Pante Macassar, Timor-Leste, 30
abr (Lusa) -- O líder timorense Xanana Gusmão disse hoje que tem utilizado a
campanha para as legislativas em Timor-Leste para contar à juventude do país,
que não viveu durante o período de ocupação indonésia, o complexo processo da
luta.
"Isto foi um processo duro,
duríssimo, que ainda afeta muitas das pessoas. Por isso é que a juventude quer
saber mais. Uma criança de 25 anos, em 1999 [quando terminou a ocupação
indonésia] tinha seis anos. Toda a gente a querer saber", disse, em
entrevista à Lusa.
Xanana Gusmão justificou assim os
comentários críticos que tem feito durante a campanha eleitoral para as
legislativas antecipadas de 12 de maio, afirmando ter ouvido muitos pedidos dos
que querem "aclarar as coisas", nomeadamente sobre parte da história
da Fretilin em Timor-Leste.
Ataques à Frente Revolucionária
do Timor-Leste Independente (Fretilin) e aos seus líderes, incluindo algumas
das figuras históricas do partido como Nicolau Lobato, o primeiro
primeiro-ministro e um dos líderes mais venerados da história do país, têm
marcado a campanha da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), de Xanana
Gusmão.
Numa entrevista à Lusa no enclave
de Oecusse, onde está desde domingo em campanha, Xanana Gusmão insistiu que
Mari Alkatiri e José Ramos-Horta "não são fundadores da Fretilin",
mas sim do segundo partido a nascer em Timor-Leste, a Associação
Social-Democrata Timorense.
Ainda que, na prática, a ASDT
tenha dado lugar à Fretilin, em setembro de 1974, Xanana Gusmão insiste que o
fundador do partido foi Abílio Araújo que "trouxe o marxismo a Timor e no
fim tornou-se um capitalista".
"Ele quer um debate comigo
na televisão. Um dia vou lá, fazer um debate com ele para ele perceber a dor
dos guerrilheiros. A dor dos guerrilheiros que estavam a morrer, estavam com
fome", disse o líder timorense.
Xanana Gusmão recordou os
momentos iniciais da luta, depois da invasão indonésia a 07 de dezembro de 1975
- a Fretilin tinha declarado a independência dias antes, a 28 de novembro -
período em que ele próprio era do partido.
Acusa os que estiveram no exterior
de "não terem acompanhado o processo político da Fretilin" - de que o
próprio Xanana Gusmão foi membro até 1986 - no interior do país.
"A Fretilin veio como
partido marxista-leninista. Depois veio a guerra. A primeira reunião histórica
- no sentido de ter um valor muito importante para a luta, porque organizou a
luta - foi em maio de 1976 em Soibada. Começou a haver confronto entre os
marxistas e os não marxistas", disse.
"Havia muitos comandantes de
setores que foram chamados para membros do Comité Central para acalmar as
coisas. O resultado da reunião: o bom foi reorganizar a luta, o mau foi criar
mais divergências", explicou.
Um ano depois em 1977 - período
de que ele próprio e quatro outros líderes são "as únicas testemunhas
vivas" - mantinha-se o debate e Nicolau Lobato "estava
encurralado" sem conseguir falar "com um debate interior muito
profundo, porque era muito religioso", contou.
No último dia dessa reunião
histórica, em Laliri, Nicolau Lobato declara, segundo Xanana, que aceita o
marxismo-leninismo e que depois da guerra entregará a sua plantação em
Bazartete ao Estado.
"Até ali e depois disso quem
não cerrasse o punho era reacionário, era traidor e era morto. Todos tinham que
entrar na Fretilin. Era o partido único", afirmou.
Xanana Gusmão disse que nos anos
seguintes, em 1979 e 1980, depois da resistência "perder as bases",
foi feita uma "análise de tudo, das "causas da derrota".
"Percebemos que cometemos
erros. Eu desafio a DFSE [representação da Fretilin no exterior durante a
ocupação indonésia) para trazer um documento que mandei para fora a reconhecer
os nossos crimes também. Fui chamado de traidor, mas só assim é que podíamos
melhorar", afirmou.
Xanana Gusmão disse que a partir
de 1981 deixou de se ser "obrigado a entrar na Fretilin", e que
"quem quisesse independência, participava", num processo mais
inclusivo que fez juntar às fileiras da resistência elementos da igreja,
funcionários e muitos outros timorenses.
"Até que em 1986 (...) com
as redes clandestinas a funcionar melhor, percebei que a continuar com a
Fretilin marxista era um suicídio para nós. Tinha que mudar a questão porque na
ONU os votos [sobre a situação de Timor] estavam a reduzir", contou.
Decidiu então sair da Fretilin
"para comandar a luta".
"Continuámos a ter a
Fretilin ao nosso lado porque tínhamos corrido com o capitalista Abílio
Araújo", contou.
ASP // VM
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