Lisboa,
30 mai (Lusa) -- O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e diplomata
António Monteiro considerou hoje em Lisboa que a CPLP se tornou numa
organização indispensável, mas necessita de uma "mudança interna"
devido a "défice de vontade política".
Ao
considerar que o Brasil representa um caso específico, António Monteiro disse
que os restantes países "negligenciaram um pouco" o valor da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
"Estava
ali, e iam adiando. Houve durante muito tempo, e ainda há, um défice de vontade
política em relação ao que deve ser a própria organização", assinalou, já
no período de perguntas e respostas após a sua conferência "Portugal e o
Mundo Lusófono", no âmbito do ciclo de conferências "Os Interesses de
Portugal no Mundo", promovido pela Universidade Autónoma e jornal Público,
que decorre até 26 de junho.
"Com
tanta prioridade, nenhuma é prioritária. Não é possível fazer assim. Alguma
mudança interna deve ser feita. Mas o facto de ser um défice da organização,
não justifica que se olhe para a CPLP como quase um fator despiciente, um fator
político-diplomático apenas para consolar e consolidar o sentimentalismo das
nossas relações", prosseguiu o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros
no governo de Pedro Santana Lopes (julho de 2004- março 2005), ex-diplomata e
um "construtor da CPLP", como foi definido na apresentação pelo
embaixador Francisco Seixas da Costa, presente na mesa também com o professor
Luis Moita, em representação da universidade.
Ainda
numa referência ao défices que deteta numa organização que ajudou a construir,
António Monteiro salientou uma "excessiva intergovernamentalização",
que não a favorece e sublinhou as suas "potencialidade".
No
entanto, deixou uma nota positiva: "Mas há uma conquista, hoje em dia
nenhum país membro da organização gostaria de sair da CLPL, ou de ser visto
como contrário, ou ser suspenso. Temos essa vantagem já é uma organização
indispensável", sustentou o ex-diplomata, hoje envolvido no setor da banca
privada.
António
Monteiro reconheceu que, quando trabalhou de forma intensa neste projeto, se
questionava sobre se esta organização seria uma prioridade para cada um dos
governos dos países fundadores, e sem ter obtido uma conclusão definitiva.
"Desde
o início, pensei que Portugal devia dar o exemplo e ter nomeado um embaixador
junto da CPLP. Se temos embaixadores junto da União Africana, da União
Europeia, criamos uma organização e a nossa obrigação e dos países-membros era
ter nomeado e criado embaixadas. Passaram-se anos até ser o Brasil a nomear o
primeiro embaixador".
A
adesão da Guiné Equatorial à CPLP foi outro assunto abordado no período de
perguntas e respostas, com o ex-chefe da diplomacia a admitir tratar-se de
"uma questão muito controversa", relativa a um país "isolado
dentro de África do ponto de vista da língua", por ser um país de língua
espanhola.
"A
CPLP é uma organização intergovernamental, mas representa apenas governos?
Estamos a falar de governos ou estamos a falar de países. Se nós pensarmos que
os governos são transitórios e que os países em si são definitivos, julgamos a
questão de maneira diferente", adiantou, frisando que já existem aspetos
positivos desta adesão, como a abolição da pena de morte, a melhoria "em
alguns aspetos" da vida dos guineenses ou o envio de jovens deste país da
África equatorial para escolas portuguesas.
O
diplomata recordou que "se houver abusos extremos, também há outras
medidas da CPLP a tomar, incluindo a própria suspensão. É muito difícil aplicar
isso, porque dentro dos próprios países fundadores também houve problemas, com
casos de chefes de Estado assassinados e golpes de Estado sucessivos".
O
ex-diplomata, que iniciou a carreira em janeiro de 1968 "ainda com Salazar
fora da cadeira", como referiu, definiu no início da intervenção a CPLP
como "uma partilha", destacou os "pontos comuns", pugnou
por uma organização "aberta ao mundo e não fechada sobre si própria"
e destacou a "importância fulcral" dos oceanos para este espaço
político e cultural unido em torno da língua, "de quem ninguém é dono e
que evoluirá".
Definiu
a CPLP como "uma mais-valia na cena internacional, num mundo global onde
as afinidades são importantes", e como "lugar privilegiado" numa
era da globalização.
"Mas
exige uma responsabilidade de quem governa. Não se pode exigir à CPLP aquilo
que a CPLP não pode dar. Também não se pode apoiar uma CPLP que não dá às
comunidades que supostamente deve servir uma ideia de utilidade e relevância. É
necessário um equilíbrio", avisou.
António
Monteiro deixou também uma certeza sobre o futuro da organização que ajudou a
fundar.
"É
minha convicção de que a CPLP se vai afirmar cada vez mais como indispensável
para o reforço e o progresso de todo o espaço de língua portuguesa e, para tal,
tem de ser vista como uma verdadeira parceria. Não estar ao serviço dos
interesses individuais de nenhum Estado, mas ao serviço dos interesses
legítimos de todos os Estados e povos que a compõe", concluiu.
PCR
// ARA
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