quarta-feira, 7 de março de 2018

Mari Alkatiri: Acordos anteriores sobre Mar de Timor permitiram a Timor-Leste financiar o Estado


Os anteriores acordos entre Timor-Leste e a Austrália sobre os recursos do Mar de Timor permitiram a Díli obter mais de 30 mil milhões de receitas que financiaram o Estado nos últimos 10 anos, disse hoje o primeiro-ministro timorense.

Por isso, defendeu Mari Alkatiri, em entrevista à Lusa, sem eles não teria sido possível sequer ter as condições para alcançar o acordo histórico que define a linha permanente de fronteira entre os dois países e que vai ser assinado hoje, hora local, em Nova Iorque.

"Esses acordos foram significativos porque permitiram gastar durante 10 anos mais de 13 mil milhões de dólares vindos do [poço] Bayu Undan e sem esse acordo não teria havido condições para gastar tanto", afirmou o chefe do Governo.

"Se calhar até teria sido melhor não ter podido gastar tanto. Mas a verdade é que o dinheiro veio daí e sem esse dinheiro nem sequer teríamos podido pagar os advogados de luxo que temos a negociar este tratado", disse.

As declarações de Alkatiri surgem no dia em que, em Nova Iorque, Timor-Leste e a Austrália assinam o "Tratado entre a Austrália e a República Democrática de Timor-Leste que estabelece os seus limites marítimos no mar de Timor".

O tratado vai ser assinado pelo atual ministro Adjunto do primeiro-ministro timorense para a Delimitação de Fronteiras, Agio Pereira, e pela ministra dos Negócios Estrangeiros australiana, Julie Bishop, e vai ser testemunhado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e pelo presidente da Comissão de Conciliação, Peter Taksøe-Jensen, que mediou as negociações entre os dois países.

O documento foi negociado por uma equipa liderada por Xanana Gusmão, que estará ausente da cerimónia, mas que tem sido aplaudido pelo êxito conseguido que muitos consideravam impossível, dada a posição até aqui irredutível da Austrália.

"A partir do momento em que se recusou a assinar comecei a concluir que não iria estar presente. Penso que não está muito contente com a solução encontrada. Sempre queria muito mais, queria o gasoduto para Timor, e mesmo com Timor queria 100% do Sunrise. Essa foi sempre o objetivo. Xanana sabia que não era fácil", disse.

Nas últimas semanas, Alkatiri tem sido acusado por alguns partidos da oposição e nas redes sociais de não ter conseguido tanto nas negociações anteriores, que ele próprio liderou com a Austrália, e que levaram, em 2002, à assinatura do Tratado de Timor Gap e, em 2006, ao Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (CMATS).

"É política barata, política mesquinha, política de quiosque de quem não sabe medir as coisas. Sem fronteira definida, consegui 90-10. E mesmo com fronteira definida não iríamos conseguir muito mais que isso. E para o Fundo Petrolífero entraram 30 mil milhões de dólares. Ainda duvido que o Sunrise possa vir a dar isso", afirmou Alkatiri.

"Ainda não ouvi da boca de Xanana qualquer tentativa de deturpar isto. Há alguma raia miúda aqui que está a tentar fazer isso. Porque fazem uma política irresponsável, desajustada à realidade. Xanana está a negociar em nome do Estado e do Governo. Se houvesse um vazio de governação, não havia negociações", considerou.

Alkatiri é igualmente acusado de favorecer a opção de um gasoduto de Greater Sunrise para Darwin, acusação que rejeita frontalmente, afirmando que os líderes do país sempre coincidiram no objetivo de trazer o gasoduto até ao sul de Timor.

"Nunca poderia defender o gasoduto para Darwin porque se não nunca teria havido essas negociações. A exigência do gasoduto para Timor travou a exploração do Sunrise e permitiu que depois de 2013 quem estivesse a governar pudesse tomar novas opções", disse.

Sem entrar em detalhes sobre o documento, que permanece confidencial até à sua assinatura, Alkatiri considera o acordo uma "vitória substancial" quer permite a Timor-Leste "saber até onde pode ir" e que coloca em águas timorenses os poços de Greater Sunrise.

"É uma linha mediana que não é totalmente mediana, mas isso é resultado das negociações. Nunca tive ilusões de que deveria ser mesmo a que queiramos totalmente, tendo em consideração a dimensão dos dois países. Em direito internacional isso tudo pesa", afirmou.

"O que se pode levantar agora é estando o Sunrise 100% nas nossas fronteiras porque é que temos que dar 20 ou 30% à Austrália? Só as atas das negociações podem desmistificar isso", afirmou.

Informações obtidas pela Lusa indicam que o acordo entre os dois países prevê que Timor-Leste receba 70% das receitas do Sunrise se o gasoduto vier para Timor-Leste e 80% se for para Darwin.

"A partir da ratificação pelos dois países desse acordo, todos os poços passam a ser 100% de Timor-Leste. Deixa de haver partilha de recursos ou receitas", afirmou.

Sobre as receitas que Timor-Leste possa vir a receber desses poços, Alkatiri diz que é "muito difícil" ter uma previsão.

Lusa | em SAPO TL

Sem comentários: