Jacarta, 04 mai 2019 (Lusa) -- A
Indonésia tem hoje uma imprensa livre, mas em contrapartida vive um período de
pressões de elementos religiosos que colocam crescentes limitações na liberdade
cultural, considera um dos jornalistas que combateu a ditadura de Suharto.
"Hoje temos a media muito
livre, não temos que ter as famosas licenças, o Governo não pode censurar ou
usar a arma da licença", explicou à Lusa Gonenawan Mohamad, hoje escritor
e pintor, mas outrora jornalista e fundador da revista Tempo -- uma das primeiras
que nos anos 90 do século passado desafiou a Nova Ordem de Suharto (no poder
entre 1967 e 1998).
"Mas agora a questão de
liberdade de expressão não é tanto sobre a liberdade de imprensa. É mais sobre
expressões culturais, submetidas a pressões de elementos religiosos que não
gostam de expressões livres em poesia, ficção ou filme", conta.
A uns meses de cumprir 78 anos,
Goenawan Mohamad mostra-se convicto nos ideais, ainda que mais longe do mundo
do jornalismo, adaptados à nova Indonésia democrática.
Uma sociedade onde se evidencia
um crescente conservadorismo religioso, "não apenas entre muçulmanos, mas
entre cristãos, especialmente".
"Certamente entre os
muçulmanos está a aumentar. Não necessariamente a violência ou a intolerância,
mas certamente em conservadorismo", explicou.
Goenwan Mohamad diz que o
crescente uso do 'hijab' pelas mulheres muçulmanas -- é prevalente nas ruas da
cosmopolita Jacarta, capital indonésia - mostra "uma perda de liberdade de
expressão física".
"O que é muito visível, por
exemplo na forma como as pessoas se vestem, é um autocontrolo nas expressões
físicas. Há 25 anos quase ninguém usava 'hijab'", conta.
Num momento em que o debate entre
o secularismo e o conservadorismo religioso marcaram o debate para as eleições
de 17 de abrol, Mohamad diz que a Indonésia precisa de dar mais um mandato a
Joko Widodo, o atual chefe de Estado.
"Ele tem um papel importante
a fazer no país. Vem dos mais pobres, entende e compreende melhor esses
problemas. O Suharto também era de uma família pobre. Mas ele chegou ao poder
pelo poder do exército e o Jokowi foi eleito", enfatiza.
"Há muito a fazer. Cinco
anos é pouco para este país, que é demasiado complexo e grande. Dez anos é
melhor", nota.
Os resultados eleitorais deverão
ser divulgados até 22 de maio, mas Widodo já reclamou ter sido reeleito, com
54% dos votos, enquanto o seu adversário Prabowo Subianto disse ter obtido 62%
dos votos nas eleições.
O antigo jornalista descreve um
país onde a influência dos militares é menor e, por isso, se nota a inveja que
mostram relativamente ao crescente papel da polícia, com mais recursos e um
papel mais preponderante na luta contra o terrorismo, por exemplo.
Uma Indonésia que "não pode
ser verdadeiramente capitalista porque muitos dos negócios continuam a ser controlados
pelo Estado", onde a corrupção prolifera, apesar de uma maior e mais
empreendedora classe média.
Descreve jovens que "deviam
aprender a história" do seu país, porque "agora que estão livres e
até podem criticar o Presidente" lhes "custa imaginar que isso não
era possível" ou não percebem "o que foi necessário para conseguir
essa liberdade".
Apesar de tudo mostra-se
otimista, com vontade que a mudança seja feita "de forma normal e sem os
combates ideológicos entre as secções da 'sharia' [direito islâmico] e as
seculares", para responder ao muito que falta fazer.
"O sistema educativo é muito
mau, as disparidade sociais continuam muito acentuadas. A situação económica
permanece instável", explica.
Nos anos 90 do século passado foi
um dos rostos da imprensa que lutava contra a Nova Ordem mundial. Agora diz que
a luta é outra, contra o influxo de informação das redes sociais, com conteúdo
"vendido como notícias", mas que "depois não respeita as regras
básicas do jornalismo" onde proliferam informações "falsas e
irresponsáveis" que vão proliferando.
Talvez por isso, admite, se sinta
satisfeito por enveredar pelo mundo da arte.
Com os óculos pendurados na testa
-- que deixa cair duas vezes na conversa -- a voz frágil mas assertiva e um
sorriso confiante e aberto, Goenawan Mohamad diz-se contente e "muito
'fit' [em forma]", enquanto sobe os vários lanços das escadas de metal até
ao seu estúdio.
A conversa decorre numa das salas
do complexo conhecido como "Komunitas Salilhara", o primeiro centro
privado multidisciplinar de arte da Indonésia que Goenawan Mohamad ajudou a
fundar em 2008 e onde hoje tem o seu estúdio.
"Sou artista a tempo
inteiro. Pinto, escrevo poesia, peças de teatro e contos. Fico por aqui",
disse, referindo-se ao complexo instalado num espaço de quase 4.000 metros quadrados ,
ao lado da Universidade Nacional Indonésia em Passar Minggu, sul de Jacarta.
Três edifícios principais --
teatro, galeria e escritórios -- com instalações adicionais incluindo um
estúdio de ensaio, uma pousada e um anfiteatro.
O projeto foi formado por vários
escritores, artistas, jornalistas e amantes da arte e desde a sua fundação
promove projetos artísticos de vários tipos, tendo sido considerado em 2010
como "O Melhor Espaço de Arte" da capital indonésia.
O "Komunitas Salihara"
afirma-se como "um centro cultural alternativo" empenhando em
"manter a liberdade de pensamento e expressão, respeitar as diferenças e a
diversidade e promover e disseminar recursos artísticos e intelectuais".
"Precisamos de reafirmar
essa visão, porque na Indonésia de hoje, onde a democracia eleitoral foi implementada
nas últimas duas décadas, a liberdade de pensamento e expressão ainda é
ameaçada de cima - por instrumentos do Estado - ou de lado - por setores da
sociedade em si, especialmente grupos que atuam em nome de algum grupo
religioso ou étnico", refere.
Prioridade para as novas artes,
mas também reconhecendo e promovendo "uma atitude criativa em relação à
herança artística diversificada da Indonésia e do mundo".
"Um dia temos que ter cá artistas
portugueses", diz.
ASP // JH
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