Macau, China, 17 mai 2019 (Lusa)
-- A jornalista filipina Maria Ressa, detida duas vezes no país por
'ciber-difamação', contestou hoje aquilo que classificou de intimidação e
assédio contra os jornalistas que tentam salvar a democracia com "uma única
arma", a verdade.
"A maior batalha da nossa
geração é a batalha pela verdade. E os jornalistas estão na linha da frente
[dessa luta]. Estamos a ser atacados", advertiu a jornalista distinguida
pela revista Time em 2018 como "personalidade do ano".
Ressa teve de pedir permissão às
autoridades filipinas para estar presente esta tarde no Clube dos
Correspondentes Estrangeiros de Hong Kong, para uma palestra transmitida em
direto pela rede social Facebook.
A diretora do 'site' noticioso
Rappler, que é já um dos mais influentes nas Filipinas, trava uma luta judicial
contra o Governo do Presidente Rodrigo Duterte, que acusou o portal de
'ciber-difamação' e de ser financiado pelos Estados Unidos.
"A lei foi armada contra
nós... e achei que era tão absurda que as pessoas não a apoiariam",
lamentou, numa sessão marcada pelo poder das redes sociais, a emergência do
populismo, as recentes eleições nas Filipinas e as ameaças à liberdade de
imprensa.
A antiga correspondente da CNN no
Sudeste Asiático referia-se à lei pela qual está a ser processada, aprovada
meses após a publicação da notícia em causa, que data de 2012, ano em que
nasceu a Rappler.
"É uma intimidação, um
assédio, foi feita para nos afastar dos nossos recursos", disse. A
Rappler, que nasceu como um projeto inovador e tecnológico para capturar o
público jovem e recuperar a essência do jornalismo, tornou públicos vários
escândalos sobre o Governo e foi pioneira em denunciar vários abusos da
controversa guerra contra as drogas de Duterte.
Questionada sobre os desafios
trazidos pela revolução digital e o impacto nos novos media, a veterana
considerou que o cenário tem tanto de entusiasmante como de preocupante, mas
que é essa dualidade que a motiva.
"A tecnologia é ao mesmo ao
mesmo tempo a maldição e a salvação do nosso tempo. Temos de olhar de perto
para ela", afirmou a jornalista, salientando que "não se deve
deixá-la apenas nas mãos de programadores e das redes sociais".
"Quando dizes uma mentira um
milhão de vezes, torna-se verdade. Isso acontece nas redes sociais",
sustentou.
A solução para o jornalismo a
nível global reside então naquilo a que chamou de "um 'mix': "Temos
de ser tão especialistas em tecnologia como em jornalismo", defendeu.
Maria Ressa e a equipa do Rappler
estão atualmente a elaborar uma nova plataforma tecnológica, para a qual
lançaram uma campanha de 'crowdfunding', "a maior já feita nas
Filipinas", saudou.
Sobre as recentes eleições
intercalares nas Filipinas, das quais poderá sair o reforço à
institucionalização da promessa de Duterte em restaurar a pena de morte e em
reformar a Constituição filipina, Ressa mostrou-se desapontada com os
resultados preliminares.
"Pela primeira vez desde
1937, nenhum candidato da oposição obteve um assento no Senado", lamentou,
referindo-se à contagem parcial e ainda não oficial dos resultados, cujo
escrutínio já ronda os 98%.
"É um referendo à
popularidade" de Duterte, um Presidente "muito popular" e
"muito forte", que só pode ficar no poder se, tal como já prometeu,
reformar a Constituição filipina.
Sem um assento da oposição no
Senado, essa possibilidade tornar-se ia mais real, já que o Senado "foi o
único órgão que desde a eleição de Duterte pôs um travão a algumas das
iniciativas presidenciais mais controversas, como a pena de morte",
lembrou.
Se Duterte consolidar o poder,
Ressa só vê uma saída, a colaboração ativa entre jornalistas e ativistas para
"proteger os direitos ainda garantidos pela Constituição".
"Ao olhar para os
resultados, questiono os nossos valores. Demos luz verde a uma brutal guerra
contra as drogas, que já matou, segundo a ONU, 270.000 filipinos desde julho de
2016" questionou.
"Queremos que os nossos
filhos se tornem misóginos e sexistas? Porque é isso que o nosso Presidente
faz", frisou, debruçando-se sobre o "enorme poder dos líderes"
mundiais, dando o exemplo do Presidente norte-americano, Donald Trump, e da
primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Arden.
Não obstante, Ressa apontou uma
qualidade ao chefe de Estado filipino: a adesão às urnas em 2016.
Já na sessão de perguntas e
respostas, Maria Ressa, que se tornou na Ásia e um pouco por todo o mundo um
símbolo da liberdade de expressão e da luta contra as 'fake news', sublinhou
que a "única arma" de um jornalista "é contar a verdade".
"Eu escrevo notícias. Não
quero ser a notícia. Mas, ao mesmo tempo, quando os meus direitos são violados,
isso dá-me força (...) e não queria que o facto de ser jornalista implicasse
não erguer a minha voz", defendeu.
"Ainda podemos vencer esta
batalha. Ainda podemos proteger a democracia", disse.
FST // PJA
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