Díli,
03 dez (Lusa) - Abílio Araújo, um dos fundadores da Fretilin, o partido que em
1975 proclamou unilateralmente a independência de Timor-Leste, garante que
nunca foi integracionista, apesar da sua aproximação à Indonésia que garante
ter sido essencial para o processo.
"O
tempo já mostrou que eu nunca fui integracionista. Na altura houve a
necessidade de me imolarem politicamente e eu digo que fiz o meu percurso no
deserto mas nunca me deixei intimidar", diz o antigo-governante, em
entrevista à Lusa.
"Eu
tinha as minhas convicções muito fortes de que a prosseguir o caminho de não
diálogo com a Indonésia e entregar simplesmente aos dois países - Portugal e
Indonésia - esta missão de dialogar, que nós não iríamos a lado nenhum",
afirma ainda.
Abílio
Araújo, ministro no primeiro Governo que tomou posse a 28 de novembro - a
Indonésia acabaria por invadir o território a 07 de dezembro seguinte - e um
dos autores do manual político da Fretilin (Frente Revolucionária do
Timor-Leste Independente), tem sido uma figura polémica.
Apesar
de ser central ao nascimento da Fretilin, Abílio Araújo manteve nas últimas
décadas uma relação de altos e baixos com o partido, com diferenças claras com
os principais líderes e com algumas das decisões tomadas quer em Timor-Leste,
quer na diáspora.
Por
uns foi considerado um dos responsáveis pela radicalização política da
Fretilin, logo nos primeiros anos de vida do partido mas depois, já na
diáspora, foi apontado por muitos como integracionista, com contactos
regulares, incluindo económicos, na Indonésia.
Araújo
insiste que isso não traduz qualquer vontade integracionista mas reconhece que
a inexistência uma aproximação à Indonésia era "desfavorável" ao
processo, já que era essencial não permitir que Jacarta mantivesse Timor-Leste
isolado.
Refere-se,
por exemplo, às negociações para a vinda ao território, em 1991, de uma
delegação parlamentar portuguesa, visita que acabou por ser cancelada porque as
autoridades indonésias se opuseram à inclusão no grupo da jornalista
australiana Jill Jolliffe.
A
resistência timorense tinha planeado uma receção massiva à delegação, nos
preparativos houve um ataque à igreja de Motael em finais de outubro, em que
morreu o jovem independentista Sebastião Gomes e o pró-integracionista Afonso
Henriques.
A
12 de novembro realiza-se uma cerimónia em homenagem a Sebastião Gomes e
milhares de pessoas dirigem-se de Motael até ao cemitério de Santa Cruz onde as
tropas indonésias atacam os jovens causando a morte de 250 pessoas.
Aráujo
insiste que a questão de Jill Jolliffe foi "um pretexto", dando uma
"saída fácil a Portugal", porque "a delegação portuguesa não
queria vir" e aos indonésios que "também não estavam muito
interessados".
É
nessa fase, explica, que diz ter contacto com a diplomacia portuguesa e as
Nações Unidas para dialogar com a Indonésia e consultar os integracionistas,
"especialmente na fase em que se negociava um pacote de autonomia especial
alargada".
Hoje
continua a considerar que essa solução, de autonomia especial, teria sido
positiva, especialmente porque "estava salvaguardado que essa autonomia
era transitória, não era definitiva".
"A
verdade é que isto não foi avante, porque a ala política e diplomática da
Indonésia estava toda de acordo, mas a ala militar, os militares diziam que era
impossível Timor ter uma bandeira. Até falaram comigo a dizer: como é que vamos
permitir que vocês tenham uma bandeira, tenham o vosso hino. Isso não pode
ser", recorda.
"Era
um acordo muito bom, era um acordo substancialmente positivo, e sempre com a
cláusula de que isto não era definitivo, depois de um certo tempo seria
referendado e o povo iria dizer se queria continuar naquele estatuto, ou
não", afirmou.
A
avançar, argumentou, teria permitido "que as forças internas se
aquietassem e houvesse um apaziguamento social necessário" mas "os
militares não deixaram avançar este processo".
Destacou
ainda o papel do sucessor de Suharto à frente da Presidência da Indonésia,
Jusuf Habibie, com quem manteve uma relação regular antes de ser nomeado
vice-presidente e com quem se encontrou já era chefe de Estado.
Abílio
Araújo mostra-se crítico sobre o acordo Portugal-Indonésia, sob auspícios das
Nações Unidas, assinado a 05 de maio e que permitiu a realização do referendo,
afirmando que o texto "não contemplou os interesses dos timorenses"
no que toca à segurança.
"Para
Portugal o que interessava era que a Indonésia aceitasse um período de
transição e a consulta popular, mas ninguém se preocupou em termos da segurança
da população. Nunca se podia ter permitido que a Indonésia tivesse mantido toda
a segurança", diz.
Considera
não ter-se dado oportunidade dos integracionistas participarem no diálogo
deixando "tudo isso entregue nas mãos dos militares", que
"instrumentalizaram e se serviram dos mais aguerridos, dos mais lealistas,
para criar os grupos das milícias".
Uma
situação que acabou por levar depois ao "setembro negro" em que
praticamente todas as infraestruturas do país foram destruídas e os bens
públicos e privados saqueados pelas milícias pró-indonésias e pelos soldados
indonésios depois do anúncio do resultado do referendo.
Recorde-se
que o resultado do referendo de 30 de agosto de 1999, em que quase 80% escolheu
a independência, foi anunciado a 04 de setembro tendo começado de imediato uma
onda de destruição que só parou com a chegada dos militares internacionais a 20
de setembro.
ASP
// PJA
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