sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Defesa de casal condenado em Timor-Leste recorre de sentença alegando irregularidades

Díli, 04 out (Lusa) - Um casal português condenado a oito anos de prisão em Timor-Leste por peculato recorreu esta semana da sentença, considerando que esta "padece de nulidades insanáveis" mais comuns em "regimes não democráticos", baseando-se em provas manipuladas e até proibidas.

O recurso pede a absolvição do casal. Ao longo de 273 páginas, a defesa de Tiago e Fong Fong Guerra apresenta 13 pontos de contestação ao acórdão da sentença, incluindo, por exemplo o que dizem ser a violação de um direito fundamental, nomeadamente a "intromissão não autorizada em correspondência".

"Ao fim de 15 sessões de julgamento e depois de ter sido proferido o Acórdão ora colocado em crise, constata a defesa, sem qualquer margem para dúvida, que este processo padece de várias nulidades insanáveis, algumas das quais apenas acontecem em regimes não democráticos, o que não é o caso de Timor-Leste", refere o texto a que a Lusa teve acesso.


O texto, apresentado junto do Tribunal de Recurso considera ter havido "manipulação de prova, utilização de prova proibida e valoração da mesma", defende ter havido inconstitucionalidade, ter havido omissão de realização de diligências necessárias para a descoberta da verdade e haver "insuficiência de matéria de facto provada para a decisão".

Em 24 de agosto um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra a oito anos de prisão efetiva e uma indemnização de 859 mil dólares por peculato.

O tribunal declarou os dois arguidos coautores do crime de peculato e absolveu-os pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que eram igualmente acusados.

"Os arguidos prejudicaram as finanças e a economia do Estado, e defraudaram o Estado de Timor. Atuaram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei e que eram criminalmente puníveis", disse a juíza.

Contactado pela Lusa o casal preferiu não prestar declarações, confirmando apenas que o recurso foi entregue no prazo permitido por lei.

Ainda assim, fonte da defesa confirmou à Lusa que só teve acesso à cópia das últimas 769 páginas do processo de um total de 3.269 páginas que integram o processo - excluindo as cerca de 2.000 de apensos - cinco dias antes de terminar o prazo para apresentação do recurso, que terminava a 30 de setembro.

A defesa só recebeu também uns dias antes disso as cópias das gravações e transcrições das últimas audiências do julgamento que teve a sua leitura de sentença no dia 24 de agosto.

O texto do recurso questiona logo as primeiras páginas do processo, nomeadamente uma carta da então ministra das Finanças, Emília Pires, e um relatório com anexos da consultora Deloitte e que, sustenta a defesa, ter acesso a documentos contidos num servidor de email semanas antes de haver autorização de um tribunal para o fazer.

"Em termos legais configura-se uma nulidade insanável e absoluta, violadora de um direito fundamental (intromissão não autorizada na correspondência), sendo que toda a prova extraída do servidor da conta de email (...) está ferida de nulidade insanável", refere o recurso.

Os dois portugueses foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de 859 mil dólares (792 mil euros), feita em 2011 a pedido do consultor norte-americano, Bobby Boye.

Boye foi um consultor pago pelo governo norueguês e posteriormente pelo governo timorense e que chegou a ser coarguido neste processo, tendo sido entretanto condenado nos Estados Unidos onde está a cumprir pena.

O recurso considera que o tribunal não pode condenar o casal "sem estabelecer um nexo jurídico de causalidade entre a (alegada) qualidade especial de funcionário do arguido (Bobby Boye) - que inexiste, uma vez que este era um mero assessor jurídico internacional e não um funcionário para efeitos jurídico-penais - e o domínio do facto (constituído pelo elemento intelectual - a decisão conjunta - e o elemento volitivo - a execução conjunta do tipo legal de crime de peculato agravado)".

"Tal nexo jurídico de causalidade constitui o cerne da questão jurídica subjacente aos presentes autos", explica o recurso, que acusa o tribunal de "presumir" que os arguidos sabiam da condição de funcionário de Boye "bem sabendo que as presunções são inadmissíveis em sede de processo penal".

Recordando que a transferência foi feita com base num contrato 'escrow', o recurso considera que a sentença "partiu de premissas dogmáticas acerca do contrato 'escrow agent' que inquinaram (ou viciaram) a conclusão a que chegou".

ASP // FV.

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