Díli,
02 dez (Lusa) - Ativista artístico, criador, fã de Dalí e um dos pintores mais
procurados da atualidade em Timor-Leste, Alfeo não acompanhou muitos dos seus
contemporâneos, hoje funcionários na Presidência ou no Governo, e por isso não
cortou as 'rastas'.
É
um dos poucos que não o fez entre os que há uma década se viam, em Díli, em
movimentos artísticos, políticos ou intelectuais emergentes e que hoje estão
quase irreconhecíveis, sem os cabelos compridos, mais 'iguais' aos demais.
"Quando
se entra no sistema é mais difícil. Preenches uma cadeira vazia que te dão. E é
difícil ter poder para mudar as coisas. As regras estão todas escritas",
desabafa.
Outro
é Edson Caminha, viola baixo nos Galaxy (um dos grupos mais famosos dos últimos
anos) a quem o chapéu nas cores do 'reggae' mal tapa as rastas que também
sobreviveram.
"Nunca
deixamos de aprender, sobre a música, sobre os ritmos. Antes tocávamos metal e
rock. Mas experimentamos tudo. A música para mim é tudo. Nunca se chega ao
destino, continua-se a chegar", disse Edson.
"Agora
tocamos mais o ritmo 'reggae'. É uma grande influência para mim. A ideia foi
ter uma banda timorense a criar um novo som 'reggae'. Um ritmo 'soft', 'mellow'
e que nos leva a algum lado. Os ritmos que criamos levam-nos a sítios que as
pessoas nem sequer esperam", explica.
Duas
conversas com a Agência Lusa com a mesma tonalidade: a expressão individual na
arte timorense, ecos de projetos coletivos mas que hoje procuram vingar a solo.
Os
dois conheceram-se no primeiro grande projeto coletivo de arte
pós-independência em Timor-Leste: a Arte Moris - escola, espaço de criação,
galeria, museu e comunidade.
"Em
Timor não temos escolas de arte e as coisas acontecem na maior parte das vezes
porque os artistas querem contar coisas. Para mim, o que sinto, preciso de o
contar e talvez alguém precise de o ouvir", explica Alfea.
Hoje
o Arte Moris está muito mais enfraquecido e os 'alunos' mais velhos estão agora
noutros percursos.
"As
pessoas ficam mais velhas. Altura de criar família. Mais de 10 anos como
voluntário é se calhar demasiado. As pessoas precisam de dinheiro para viver,
pagar a renda e tomar conta da família", explica.
"Perdemos
muitas pessoas boas, que tinham vontade de ensinar grátis. Ainda mais triste,
tiveram que ir fazer outras coisas, não o que gostavam. O sistema não ajuda. As
pessoas na escola todos estudam as mesmas coisas, matemática, biologia e pensam
que vão acabar num escritório. Mas em Timor já não sobram assim muitos
escritórios. E todos os anos graduam-se milhares de pessoas. Para ir para
onde?", questiona.
A
sua pintura, já bem cotada, é dominada por rostos, "caras que contam
histórias" e que são mais do que um retrato que Alfeo usa porque "os
humanos criam regras, mas depois essas regras não reconhecem a importância da
componente humana".
Mostra-se
pouco claro sobre se deveria haver mais apoio do Governo até porque essa ajuda
não garante, necessariamente, mais êxito, ou pelo menos nos modelos atuais.
"Temos
um Ministério de arte e cultura e por isso deveríamos fazer algo. Esse
ministério existe porque há artistas, criadores de arte. É uma das razões
porque existe. Se não o fizer é corrupção legal: ficam sentados todo o dia sem
fazer nada. E nesse caso é melhor parar com isso e usar esse dinheiro para
fazer estradas ou outras coisas necessárias", afirma.
Edson
também se refere à dimensão política do seu trabalho, quer na pintura quer na
música onde hoje mais concentra o que diz ser a aprendizagem constante.
"As
mudanças não têm a ver com o ano ou a idade mas com as vivências de cada um,
comparar coisas do passado e apostar em coisas novas. O passado inspirou-nos a
movimentar a nossa mente e a pensar sobre o futuro", disse.
"A
política pode estar em tudo. Agora tocamos reggae e agora falamos disso mas
toda a musica é uma forma de expressão politica. Seja que estilo for. É tudo
sobre expressão. O ritmo é tudo. Podemos expressar o que pensamos, a nossa
mensagem sobre política, sociedade, tudo. Com qualquer ritmo", explica.
Também
sente saudades da comunidade Arte Moris ainda que insista, o conceito de
comunidade é orgânico.
"É
tudo sobre o que sentimos. Se ainda nos sentimos como uma comunidade fazemo-lo
como comunidade. Mas isso não acontece sempre. A comunidade não é um fim em si
mesmo", explicou.
"A
comunidade são os artistas. Quando estamos juntos somos a comunidade. Mas
dentro cabe cada personalidade, cada individualidade, que faze as suas coisas",
acrescentou.
ASP
// PJA
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