quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Fundador da Fretilin Abílio Araújo diz que nunca foi integracionista


Díli, 03 dez (Lusa) - Abílio Araújo, um dos fundadores da Fretilin, o partido que em 1975 proclamou unilateralmente a independência de Timor-Leste, garante que nunca foi integracionista, apesar da sua aproximação à Indonésia que garante ter sido essencial para o processo.

"O tempo já mostrou que eu nunca fui integracionista. Na altura houve a necessidade de me imolarem politicamente e eu digo que fiz o meu percurso no deserto mas nunca me deixei intimidar", diz o antigo-governante, em entrevista à Lusa.

"Eu tinha as minhas convicções muito fortes de que a prosseguir o caminho de não diálogo com a Indonésia e entregar simplesmente aos dois países - Portugal e Indonésia - esta missão de dialogar, que nós não iríamos a lado nenhum", afirma ainda.

Abílio Araújo, ministro no primeiro Governo que tomou posse a 28 de novembro - a Indonésia acabaria por invadir o território a 07 de dezembro seguinte - e um dos autores do manual político da Fretilin (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente), tem sido uma figura polémica.

Apesar de ser central ao nascimento da Fretilin, Abílio Araújo manteve nas últimas décadas uma relação de altos e baixos com o partido, com diferenças claras com os principais líderes e com algumas das decisões tomadas quer em Timor-Leste, quer na diáspora.

Por uns foi considerado um dos responsáveis pela radicalização política da Fretilin, logo nos primeiros anos de vida do partido mas depois, já na diáspora, foi apontado por muitos como integracionista, com contactos regulares, incluindo económicos, na Indonésia.

Araújo insiste que isso não traduz qualquer vontade integracionista mas reconhece que a inexistência uma aproximação à Indonésia era "desfavorável" ao processo, já que era essencial não permitir que Jacarta mantivesse Timor-Leste isolado.

Refere-se, por exemplo, às negociações para a vinda ao território, em 1991, de uma delegação parlamentar portuguesa, visita que acabou por ser cancelada porque as autoridades indonésias se opuseram à inclusão no grupo da jornalista australiana Jill Jolliffe.

A resistência timorense tinha planeado uma receção massiva à delegação, nos preparativos houve um ataque à igreja de Motael em finais de outubro, em que morreu o jovem independentista Sebastião Gomes e o pró-integracionista Afonso Henriques.

A 12 de novembro realiza-se uma cerimónia em homenagem a Sebastião Gomes e milhares de pessoas dirigem-se de Motael até ao cemitério de Santa Cruz onde as tropas indonésias atacam os jovens causando a morte de 250 pessoas.

Aráujo insiste que a questão de Jill Jolliffe foi "um pretexto", dando uma "saída fácil a Portugal", porque "a delegação portuguesa não queria vir" e aos indonésios que "também não estavam muito interessados".

É nessa fase, explica, que diz ter contacto com a diplomacia portuguesa e as Nações Unidas para dialogar com a Indonésia e consultar os integracionistas, "especialmente na fase em que se negociava um pacote de autonomia especial alargada".

Hoje continua a considerar que essa solução, de autonomia especial, teria sido positiva, especialmente porque "estava salvaguardado que essa autonomia era transitória, não era definitiva".

"A verdade é que isto não foi avante, porque a ala política e diplomática da Indonésia estava toda de acordo, mas a ala militar, os militares diziam que era impossível Timor ter uma bandeira. Até falaram comigo a dizer: como é que vamos permitir que vocês tenham uma bandeira, tenham o vosso hino. Isso não pode ser", recorda.

"Era um acordo muito bom, era um acordo substancialmente positivo, e sempre com a cláusula de que isto não era definitivo, depois de um certo tempo seria referendado e o povo iria dizer se queria continuar naquele estatuto, ou não", afirmou.

A avançar, argumentou, teria permitido "que as forças internas se aquietassem e houvesse um apaziguamento social necessário" mas "os militares não deixaram avançar este processo".

Destacou ainda o papel do sucessor de Suharto à frente da Presidência da Indonésia, Jusuf Habibie, com quem manteve uma relação regular antes de ser nomeado vice-presidente e com quem se encontrou já era chefe de Estado.

Abílio Araújo mostra-se crítico sobre o acordo Portugal-Indonésia, sob auspícios das Nações Unidas, assinado a 05 de maio e que permitiu a realização do referendo, afirmando que o texto "não contemplou os interesses dos timorenses" no que toca à segurança.

"Para Portugal o que interessava era que a Indonésia aceitasse um período de transição e a consulta popular, mas ninguém se preocupou em termos da segurança da população. Nunca se podia ter permitido que a Indonésia tivesse mantido toda a segurança", diz.

Considera não ter-se dado oportunidade dos integracionistas participarem no diálogo deixando "tudo isso entregue nas mãos dos militares", que "instrumentalizaram e se serviram dos mais aguerridos, dos mais lealistas, para criar os grupos das milícias".

Uma situação que acabou por levar depois ao "setembro negro" em que praticamente todas as infraestruturas do país foram destruídas e os bens públicos e privados saqueados pelas milícias pró-indonésias e pelos soldados indonésios depois do anúncio do resultado do referendo.

Recorde-se que o resultado do referendo de 30 de agosto de 1999, em que quase 80% escolheu a independência, foi anunciado a 04 de setembro tendo começado de imediato uma onda de destruição que só parou com a chegada dos militares internacionais a 20 de setembro.

ASP // PJA

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