Díli,
04 out (Lusa) - Um casal português condenado a oito anos de prisão em
Timor-Leste por peculato recorreu esta semana da sentença, considerando que
esta "padece de nulidades insanáveis" mais comuns em "regimes
não democráticos", baseando-se em provas manipuladas e até proibidas.
O
recurso pede a absolvição do casal. Ao longo de 273 páginas, a defesa de Tiago
e Fong Fong Guerra apresenta 13 pontos de contestação ao acórdão da sentença,
incluindo, por exemplo o que dizem ser a violação de um direito fundamental,
nomeadamente a "intromissão não autorizada em correspondência".
"Ao
fim de 15 sessões de julgamento e depois de ter sido proferido o Acórdão ora
colocado em crise, constata a defesa, sem qualquer margem para dúvida, que este
processo padece de várias nulidades insanáveis, algumas das quais apenas
acontecem em regimes não democráticos, o que não é o caso de Timor-Leste",
refere o texto a que a Lusa teve acesso.
O
texto, apresentado junto do Tribunal de Recurso considera ter havido
"manipulação de prova, utilização de prova proibida e valoração da
mesma", defende ter havido inconstitucionalidade, ter havido omissão de
realização de diligências necessárias para a descoberta da verdade e haver
"insuficiência de matéria de facto provada para a decisão".
Em
24 de agosto um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou o
casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra a oito anos de prisão efetiva e
uma indemnização de 859 mil dólares por peculato.
O
tribunal declarou os dois arguidos coautores do crime de peculato e absolveu-os
pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que eram
igualmente acusados.
"Os
arguidos prejudicaram as finanças e a economia do Estado, e defraudaram o
Estado de Timor. Atuaram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que
as suas condutas não eram permitidas por lei e que eram criminalmente
puníveis", disse a juíza.
Contactado
pela Lusa o casal preferiu não prestar declarações, confirmando apenas que o
recurso foi entregue no prazo permitido por lei.
Ainda
assim, fonte da defesa confirmou à Lusa que só teve acesso à cópia das últimas
769 páginas do processo de um total de 3.269 páginas que integram o processo -
excluindo as cerca de 2.000 de apensos - cinco dias antes de terminar o prazo
para apresentação do recurso, que terminava a 30 de setembro.
A
defesa só recebeu também uns dias antes disso as cópias das gravações e
transcrições das últimas audiências do julgamento que teve a sua leitura de
sentença no dia 24 de agosto.
O
texto do recurso questiona logo as primeiras páginas do processo, nomeadamente
uma carta da então ministra das Finanças, Emília Pires, e um relatório com
anexos da consultora Deloitte e que, sustenta a defesa, ter acesso a documentos
contidos num servidor de email semanas antes de haver autorização de um
tribunal para o fazer.
"Em
termos legais configura-se uma nulidade insanável e absoluta, violadora de um
direito fundamental (intromissão não autorizada na correspondência), sendo que
toda a prova extraída do servidor da conta de email (...) está ferida de
nulidade insanável", refere o recurso.
Os
dois portugueses foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de
capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de
859 mil dólares (792 mil euros), feita em 2011 a pedido do consultor
norte-americano, Bobby Boye.
Boye
foi um consultor pago pelo governo norueguês e posteriormente pelo governo
timorense e que chegou a ser coarguido neste processo, tendo sido entretanto
condenado nos Estados Unidos onde está a cumprir pena.
O
recurso considera que o tribunal não pode condenar o casal "sem
estabelecer um nexo jurídico de causalidade entre a (alegada) qualidade
especial de funcionário do arguido (Bobby Boye) - que inexiste, uma vez que
este era um mero assessor jurídico internacional e não um funcionário para efeitos
jurídico-penais - e o domínio do facto (constituído pelo elemento intelectual -
a decisão conjunta - e o elemento volitivo - a execução conjunta do tipo legal
de crime de peculato agravado)".
"Tal
nexo jurídico de causalidade constitui o cerne da questão jurídica subjacente
aos presentes autos", explica o recurso, que acusa o tribunal de
"presumir" que os arguidos sabiam da condição de funcionário de Boye
"bem sabendo que as presunções são inadmissíveis em sede de processo
penal".
Recordando
que a transferência foi feita com base num contrato 'escrow', o recurso
considera que a sentença "partiu de premissas dogmáticas acerca do
contrato 'escrow agent' que inquinaram (ou viciaram) a conclusão a que
chegou".
ASP
// FV.
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