sexta-feira, 12 de outubro de 2018

As incoerências da ministra Dulce de Jesus e a visita de Teresa Ribeiro a Timor-Leste


Num momento em que vivemos uma situação conturbada devido às incoerências da Ministra da Educação Dulce de Jesus, a Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros de Portugal está a fazer uma visita oficial a Timor-Leste.

M. Azancot de Menezes | Jornal Tornado

Após ter sido recebida pelo Presidente da República Democrática de Timor-Leste (RDTL), no dia 8 de Outubro de 2018, a Secretária de Estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Teresa Ribeiro, prestou declarações aos jornalistas sobre as razões da visita oficial ao nosso país e em relação ao principal tema abordado durante o encontro com o Chefe de Estado Francisco Guterres / Lu´Olo.

A questão da língua portuguesa em Timor-Leste, como não podia deixar de ser, mereceu destaque nas suas declarações aos jornalistas e despertou-me a atenção porque transpareceu das palavras de Teresa Ribeiro uma mensagem clara ao Estado timorense no sentido de se assumir, de uma vez por todas, uma postura firme sobre a opção a seguir, se o português ou outra língua.

A Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação declarou que Portugal está empenhado no ensino da língua portuguesa em Timor-Leste “se for essa a vontade dos timorenses”. Timor-Leste quer ou não quer a língua portuguesa? Aqui reside a grande confusão que decorre das incoerências registadas sempre que mudam os governos, em particular, os ministros da educação.

Recomendações do III Congresso Nacional da Educação devem ser cumpridas

Durante o VII Governo Constitucional, formado pela FRETILIN e pelo PD, não havia qualquer dúvida sobre essa matéria. Mari Alkatiri, enquanto Primeiro Ministro, mas também António da Conceição, na qualidade de Ex-Ministro da Educação, foram categóricos, coerentes e inequívocos.

No III Congresso Nacional da Educação, realizado em 2017, Alkatiri defendeu uma linha de pensamento segundo a qual a melhor forma de reforçar a nossa diferença nesta região geográfica e o nosso papel em contexto de globalização é “fazer do português a língua de ensino e da educação em parceria com o tétum; fazer do português a língua da ciência e do domínio da tecnologia; fazer do português a língua para o desenvolvimento e, inevitavelmente, fazer do tétum a língua para afirmar a nossa maneira diferente de pensar…”. António da Conceição afirmou que “as línguas oficiais no sistema educativo devem ser entendidas enquanto meios, instrumentos e recursos para um único fim, ou seja, o acesso a uma educação de qualidade por todos os cidadãos”.

Na perspectiva de académicos nacionais altamente conceituados, e refiro-me a Benjamim da Corte-Real Araújo, Director do Instituto Nacional de Linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa´e  (UNTL), Professor e Investigador desta única universidade pública do país, o apelo neste III Congresso foi no mesmo sentido, ao declarar que “há necessidade de elevar a carga horária para a aprendizagem da língua portuguesa”, solicitando que se desse “ouvidos às conclusões advindas do III Congresso Nacional da Educação”.

Ministra da educação Dulce de Jesus é incoerente em relação à política linguística e prejudica gravemente o futuro de Timor-Leste

O que rapidamente podemos concluir é que as políticas educativas no domínio das línguas, refiro-me ao tempo do VII Governo Constitucional, eram coerentes com a Constituição da RDTL e coerentes com princípios científicos e pedagógicos elementares. Portanto, interrogo-me, por que razão a Senhora Ministra da Educação não valoriza as recomendações do III Congresso Nacional da Educação em matéria linguística (e outras)? Por que razão as recomendações de Benjamim Corte-Real, note-se, Director do Instituto Nacional de Linguística da Universidade Nacional de Timor Lorosa´e  (UNTL), um especialista na matéria, não são ouvidas nem achadas pela Senhora Ministra da Educação Dulce de Jesus?

Recentemente, o Jornal Tornado entrevistou uma académica da UNTL, Sabina da Fonseca, doutorada em linguística pela Universidade Nova de Lisboa. Na opinião desta académica, “a língua de ensino deve ser o português; a iniciação à leitura e à escrita deve ser em português; se queremos projectar a educação das crianças para o futuro, o ensino deve ser em língua portuguesa com recurso ao tétum”. Segundo Sabina da Fonseca “o tétum está em fase de desenvolvimento e deve apoiar-se ao português para se desenvolver”. Esta académica foi mais longe e adiantou que “o ensino-aprendizagem nas línguas maternas só irá contribuir para retardar e complicar a aprendizagem das crianças”.

Por que razão a Ministra da Educação Dulce de Jesus não valoriza os académicos especialistas da UNTL, a universidade mais prestigiada do país, e prefere ouvir as opiniões de  membros de Organizações Não Governamentais, como a Fundação Alola, entre outras? Será que na opinião da Senhora Ministra da Educação os académicos da UNTL não possuem competências científicas e pedagógicas?

A Senhora Ministra da Educação afirma publicamente que defende a língua portuguesa. De facto, visita várias instituições como os «CAFE» e o «Projecto Formar Mais», inaugura bibliotecas com livros em língua portuguesa, contudo, demonstrando total incoerência, cometeu um erro que se não for corrigido será um erro histórico.

Qual foi esse erro? Decidiu propor no Parlamento Nacional que fossem anulados os Decretos-lei 3/2018 de 14 de Março e 4/2018 de 14 de Março. E porquê? Para retirar horas de ensino em língua portuguesa na Educação Pré-Escolar e no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Na prática trata-se do início de mais uma tentativa para a erradicação da língua portuguesa do sistema de ensino nacional.

Por estas e por outras razões é que a Senhora Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação portuguesa terá afirmado que Portugal está empenhado no ensino da língua portuguesa em Timor-Leste “se for essa a vontade dos timorenses”.

Por estas e por outras razões é que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o resto do mundo olham para nós sem saber bem para onde vamos e o que realmente queremos.

*M. Azancot de Menezes, professor universitário |  também colabora no Timor Agora

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