domingo, 22 de janeiro de 2017

2016: Um ano de sucesso e de aproximação sino-lusófona


Mauro Marques e Rafael Lima - Xinhua

O ano de 2016 foi particularmente repleto de momentos de protagonismo para os países e regiões da lusofonia. Da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro à eleição de um português para o cargo de novo secretário-geral da ONU, da realização da cúpula do BRICS em Goa, na Índia, ao Fórum de Macau, o mundo falante do idioma de Camões se viu em pleno desenvolvimento de relações em um contexto cada vez mais complexo e repleto de desafios.

Coincidentemente, a busca chinesa pela revitalização da nação contempla também uma intensificação das suas relações com o mundo lusófono.

O resultado dessa aproximação resulta de uma convivência harmoniosa, que se manifesta nos mais diversos campos de ação.

As mudanças no cenário internacional são, em larga medida, reflexo da tomada de decisões internas dos Estados, especialmente dos principais polos de poder. Neste sentido, 2016 parece indicar que a China deverá se tornar o novo motor do processo de globalização nos anos vindouros.

A identidade que a China assume no processo de globalização é acompanhada pelo perfilhamento de vários conceitos-chave, de entre os quais se destacam a “política externa independente”, o “desenvolvimento comum”, uma “comunidade de destino compartilhado” e a “construção de um novo modelo de relações internacionais”.

A interação entre a China e o mundo lusófono se define como um firme exemplo no qual são exteriorizadas a paz e a harmonia, a multipolarização e a cooperação de ganhos compartilhados. Trata-se de um tipo de relação que responde às necessidades impostas pelo cenário de incertezas, que tem se delineado a partir das profundas mudanças históricas sem precedentes que o mundo tem experimentado.

O presente artigo, resultante de uma coautoria luso-brasileira, visa precisamente fazer uma síntese dos episódios mais marcantes do ano entre a China e o mundo falante da língua portuguesa.

Cúpula da CPLP e eleição de António Guterres para secretário-geral da ONU

A caminhar para o final do ano, o Brasil, o gigante da lusofonia, recebeu a Conferência dos Chefes de Estado dos países da CPLP, reforçando o papel de uma instituição que se define pela afinidade cultural dos seus membros e pelo sonho do mentor do projeto, José Aparecido de Oliveira, que no ano da fundação da CPLP ocupava o cargo de embaixador do Brasil em Portugal.

Na comemoração da efeméride dos 20 anos de existência desta instituição, surgem medidas e compromissos mais sólidos e ambiciosos — entre os quais sobressai a proposta portuguesa de vir a ser permitida a liberdade de circulação de pessoas dentro do espaço lusófono — e também mais internacionais.

E quem melhor para assinalar a vertente internacional da CPLP do que António Guterres, recém-eleito para assumir o comando da ONU e presente na cúpula de Brasília sob convite do presidente brasileiro, Michel Temer?

Guterres, num discurso em que pôde, enfim, fazer uso da sua língua materna — algo que não passou despercebido ao presidente brasileiro, que aproveitou a ocasião para, em tom bem- humorado, “sugerir” ao futuro secretário-geral para mover esforços no sentido de tornar a língua portuguesa um dos idiomas oficiais da ONU — advertiu para as “perceções disfuncionais”, criadas entre grupos de países da comunidade internacional.

Aludindo a uma lição que diz ter-lhe marcado para toda a vida, transmitida pela sua primeira esposa, psicanalista, Guterres relatou que esta outrora lhe dissera que: “Quando duas pessoas estão juntas, não há duas, há seis. O que cada uma é, o que cada uma pensa que é, e o que cada uma pensa que a outra é”. Daí, procedeu à adaptação da situação, por analogia, à relação existente entre “países” e “grupos de países”.

A génese da CPLP assume, assim, na opinião do orador, o seu papel internacional decisivo: “A CPLP pode ser um traço de união fundamental na comunidade internacional, porque felizmente nas nossas relações não há 6, há só 2. Nós não só nos compreendemos como nos entendemos. E penso que é muito importante que possamos ser uma ponte, para que os outros sejam também capazes de se compreender e de se entender. É como se a CPLP pudesse também significar a ‘Comunidade das Pontes de Língua Portuguesa’.”

A importância ascendente que a China detém no cenário internacional terá ajudado António Guterres a tomar a decisão de colocar uma visita a Pequim no topo das suas prioridades, dando início à construção de pilares de entendimento, antes ainda de substituir Ban Ki-moon, tendo-se reunido com vários nomes fortes da liderança chinesa, entre os quais o presidente Xi Jinping e o primeiro-ministro Li Keqiang.

Na sua primeira entrevista aos meios de comunicação chineses, em outubro, Guterres expressou a sua admiração pela cultura do país e pelo contributo da nação asiática para a civilização humana.

O futuro secretário-geral, que contou com o expresso apoio da China na sua eleição, destacou o seu contacto frutífero com dirigentes chineses em diversas fases da sua vida e carreira, como as negociações da entrega de Macau à China (na altura enquanto primeiro-ministro de Portugal), como presidente da Internacional Socialista, ao alavancar o diálogo estratégico com o PCCh, e, por fim, como alto-comissário para os refugiados, ao manter “um diálogo altamente construtivo” com as autoridades do gigante asiático.

Na sua deslocação à capital chinesa, Guterres destacou a “importante contribuição” da China à ONU, descrevendo o país asiático como “um pilar sólido do multilateralismo no mundo”.

Fórum de Macau

Macau foi uma das primeiras grandes incubadoras de uma área de estudos hoje indissociável do fenómeno da globalização. Os denominados “estudos interculturais” assumem hoje, na exígua área física de Macau, uma missão em nada menos importante do que o espólio invejável encontrado ao longo da longevidade histórica deste território.

Cerca de cinco séculos após Portugal ter estado na base dos primeiros contactos massificados e abrangentes do ocidente com o oriente, a China atribui hoje à Região Administrativa Especial de Macau uma importância fundamental enquanto eixo de ligação com o plural mundo lusófono.

A edição deste ano do Fórum de Macau, que contou com a presença do primeiro-ministro Li Keqiang — em tom de aforismo abstrato, à boa maneira chinesa —, foi marcada pelo sucesso e pelo desejo de todos os intervenientes de verem o êxito do evento traduzido em reciprocidade e entendimento entre todos.
Li Keqiang falou mesmo numa “ponte transoceânica (…) que tem a língua e cultura como laço, a cooperação económica e comercial como tema principal, e o desenvolvimento comum como objetivo”.

Foram anunciadas no evento, durante o discurso do chefe de Governo chinês, várias medidas impulsionadas pela China, no sentido de promover uma maior interação e cooperação sino-lusófona. Entre as quais destacam-se o perdão de dívidas vencidas; assistência gratuita na facilitação do comércio, investimento, medicina e desenvolvimento industrial; envio de médicos aos países da lusofonia; entrega de bolsas de estudo para formação de quadros; criação de zonas de cooperação económica para os participantes do Fórum; construção de estações meteorológicas para prevenção de desastres naturais, e criação de instituições de difusão linguística.

À margem do Fórum, Li Keqiang encontrou-se com os vários representantes dos países africanos de língua portuguesa, reafirmando o compromisso da China de reforçar as relações com todos eles no âmbito da cooperação económica (em que se destaca a exploração do setor turístico e de projetos de cooperação trilateral e multilateral) e política.

BRICS

A reunião do BRICS em Goa, antigo ponto de entrelaçamento e diálogo cultural português na Índia, mostrou a firme disposição dos maiores países em desenvolvimento do mundo em estreitar relações e fortalecer o mecanismo de cooperação multilateral.

O grupo manifestou sua preocupação e posição sobre temas de interesse regional e mundial relevantes, como a crise na Síria e o combate ao terrorismo, ao mesmo tempo em que cimentou a confiança mútua entre os países membros da cúpula e fortaleceu as bases para uma maior participação na governança mundial.

A despeito de uma série de críticas que o BRICS vem sofrendo, a China mostrou de forma contundente sua forte determinação em apoiar a instituição multilateral, aprofundando o debate no âmbito do grupo para temas de interesse mundial.

"A China é um participante e um apoiador leal do mecanismo BRICS e considera a cooperação entre o bloco como uma das suas prioridades diplomáticas", disse o presidente Xi Jinping em Goa. "Nós acreditamos que a cooperação BRICS vai ajudar a promover a paz mundial, a estabilidade e a prosperidade."

Cooperação China-Brasil

O diálogo China-Brasil tem sido promissor e dá sinais de que seu futuro será brilhante, ainda que as trajetórias econômicas, técnicas e científicas perseguidas por ambos os países sejam muito diferentes desde que foram estabelecidas as relações diplomáticas, em 1974.

O país sul-americano tem vivido um dos períodos de maior turbulência política e econômica da sua história. Como resultado de uma série de acontecimentos que começaram a se tornar mais contundentes com as manifestações de 2013, decorreram-se o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a ascensão de um novo projeto de poder no país.

Apesar dos debates internos, nos quais o povo brasileiro está mergulhado, na tentativa de se reconstruir como um país mais justo, solidário e pacífico, a China continuou desempenhando seu papel de maior parceiro econômico do Brasil. Este, por sua vez, continuou no ano de 2016 sendo um importante produtor de itens com forte demanda entre os chineses.

Um dia depois de se tornar o novo presidente do Brasil, Michel Temer, em sua primeira viagem internacional ao comando do país latino-americano, desembarcou em Xangai para participar da cúpula do G-20, que ocorreu na cidade de Hangzhou, onde foi recebido pelo presidente chinês.

Expressando sua satisfação por sua primeira viagem como chefe de Estado ter sido justamente à China, o mandatário brasileiro afirmou: "O objetivo desta visita é também reiterar a necessidade de mantermos essa sólida relação que foi construída ao longo do tempo e dizer que queremos cada vez mais aumentar e incrementar nossas relações bilaterais".

Pouco tempo depois, o Brasil indicou seu novo embaixador em Pequim, Marcus Caramuru de Paiva, que conta com quase dez anos de experiência no país asiático, tendo sido cônsul-geral do Brasil em Xangai entre 2008 e 2011.

Jogos Olímpicos

O povo brasileiro, no centro de um furacão político e económico que assombrava o seu quotidiano, deixou transparecer a sua genuína alegria de viver, arrebatando algumas expectativas menos abonatórias e dando uma lição ao mundo, ao transformar os Jogos Olímpicos (os primeiros da América Latina) num carnaval de dimensão intercontinental. A folia não escolheu raças ou credos, convidando todos a participar numa homenagem efusiva aos valores pelos quais o desporto se pauta.

Às vésperas dos jogos, a presidência da República do Brasil abriu uma conta na rede social chinesa Weibo. Por meio de um vídeo, a então presidente Dilma Rousseff convidou o povo chinês a comparecer aos Jogos Olímpicos Rio 2016: "O Brasil inteiro aguarda os atletas e os torcedores chineses de braços abertos".

Enviada especial do presidente Xi Jinping para a cerimônia de abertura no Maracanã, a vice-primeira-ministra chinesa Liu Yandong elogiou os Jogos Olímpicos como o maior e mais influente evento esportivo do mundo e uma plataforma de comunicação e intercâmbios. Ao se dirigir à delegação olímpica chinesa no Rio de Janeiro, Liu foi enfática ao afirmar que as olimpíadas eram uma preciosa oportunidade de intercâmbio entre os povos: "Espero que vocês plantem as sementes da amizade e se tornem embaixadores do povo chinês (...)".

A China esteve presente nos jogos não apenas pelas suas 26 medalhas de ouro, que a deixaram em terceiro lugar do quadro-geral, mas também em uma série de projetos de infraestrutura que colaboraram para a realização bem-sucedida da Rio 2016.

Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII)

O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura foi a primeira instituição financeira internacional proposta pela China. Os mais de vinte países de fora da Ásia que participam da instituição dão a ela um caráter multicultural.

Com sede em Pequim, tem a China como seu maior acionista, com 29,78% do capital total. O Brasil, único país do continente americano a fazer parte do banco, é o nono maior acionista, com uma cota de 3,181 milhões de dólares, enquanto Portugal tem uma participação de cerca de 13 milhões de dólares.

Em entrevista à Agência Lusa, o embaixador do Brasil em Pequim afirmou que o BAII "corrige a falta de investimento em infraestruturas" de outros bancos multilaterais, apontando também a "explosão de oportunidades" que existe na nação sul-americana para as empresas chinesas que atuam no setor das infraestruturas.

Cooperação Portugal-China

Um dos momentos áureos do ano para Portugal, onde Cristiano Ronaldo e companhia tiveram a felicidade de erguer o troféu que escapou a Eusébio, Luís Figo e a outros heróis do futebol luso, ao vencer a França na final do Euro 2016, não passou despercebido às autoridades chinesas. Em especial ao Presidente Xi Jinping, confesso admirador da modalidade que em Portugal é apelidada de “desporto rei”.

Como tal, o chefe de Estado chinês fez questão de parabenizar o primeiro-ministro de Portugal, quando o recebeu em Pequim, naquele que foi o primeiro ponto de paragem de António Costa numa visita oficial à China, em outubro, por ocasião da participação do Fórum de Macau.

Da capital rumou a Xangai e, por fim, à Região Administrativa Especial de Macau. A visita ditou o reforço do compromisso português de participar na iniciativa chinesa “Um Cinturão e Uma Rota” — com destaque para o papel que o porto de Sines poderá vir a desempenhar, devido à sua localização estratégica — e de intensificar a cooperação com a China no comércio e na partilha de conhecimento, em setores como a inovação, logística e novas energias.

Na esfera cultural e social, foram também vários os desenvolvimentos verificados este ano: os “Prémios Tomás Pereira”, os galardões atribuídos pela Embaixada de Portugal em Pequim aos melhores alunos chineses de língua portuguesa, assinalaram a sua segunda edição; foi realizada a “Festa do Cinema Português” em Pequim e Changsha; anunciado o primeiro voo direto entre Portugal e a China (com paragens em Hangzhou e Pequim), e organizadas várias outras iniciativas de cariz social e académico.

Foi também dado um novo passo em frente para a criação de um futuro centro cultural português na capital chinesa (que deverá ser acompanhado da instalação do seu homólogo chinês em Lisboa).

Tomás Pereira, o ilustre jesuíta luso que dá o nome aos prémios suprarreferidos — protagonista de vários feitos meritosos ao serviço do Imperador Kangxi, na dinastia Qing (século XVII) — teve também a sua lápide tumular reconstruída, podendo agora ser visitada nos jardins da embaixada do seu país na cidade onde viveu grande parte da sua vida.

Países Africanos

O presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, realizou em maio uma visita oficial à China, juntamente com uma comitiva de altos dirigentes do seu país, com vista a promover os laços bilaterais, com prevalência na componente económica.

O apoio providenciado pela China destina-se ao financiamento na construção de infraestruturas, reforço no setor dos transportes, exploração de água potável, construção de um centro cultural China-Moçambique, entre outros.

Durante sua estada de cinco dias à China, a primeira visita oficial de Filipe Nyusi à capital chinesa desde que assumiu o leme de Moçambique, o mandatário afirmou que esperava como resultado o “reforço dos apoios financeiros concedidos ao país”.

Por sua vez, em novembro de 2016, realizou-se em Angola o Fórum de Investimento Angola/China, que reuniu 1,5 mil investidores chineses e angolanos em torno da concretização e aceleração de projetos já existentes em Angola e a assinatura de novos contratos para captação de investimentos.

Para o embaixador da China em Angola, Cui Aimin, o fórum, que congregou investidores das 18 províncias de Angola, foi uma iniciativa importante para a aplicação dos consensos alcançados entre os dois chefes de Estado e o aprofundamento da parceria estratégica Angola/China.

Considerações Finais

O ano de 2016 foi um ano de estreitamentos e adensamento das relações entre a China e o mundo lusófono.

Face à atual conjuntura, é possível depreender que o futuro dessas relações tem tudo para ser promissor. É importante frisar que tal não se deve apenas aos notáveis esforços empreendidos pelos governos dos países de língua oficial portuguesa e da China para estreitar as relações.

É também fundamental o contributo central que os intercâmbios culturais, educacionais e interpessoais entre os diversos povos têm na concretização dos ideais complementares entre eles. O povo é, afinal, o principal agente responsável por dar forma e expressividade às medidas projetadas pelos seus representantes nacionais. Pela diversidade de fatores acima referidos, pensamos que, não obstante os pequenos obstáculos que vão surgindo, a lusofonia e a China estão a construir um caminho sólido.

O mundo precisa da China e a China precisa do mundo. A Lusofonia se estende aos quatro cantos da terra, sendo um importante polo multicultural e ecuménico, que encontra sua unidade na pluralidade, oferecendo à China uma oportunidade concreta para comprovar à comunidade internacional sua tese de desenvolvimento pacífico, na qual os intervenientes das relações se olham de igual para igual.

As “pontes de língua portuguesa” a que Guterres se referiu no seu discurso são um dos contributos mais pertinentes e intemporais da lusofonia num mundo marcado pelo conflito e pela tensão, no qual a China tem uma palavra a dizer.

A civilização chinesa tem, por sua vez, desde as suas raízes históricas — vale a pena relembrar que é atualmente a mais antiga civilização da humanidade em atividade — oferecido ao mundo contributos incontornáveis. De uma miríade de pensamentos e práticas filosóficas progressistas (e vanguardistas), ao que há de mais moderno nos planos tecnológico e científico. Este sempre foi o destino do gigante asiático e continua a sê-lo.

O Fórum de Macau deste ano é comumente aceito por ambas as partes como o marco histórico em que foram selados os consensos de todos estes projetos e ambições. Se por um lado a China demonstrou com firmeza o seu compromisso e confiança na aposta lusófona, por outro, a lusofonia soube responder com igual convicção e abertura.

Os chineses têm um ditado que diz “截长补短” (Jié cháng bǔ duǎn), ou seja, podemos suprir as deficiências um do outro. Esta máxima parece, portanto, ser uma premissa que se adequa ao desenvolvimento das relações entre a China e as regiões de legado cultural português no mundo.

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