segunda-feira, 30 de abril de 2018

Juventude timorense quer conhecer história da luta -- Xanana


Pante Macassar, Timor-Leste, 30 abr (Lusa) -- O líder timorense Xanana Gusmão disse hoje que tem utilizado a campanha para as legislativas em Timor-Leste para contar à juventude do país, que não viveu durante o período de ocupação indonésia, o complexo processo da luta.

"Isto foi um processo duro, duríssimo, que ainda afeta muitas das pessoas. Por isso é que a juventude quer saber mais. Uma criança de 25 anos, em 1999 [quando terminou a ocupação indonésia] tinha seis anos. Toda a gente a querer saber", disse, em entrevista à Lusa.

Xanana Gusmão justificou assim os comentários críticos que tem feito durante a campanha eleitoral para as legislativas antecipadas de 12 de maio, afirmando ter ouvido muitos pedidos dos que querem "aclarar as coisas", nomeadamente sobre parte da história da Fretilin em Timor-Leste.

Ataques à Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) e aos seus líderes, incluindo algumas das figuras históricas do partido como Nicolau Lobato, o primeiro primeiro-ministro e um dos líderes mais venerados da história do país, têm marcado a campanha da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), de Xanana Gusmão.

Numa entrevista à Lusa no enclave de Oecusse, onde está desde domingo em campanha, Xanana Gusmão insistiu que Mari Alkatiri e José Ramos-Horta "não são fundadores da Fretilin", mas sim do segundo partido a nascer em Timor-Leste, a Associação Social-Democrata Timorense.

Ainda que, na prática, a ASDT tenha dado lugar à Fretilin, em setembro de 1974, Xanana Gusmão insiste que o fundador do partido foi Abílio Araújo que "trouxe o marxismo a Timor e no fim tornou-se um capitalista".

"Ele quer um debate comigo na televisão. Um dia vou lá, fazer um debate com ele para ele perceber a dor dos guerrilheiros. A dor dos guerrilheiros que estavam a morrer, estavam com fome", disse o líder timorense.

Xanana Gusmão recordou os momentos iniciais da luta, depois da invasão indonésia a 07 de dezembro de 1975 - a Fretilin tinha declarado a independência dias antes, a 28 de novembro - período em que ele próprio era do partido.

Acusa os que estiveram no exterior de "não terem acompanhado o processo político da Fretilin" - de que o próprio Xanana Gusmão foi membro até 1986 - no interior do país.

"A Fretilin veio como partido marxista-leninista. Depois veio a guerra. A primeira reunião histórica - no sentido de ter um valor muito importante para a luta, porque organizou a luta - foi em maio de 1976 em Soibada. Começou a haver confronto entre os marxistas e os não marxistas", disse.

"Havia muitos comandantes de setores que foram chamados para membros do Comité Central para acalmar as coisas. O resultado da reunião: o bom foi reorganizar a luta, o mau foi criar mais divergências", explicou.

Um ano depois em 1977 - período de que ele próprio e quatro outros líderes são "as únicas testemunhas vivas" - mantinha-se o debate e Nicolau Lobato "estava encurralado" sem conseguir falar "com um debate interior muito profundo, porque era muito religioso", contou.

No último dia dessa reunião histórica, em Laliri, Nicolau Lobato declara, segundo Xanana, que aceita o marxismo-leninismo e que depois da guerra entregará a sua plantação em Bazartete ao Estado.

"Até ali e depois disso quem não cerrasse o punho era reacionário, era traidor e era morto. Todos tinham que entrar na Fretilin. Era o partido único", afirmou.

Xanana Gusmão disse que nos anos seguintes, em 1979 e 1980, depois da resistência "perder as bases", foi feita uma "análise de tudo, das "causas da derrota".

"Percebemos que cometemos erros. Eu desafio a DFSE [representação da Fretilin no exterior durante a ocupação indonésia) para trazer um documento que mandei para fora a reconhecer os nossos crimes também. Fui chamado de traidor, mas só assim é que podíamos melhorar", afirmou.

Xanana Gusmão disse que a partir de 1981 deixou de se ser "obrigado a entrar na Fretilin", e que "quem quisesse independência, participava", num processo mais inclusivo que fez juntar às fileiras da resistência elementos da igreja, funcionários e muitos outros timorenses.

"Até que em 1986 (...) com as redes clandestinas a funcionar melhor, percebei que a continuar com a Fretilin marxista era um suicídio para nós. Tinha que mudar a questão porque na ONU os votos [sobre a situação de Timor] estavam a reduzir", contou.

Decidiu então sair da Fretilin "para comandar a luta".

"Continuámos a ter a Fretilin ao nosso lado porque tínhamos corrido com o capitalista Abílio Araújo", contou.

ASP // VM

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