Jacarta,
05 dez (Lusa) -- Francisco Lopes da Cruz foi um dos fundadores da União
Democrática Timorense (UDT), um dos partidos subscritores da "Declaração
de Balibó" -- pró-integração na Indonésia, mas agora sente-se parte da
construção do Timor-Leste livre que traz no coração.
Em
entrevista à Lusa, Lopes da Cruz conta que depois de ter estudado para padre e
de ter recebido formação militar em Moçambique, integrado no exército
português, não queria envolver-se na política, mas considera que foi
"quase obrigado a ser o presidente da UDT".
As
memórias do "ano turbulento" de 1975 são recordadas ao pormenor,
desde a coligação da UDT com a pró-independentista Frente Revolucionária do
Timor-Leste Independente (Fretilin), que, recorda, foi "formidável",
mas "mal interpretada".
Enquanto
a UDT desejava uma independência a longo prazo e sedimentada com a ajuda de
Portugal, a Fretilin lutava por uma independência imediata.
Por
pressão dos partidários da UDT, a coligação termina e a 11 de agosto o partido
lançou um golpe armado para se apoderar do poder, que Lopes da Cruz descreve
não como um "golpe de Estado", mas como um "movimento
revolucionário anticomunista", que "não correu bem" e que,
assegura, não foi liderado por si.
A
30 de novembro, dois dias depois de a Fretilin ter declarado unilateralmente a
independência, elementos da UDT assinaram em Bali a "Declaração de
Balibó", que pedia a integração na Indonésia.
"Eu
por acaso não fiz parte do grupo, porque o grupo antecipou-se. Como presidente
da UDT naquela altura, limitei-me simplesmente a escrever o meu nome na
referida declaração em vez de assiná-la", recordou, em declarações à
agência Lusa.
Lopes
da Cruz tem bem vivos na memória os momentos de angústia que viveu naquela
altura em que permaneceu junto à fronteira, como a noite que passou a rezar
pelo futuro de Timor-Leste e os momentos em que viu a sua mulher a "chorar
porque os pais estavam em Díli".
Após
a invasão indonésia em dezembro, Lopes da Cruz tornou-se vice-governador de
Timor-Leste e, durante sete anos, tentou enviar "o maior número
possível" de jovens timorenses para estudar nas universidades indonésias,
até porque em 1975 havia "não mais de dez formados" no território.
Mais
tarde, criou a fundação Rebentos de Esperança de Timor-Leste e continuou esse
trabalho.
O
homem que chegou também a ser embaixador indonésio em Lisboa estima que
ofereceu "bolsas de estudo a cerca de 250 timorenses", incluindo a
"80% dos timorenses que estão a governar em Timor".
Por
isso, Lopes da Cruz respondeu que se sente parte da construção do país que
Timor-Leste é hoje, embora não goste de "fazer alarido" disso.
"Não
sou nenhum herói de Timor, não sou nada, mas diante de Deus, para quem não há
heróis desconhecidos, eu dei também a minha contribuição para um Timor mais
humano e para um Timor de que todos se podem orgulhar", vincou.
O
antigo conselheiro dos últimos cinco presidentes indonésios relatou ainda que
no início dos anos 80, na altura no cargo de vice-governador, foi alvo de um
"estratagema" para o responsabilizarem por um "ataque a Díli em
que morreram quatro polícias".
Em
causa, entende, estava o facto de ter um programa de rádio com canções
portuguesas, porque "a alma timorense é a cultura portuguesa", do
qual "muitos não gostavam", afirmando que o programa servia para
"contactar com os do mato e que aquelas canções mostravam que estava
orientado para Portugal".
Hoje,
Lopes da Cruz encara a opção da "integração como uma tábua de
salvação" numa altura conturbada e diz que "se apoiasse a integração
até ao fim não votaria no referendo de 30 de agosto de 1999 que levou Timor à
independência".
Sem
revelar se votou a favor da autonomia especial ou da independência, porque
"o voto é secreto", contou ainda que, mais tarde, agradeceu ao Presidente
indonésio da altura, Habibie, por ter permitido a realização do referendo que
ditou a independência.
Lopes
da Cruz vive em Jacarta da sua pensão mínima, mas aguarda há dez anos pela
reforma que ele, a sua mulher e "mais uns mil timorenses" têm direito
por terem trabalhado para Portugal.
Apesar
dos convites para regressar à sua terra, Lopes da Cruz prefere ficar em Jacarta
"a fazer lóbi para a Indonésia poder dar um apoio substancial a
Timor", mas remata: "Estou a viver em Timor dentro do meu coração
(...) Para mim, Timor é tudo".
ANYN
// EL
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