Lisboa,
29 nov (Lusa) -- O português Tiago Guerra, condenado por peculato em
Timor-Leste, disse hoje no parlamento que fugiu para Portugal, juntamente com a
sua mulher, para ter acesso a um "julgamento justo" e para
"limpar o nome".
Tiago
Guerra e a mulher, Fong Fong, foram condenados pela justiça timorense em agosto
a oito anos de prisão efetiva e ao pagamento de uma indemnização de 859 mil
dólares (719 mil euros) por peculato (uso fraudulento de dinheiros públicos),
sentença de que recorreram. No início do mês, o casal fugiu de Timor-Leste num
barco em direção à costa australiana, de onde viajaram para Portugal, onde
chegaram no sábado passado.
"Sem
possibilidade de tratamento físico [das doenças de que ele e a mulher padecem],
sem possibilidade de reunião com a família [têm dois filhos menores], sem
possibilidade de trabalhar e de ganhar a vida, porque sem documentos de
identificação nem sequer podia assinar um contrato, com uma intenção que se via
condenatória de todo o sistema judicial, tomámos esta decisão e passámos o
oceano para a Austrália", declarou hoje Tiago Guerra no parlamento.
O
cidadão, acompanhado pelo advogado e pelo seu pai, foi ouvido pelo deputado
António Gameiro, relator de uma petição que pedia a extradição do casal para
Portugal e que está a ser analisada na comissão de Assuntos Constitucionais,
Direitos, Liberdades e Garantias.
"Gostaria
de lutar para que o nosso nome seja limpo e para que possamos recomeçar uma
vida, junto das nossas crianças, família e amigos, e voltar a ser um membro
útil da sociedade, que eu sei que não tenho sido nos últimos anos. Isso tem-nos
custado bastante a todos", comentou Tiago Guerra.
O
advogado, Pedro Mendes Ferreira, declarou que "aquilo que o Tiago quer não
é fugir à justiça timorense", mas "ter a oportunidade de ter acesso a
um julgamento justo, em que consiga preparar a sua defesa e instruir as provas
para provar a sua inocência, porque é essa verdade que ele defende".
Mendes
Ferreira justificou o que disse ser a "ausência forçada" do casal de
Timor-Leste com "um estado de necessidade", afirmando que o processo
em Timor-Leste "não era um processo judicial, mas politizado" e que
os dois portugueses "não tiveram acesso a uma justiça de um país que se
diz de um Estado de direito".
O
casal Guerra pretende que o processo seja "transferido para Portugal nos
termos em que está e que seja um tribunal português a assumir a condução
daquele processo judicial, obviamente numa fase de recurso, e ser sindicada
aquela primeira condenação no Tribunal de Relação de Lisboa", acrescentou.
"O
Tiago está cá, não se vai refugiar em nenhum subterfúgio jurídico. Está aqui
para enfrentar o que tiver para enfrentar", garantiu o advogado.
Carlos
Guerra, pai de Tiago e primeiro subscritor da petição, que reuniu 4.096
assinaturas, comentou que "não havia tempo para continuar a
aguardar".
"A
qualquer momento o assunto poderia ficar mais grave, e não houve outra
alternativa senão esta que aconteceu de saírem de Timor e se refugiarem na
Austrália. Eu queria agradecer às autoridades portuguesas todas as facilidades
legais para que isto fosse possível. Foi uma grande felicidade", afirmou.
"Numa
reunião com o senhor presidente do Supremo Tribunal, pusemos os vários
cenários. Um dos cenários foi a possibilidade de haver um golpe de magia e o
Tiago e a sua mulher aparecerem cá em Portugal. As palavras do senhor
presidente do Supremo foram: gosto dessa magia, gosto dessa perspetiva",
comentou ainda.
A
entrega recente de passaportes ao casal pela embaixada portuguesa em Díli foi
criticada em Timor-Leste, mas o ministro dos Negócios Estrangeiros português,
Augusto Santos Silva, garantiu que a legislação portuguesa foi respeitada,
conclusão de um inquérito urgente que tinha ordenado.
O
deputado-relator afirmou que há "um caminho para que a Assembleia da
República possa interceder, em nome do povo português, mas dirigida aos
ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Justiça" de Portugal, no
sentido de que o processo "tenha o desfecho que o Tiago aqui
sublinhou".
"É
dever da Assembleia da República fazê-lo, por uma questão de justiça, de defesa
da verdade material da vida das pessoas", disse António Gameiro, que
recordou "relatos, na comunicação social e na sociedade timorense",
com "opinião contrária ao processo".
O
antigo Presidente e Nobel da Paz timorense, José Ramos Horta, apelou à justiça
timorense para absolver o casal.
Também
presente na audição, a deputada do Bloco de Esquerda Sandra Cunha afirmou a
solidariedade "com a situação e com todos os cidadãos em dificuldades
noutros países".
"Parece
que há várias incongruências neste processo, não podemos tomar outra posição
que não seja a de compreensão e de agradecimento por terem vindo e também uma
palavra de coragem", disse, depois de pedir a Tiago Guerra que faça chegar
mais documentação sobre o processo.
A
24 de agosto um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou o
casal de portugueses Tiago -- antigo trabalhador do Banco Mundial - e Fong Fong
Guerra a oito anos de prisão efetiva e uma indemnização de 859 mil dólares por
peculato.
O
tribunal declarou os dois arguidos coautores do crime de peculato e absolveu-os
pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que eram
igualmente acusados.
O
casal recorreu da sentença, pedindo a absolvição e considerando que esta
"padece de nulidades insanáveis" mais comuns em "regimes não
democráticos", baseando-se em provas manipuladas e até proibidas.
JH
(ASP) // EL
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