Lisboa,
17 jul (Lusa) - Personalidades ligadas à cultura lamentam que as trocas
culturais entre os Estados-membros da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa sejam hoje tão incipientes como há 20 anos, quando a organização foi
criada.
"Não
vejo que tenha havido qualquer incremento do ponto de vista da aproximação
[cultural] entre os países e entre os agentes que trabalham" a cultura,
disse a professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Inocência
Mata, numa entrevista à Lusa a propósito dos 20 anos da organização lusófona,
que se assinalam hoje.
Prevista
nos estatutos da organização como um dos seus objetivos gerais, a cooperação
cultural entre os Estados-membros até pode ter aumentado a nível institucional,
admite a especialista em estudos pós-coloniais, mas não "do ponto de vista
do cidadão que lida com a cultura".
Em
questões "tão importantes e tão básicas" como a circulação de agentes
culturais e de bens culturais, "continua tudo na mesma: Um
desconhecimento, uma dificuldade em se conseguir que aquilo que é publicado num
país" chegue aos restantes, lamentou a professora, nascida em São Tomé e
Príncipe.
O
poeta, historiador e diplomata brasileiro Alberto da Costa e Silva, de 85 anos,
recorda que durante "muitas décadas", havia uma aproximação literária
maior entre, pelo menos, Portugal e Brasil, dando o exemplo do crítico
literário português João Gaspar Simões, que fazia críticas de livros brasileiros
nos jornais do Brasil" nos anos a seguir ao final da II Guerra Mundial.
Ressalvando
que não tem acompanhado as atividades da CPLP na área da cultura, descreveu uma
história das relações entre Portugal e Brasil marcada por ciclos de
"grande intimidade" intercalados com "momentos de relativo
afastamento".
Se
no passado um livro que "era publicado no Brasil tinha ressonância dos
dois lados do Atlântico", hoje é necessário publicá-lo também em Portugal
para que tal aconteça, diagnosticou o também historiador, que se tem dedicado
sobretudo à história de África.
Alberto
da Costa e Silva fez um paralelo com a relação entre os Estados Unidos e o
Reino Unido, que têm uma longa aliança, que "não precisa de texto escrito,
que é a aliança da mesma língua", e na qual os britânicos se julgam em
casa nos Estados Unidos e vice-versa.
Ainda
hoje, descreveu, quase metade dos trabalhos publicados em jornais de cultura
dos dois países anglófonos se referem a temas de outros países de língua
inglesa.
O
escritor e fundador da associação cultural angolana Chá de Caxinde, Jacques dos
Santos, lamentou que os "fenómenos culturais interessantes" que
Angola viveu nos últimos anos não se tenham "disseminado pelos restantes
países de língua portuguesa".
Reconheceu
que a música angolana fez sucesso em Portugal e noutros países da CPLP, mas
afirmou que "há outras áreas, como as artes plásticas ou o teatro, em que
o sucesso poderia ser mais ativo e a troca de experiências muito mais ativa e
mais constante".
Na
literatura, por exemplo, lamentou que a divulgação se circunscreva "a meia
dúzia de autores".
"São
quase sempre as mesmas figuras que, ao longo dos anos, surgem no patamar mais
elevado e pouco conhecimento se tem dos outros autores dos outros países da
lusofonia", disse o fundador da editora Edições CC - Chá de Caxinde.
Para
Jacques dos Santos, as trocas culturais que existem são feitas com base no
"amiguismo" porque existem impedimentos ou constrangimentos que
impedem a divulgação cultural entre os países.
Inocência
Mata exemplificou com as limitações alfandegárias e com as restrições à
circulação de pessoas.
"Permitam
que eu possa comprar, vivendo em Portugal, um livro em Angola e não depender da
generosidade e da boa vontade de amigos ou familiares", disse a
investigadora.
Acrescentou
que há pessoas que não conseguem participar em eventos culturais devido às
políticas de vistos: "É compreensível que uma pessoa que seja convidada
para um evento científico seja obrigada a declarar quanto dinheiro tem no
banco?".
Questionados
sobre as medidas que a CPLP pode tomar para melhorar a cooperação cultural
entre os Estados-membros, Inocência Mata pediu políticas que permitam a
circulação de bens culturais e de agentes culturais.
Jacques
dos Santos foi mais longe e pediu um mecenas da cultura dos países de língua
portuguesa: "O mecenas tem de ser a CPLP. Ela própria tem de estar munida
dos argumentos económicos e financeiros necessários para que possamos, num
futuro próximo dizer que 'estamos juntos' (...) na cultura".
FPA/ANYN
// VM
Sem comentários:
Enviar um comentário