Díli, 18 abr (Lusa) - A ação de
um grupo de agentes australianos que em 2004 aproveitou um suposto programa de
assistência humanitária para colocar um sistema de espionagem no Palácio do
Governo em Timor-Leste é o mote de uma nova peça de teatro australiana.
"Greater Sunrise" - que
é também o nome de um projeto petrolífero no Mar de Timor - foi escrita por Zoe
Hogan, que viveu e trabalhou em Timor-Leste entre 2011 e 2012 (no âmbito de um
programa de voluntários do Governo australiano).
O escândalo da espionagem foi o
mote para uma história que começou por ser uma tentativa de escrever sobre a
vida de um estrangeiro em Díli e acabou a mostrar "como a Austrália tem
lidado com Timor-Leste, especialmente depois da independência".
Os antecedentes, explicou Hogan à
Lusa, em entrevista telefónica a partir de Sydney, "são chocantes" e
representam "uma violação óbvia pela Austrália da lei internacional",
apesar de na prática serem "triste e previsivelmente dececionantes" e
mais um exemplo "de um grande a aproveitar-se do vizinho mais
pequeno".
O caso, que só foi descoberto em
2013, causou um dos momentos de maior tensão diplomática entre Díli e Camberra,
especialmente porque a espionagem foi feita quando os dois países negociavam as
fronteiras marítimas.
O homem que denunciou a
espionagem, conhecido apenas como Testemunha K, continua sem passaporte, na
Austrália, impedido de sair do país.
Camberra recusava aceitar a linha
mediana de fronteiras e insistia numa divisão de receitas do Mar de Timor de
recursos que estavam do lado timorense, postura a que só cedeu com a
assinatura, este ano, de um novo tratado.
Esse tratado, assinado a 06 de
março em Nova Iorque, colocou a linha onde Timor-Leste sempre reivindicou, o
que implica que os poços explorados, cujas receitas teve que dividir com
Camberra, são totalmente timorenses.
Estima-se que cerca de cinco mil
milhões de dólares de receitas timorenses referentes a esses poços tenham ido
para os cofres australianos.
Com experiência em cinema e no
palco - foi um dos atores nos dois maiores filmes feitos em Timor-Leste (Balibo
e A Guerra de Beatriz) - o único ator timorense da peça, José da Costa, destaca
o facto de a peça mostrar um assunto que é desconhecido para muitos na
Austrália.
"Parece estar algo
escondido. Há muitos que depois da peça pedem mais informação. A obra é
historicamente baseada em factos reais mas depois é preciso explicar
mais", disse à Lusa.
O mesmo ocorre com muitos dos
jovens em Timor-Leste que podem não conhecer as dimensões de um assunto
complexo, pelo que "era importante mostrar também esta peça" em
Timor-Leste.
Hogan rejeita a posição dos que,
no Governo australiano, defendem que Timor-Leste deve estar agradecido pelo
apoio que a Austrália tem dado ao país, insistindo que a questão é muito mais
ampla.
"Isto é uma questão de
justiça e não sobre caridade ou generosidade", disse.
Ainda que tenha conhecido muitos
ativistas timorenses envolvidos no caso de Timor-Leste, Hogan admite que junto
do público em geral possa haver muito desconhecimento sobre este caso e sobre a
realidade timorense.
Ainda que inspirado em eventos
reais, o autor insiste que a história é essencialmente de ficção, sem ser
baseada na vida de ninguém em concreto. Especialmente positivo é o facto de no
palco estar um ator timorense, disse.
"Não teríamos produzido a
peça se não tivéssemos um ator timorense. A peça tem muito tétum, é
particularmente bonito ouvir tétum num palco em Sydney, onde muito do público
nunca sequer ouviu a língua", explicou.
"Penso que é a primeira vez
que numa produção num palco em Sydney temos o tétum. É muito importante poder
promover a nossa língua num espetáculo com tanto público. Nas conversas com o
público, depois, muitos dizem que gostaram de ouvir a língua", sublinha
José da Costa.
O objetivo agora é levar a peça a
outras cidades australianas, nomeadamente Melbourne e Darwin, mas também até
Timor-Leste.
A peça está em cena no Belvoir
Theatre até 21 de abril.
ASP // VM
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