No
mundo lusófono existe uma “coisa” que agora festeja 20 anos de completa
inoperacionalidade, 20 anos de (in)existência. Chama-se CPLP – Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa e nada mais é, hoje, do que um elefante branco.
Orlando
Castro* – Folha 8
A Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sobretudo devido ao incremento (ou será
excremento?) dado pela Guiné… Equatorial, tem estado na ribalta. Faz agora 20
anos mas não passou, apesar da idade, de um nado-morto.
Segundo
o saudoso Vasco Graça Moura, na altura presidente do Conselho de Administração
da Fundação Centro Cultural de Belém, “a CPLP é uma espécie de fantasma que não
serve para rigorosamente nada, que só serve para empatar e ocupar gente
desocupada”.
Seja
como for, a CPLP tem uma esplendorosa sede no Palácio Conde Penafiel, na zona
do Largo do Caldas, na baixa de Lisboa, que inclui auditório, biblioteca e
centro de documentação, além de salas de reuniões, gabinetes de trabalho e um
salão nobre. A embalagem é excelente. O conteúdo, contudo, continua a ser uma
farsa. Farsa, ainda por cima, de muito fraca qualidade.
“Fica
facilitada a nossa intenção de promover um contacto mais directo com a
comunidade”, disse na altura da inauguração da sede, em Fevereiro de 2012, o
então secretário-executivo da organização, Domingos Simões Pereira, adiantando
que a ideia era atrair a comunidade académica e promover encontros com as
várias comunidades lusófonas que vivem em Portugal.
“Este
conjunto de movimentos deverá permitir que a CPLP seja mais conhecida e esteja
mais presente no dia-a-dia dos cidadãos”, considerou, lembrando que as
anteriores instalações, na Lapa, não ofereciam condições para estas
iniciativas.
Ao
longo dos anos, a CPLP, criada a 17 de Julho de 1996, pretendeu (embora sem
êxito) afirmar-se como organização de concertação politico-diplomática e de
cooperação, sendo frequentemente criticada por não conseguir chegar às
sociedades dos oito países. Aliás, raramente consegue ir mais além do umbigo
dos seus idílicos, líricos e eventualmente etílicos mentores.
“Gostávamos
de ter ido bastante mais rápido, mas (…) era preciso estruturar a organização,
era preciso que fosse reconhecida nos espaços oficiais para que hoje possamos
sentir que temos oportunidade de nos aproximarmos da comunidade”, disse na
altura Domingos Simões Pereira.
E
sendo a CPLP uma Comunidade dos Países de diversas Línguas, entre as quais a
Portuguesa, não admira que enquanto Timor-Leste quer abandonar o português,
outros queiram entrar, mesmo que o que pensem da nossa Pátria comum (a língua)
seja igual a zero.
Nada
como a CPLP estar preocupada, por exemplo, em ajudar os cidadãos ucranianos e
esquecer – como tem feito até agora – os guineenses. É, aliás, simpático dar
sapatos aos filhos do vizinho enquanto os nossos andam descalços…
“Mas
quando nós começamos a receber esta atenção e este nível de interesse por parte
de países que ‘à priori’ não pareceria terem afinidades, interesses tão óbvios,
isso deve alertar-nos para aquilo que a CPLP pode significar, para aquilo que
pode representar”, acrescentou na altura Domingos Simões Pereira.
E
pelo que a CPLP quer de facto representar, seria mais aconselhável mudar o nome
para Comunidade dos Países de Língua Petrolífera. Esquecia-se a língua
portuguesa, que é coisa de somenos importância, e apostava-se forte naquilo que
faz mover os areópagos da política internacional: o petróleo.
Aliás,
mesmo sem perguntar a Xanana Gusmão, todos sabem que a Indonésia é um daqueles
países a quem a lusofonia tudo deve, mormente Timor-Leste.
Por
alguma razão Jacarta proibiu, enquanto foi dona de Timor-Leste, aquilo que foi,
ou é, desejo de Xanana Gusmão, ou seja, o uso da língua portuguesa.
Prioridade
das prioridades é para a CPLP o Acordo Ortográfico. Tão ou mais prioritário
quando se sabe que a Guiné-Bissau regista a terceira taxa mais elevada de
mortalidade infantil no mundo e Angola a primeira.
Será
que algum dia a CPLP se preocupará como facto de a esperança de vida à nascença
dos guineense ser apenas de45 anos?
Será
que algum dia a CPLP se preocupará como facto de os líderes angolanos
continuarem a saborear várias refeições por dia, esquecendo que na mesma rua há
gente a morrer à fome?
Será
que algum dia a CPLP se preocupará como facto de a comunidade internacional
continuar a mandar (em sentido figurado) toneladas de peixe para Moçambique,
esquecendo que o que os moçambicanos precisam é tão só de quem os ensine a
pescar?
Será
que algum dia a CPLP se preocupará como facto de se mandar montes de
antibióticos para a Guiné-Bissau, esquecendo, sobretudo porque tem a barriga
cheia, que esses medicamentos só devem ser tomados depois de uma coisa
essencial que os guineenses não têm: refeições?
A
CPLP diz que Angola desenvolveu nos últimos anos um grande esforço para
“acentuar a coesão” entre os membros do bloco lusófono nas áreas da democracia,
direitos humanos e reforço do estado de direito. O paradigma de tudo isso será
com certeza a Guiné Equatorial.
Democracia?
Direitos humanos? Estado de direito? Será que a CPLP sabe mesmo quais são os
estados que fazem parte da Comunidade de Países (também) de Língua Portuguesa?
Ou,
sabendo-o, considera que Angola é um exemplo de democracia, quando 70% dos
angolanos vive na miséria e vota com a barriga?
Saberá
a CPLP que, há muitos anos, a Human Rights Watch revela que Angola enfrenta
problemas de desrespeito pelos direitos humanos, incluindo a falta de liberdade
de expressão, a tortura e a violência?
O
caso da Guiné Equatorial
Embora
seja uma ditadura, a Guiné Equatorial é membro da CPLP. Tudo normal. Nesta
matéria Angola já não se sente isolada.
Domingos
Simões Pereira explicava na altura da adesão que, “por um lado, a Guiné
Equatorial já está cumprindo com a aprovação da língua portuguesa, como língua
oficial. Mas também há princípios que têm a ver com o exercício democrático no
país, com uma maior abertura, com os direitos humanos. Há todo um conjunto de
princípios no país que nós achamos que têm que ser respeitados”.
Por
aqui se vê como a língua portuguesa é complicada. Para a CPLP democracia e
direitos humanos têm um significado diferente, ou até antagónico, daquela que
nos é ensinado pelos dicionários.
Assim,
com a bênção do democrata (apesar de não eleito nominalmente e no poder desde
1979) presidente de Angola, e com o agachamento dos restantes países, a Guiné
Equatorial comprou o seu lugar na CPLP.
É
evidente que a entrada da Guiné Equatorial na CPLP “não vai mudar nada o regime
de Teodoro Obiang” (onde está a novidade?), afirmava já em Julho de 2010 um dos
líderes da oposição em Malabo.
“Obiang
está no poder desde 1979 e vai continuar a violar os direitos humanos, a
torturar e a prender”, declarou Celestino Bacalle, vice-secretário geral da
Convergência para a Democracia Social (CPDS).
“Nada
mudou na ditadura nestes anos todos nem vai mudar com a entrada na CPLP. Quem
muda são os que antes criticavam a situação na Guiné Equatorial e agora são
convencidos pelo dinheiro, pelo petróleo e pelos negócios”, acusou então o
número dois da maior plataforma da oposição equato-guineense.
“Hoje,
os que tinham uma posição crítica sobre a ditadura de Obiang mudam de posição
depois de visitarem Malabo”, ironizou o dirigente da oposição, responsável
pelas relações políticas internacionais da CPDS.
“A
adesão à CPLP não nos surpreende. Está na linha do que Obiang tem feito com
outras organizações internacionais. Ele quer mostrar ao povo guineense que o
dinheiro pode comprar tudo o que ele quiser. O pior é que tem razão”, denunciou
o dirigente da CPDS.
A
Guiné Equatorial faz parte do pior de África, mas isso não interessa a quem
fica convencido pelas promessas de negócios.
Reconheça-se,
contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné Equatorial preencheu todas as
regras para integrar a CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado,
tem fartura de petróleo e outras riquezas, o que é condição “sine qua non” para
comprar o que bem entender.
Obiang,
que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante
mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs
Bank, dos EUA, tem sido acusado (tal como o seu homólogo angolano, por exemplo)
de manipular as eleições e de ser altamente corrupto, tal como o que se passa
em Angola.
Obiang,
que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito
(isso é que é democracia) com 95 por cento dos votos oficialmente expressos
(também contou, como em Angola, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder
graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus
guarda-costas marroquinos.
Os
vastos proventos que a Guiné Equatorial recebe da exploração do petróleo e do
gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga
colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha
de pobreza. Em Angola são 70% os pobres…
A
Amnistia Internacional (AI) diz que no país do Presidente Teodoro Obiang se
registam “vários casos de detenções e reclusões arbitrárias por motivos
políticos”, que normalmente ocorrem “sem que a culpa dos detidos seja formada e
formalizada”, e sem que haja “um julgamento justo”.
Estas
alusões a Teodoro Obiang e ao seu país encaixam que nem uma luva ao caso de
Angola, até mesmo quanto aos anos que os dois presidentes estão no poder.
“Tais
práticas não constituem apenas violação dos padrões internacionais de Direitos
Humanos aplicáveis às regras processuais policiais, penais e jurisdicionais,
mas constituem também forma grave de restrição à liberdade de expressão”,
afirma a AI.
As
“fortes restrições à liberdade de expressão, associação e manifestação”, os
“desaparecimentos forçados de opositores ao Governo”, os “desalojamentos
forçados” e a existência de “tortura e outros maus-tratos perpetrados pelas
forças policiais” são outras das preocupações expressas pela AI referentes a
Angola… perdão, referentes à Guiné Equatorial.
Não
se tivesse a certeza que a AI estava a falar da Guiné Equatorial (formalmente é
uma democracia constitucional) e, com extrema facilidade, todos pensariam que
estaria a fazer o retrato do reino de sua majestade o rei de Angola, José
Eduardo dos Santos.
Por
outro lado, a AI destaca que “60 por cento” da população da Guiné Equatorial
vive “abaixo do limiar da pobreza”, ou seja, com “menos de um dólar americano
por dia”, apesar dos “elevados níveis de crescimento económico do país, da
elevada produção de petróleo e de ser um dos países com o rendimento per capita
mais elevado do mundo”.
Tal
como o seu homólogo angolano, Teodoro Obiang quando fala de princípios
democráticos bate aos pontos, entre muitos outros, Jean-Bédel Bokassa, Idi Amin
Dada, Mobutu Sese Seko, Robert Mugabe, Muammar Kadafi ou Kim Jong-un.
Atente-se,
contudo, no que afirmava o moçambicano Tomaz Salomão, na altura secretário
executivo da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral): “São
ditadores, mas pronto, paciência… são as pessoas que estão lá. E os critérios
da liderança da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.
A
melhor prenda que poderiam dar à Lusofonia era a notícia de que, na altura em
comemora 20 anos de (in)existência, esta CPLP seria extinta. Não vai acontecer,
é claro. Continua a haver muita gente que precisa de ganhar bem e nada fazer. E
nisso esta CPLP é exímia.
*Orlando
Castro é diretor-adjunto do jornal Folha 8
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