do paquete Angola, durante a vigem de regresso a Portugal [vindo de Timor, depois de ter estado prisioneiro], e o segundo é a reposta ao procedimento disciplinar contra ele instaurado, por iniciativa do governador".

Sobre este segundo documento, o autor afirmou à Lusa que "explica como a autoridade se quis prevenir contra quem dela às vezes discordou, e lhe pôs a fraquezas a nu".

Relativamente a Timor-Leste, defende o autor que "Portugal entrou de facto na contenda, pois o território sob sua administração, foi ocupado por tropas japonesas, e Portugal, ou antes o refime, quis fazer de conta que nada aconteceu, era um incómodo, mas houve facto gente portuguesa, como os meus pais e irmã, que foi sujeita ás agruras da guerra, e vale a pena lembrar", enfatizou.

A obra, com a chancela da Sextante Editora, mostra "o outro lado do quotidiano em Portugal nas décadas de 1940 e 1950", até porque "as pessoas hoje em dia têm muita dificuldade em saber como era viver nesse tempo".

Um tempo em que, "como a chuva miudinha do Estado Novo penetrou e humedeceu os espíritos, de um moral obscurantista aliada a um proselitismo político. No fundo, de um lado o salazarismo bafiento a impor valores nas escolas e liceus, e do outro o padre na igreja, principalmente nas aldeias, chamando pecado a tudo. Até se as raparigas tinham os cotovelos à mostra, calcule-se", declarou.

"Em 1974, com a revolução, deu-se uma espécie de rutura no quotidiano do ponto de vista de como as pessoas se comportavam socialmente, mas há nesta narrativa um fundo familiar muito forte".

NL // CC

Foto: Salazar, à esquerda, a fazer a saudação nazi.

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