Macau,
China, 12 jun (Lusa) -- O canídromo de Macau, a única pista de corridas de
galgos na Ásia, teve a sua 'época dourada' nos anos 1960 e 1970, quando a cidade
"não tinha nada", mas "deixou de se justificar", defendem
antigos frequentadores.
A
seis meses do fim da licença do canídromo, decorre uma intensa campanha
internacional para encerrar o espaço, que associações de direitos dos animais
de vários países dizem ser o "pior do mundo", não só por abater
centenas de animais por ano, mas também por os submeter a treinos cruéis e
acondicionamento inadequado.
"Os
tempos mudaram, o canídromo deixou de se justificar. Já não faz lucro, não faz
sentido. Ganhámos outro tipo de sensibilidade, custa-nos ver os maus tratos dos
animais. Há que desmantelar aquilo", diz à Lusa Miguel Senna Fernandes.
No
entanto, o presidente da Associação dos Macaenses recorda que, apesar de ter
"deixado de ser 'in'", a pista já foi muito popular, antes de Macau
se tornar a capital mundial do jogo.
"Era
o entretenimento do povo, da gente de economia mais humilde. O chinês sempre
foi um jogador afoito", lembra.
Até
aos anos 1980, "muita gente corria ao canídromo, até de Hong Kong. Não era
uma coisa de família, mas era para a malta", conta.
Senna
Fernandes recorda como emocionante a primeira vez que assistiu a uma corrida,
aos 14 anos -- a entrada não era permitida a menores "mas arranjava-se
maneira".
Depois
disso voltou algumas vezes, mas com pouco regularidade -- a última vez foi nos
anos 1990, quando o espaço "já não tinha casa cheia".
O
macaense compara a discussão em torno do canídromo com a das touradas em Portugal:
"Por mais sensíveis que sejamos para com os animais, há sempre uma
nostalgia".
A
licença do canídromo, com cerca de 50 anos, terminou no final do ano passado,
mas o Governo optou por renovar a concessão por mais um ano.
A
associação local Anima, de proteção dos animais, liderou a campanha pelo
encerramento do canídromo e tem sido seguida por instituições de todo o mundo.
Fizeram-se manifestações, petições e até boicotes ao fornecimento e transporte
dos animais.
Para
José Luís Sales Marques, as corridas de cães são hoje "uma atividade
totalmente extemporânea", que prejudica "a imagem de Macau".
"Não
acho que deve ser mantido aberto", afirma o economista.
Não
tendo sido grande frequentador -- chegou a ir, "em miúdo", nos anos
1960, para acompanhar o pai --, Sales Marques admite que o bem-estar dos galgos
não era uma questão.
"Não
se falava dessas coisas, não havia essa consciência", diz.
Na
altura, "era uma novidade, Macau não tinha nada, só cinemas. Mas não uma
coisa madura, para homens feitos, que queriam apostar numa corrida em que a
sorte os bafejasse".
Era
também um espaço onde os funcionários públicos podiam apostar, como fazia o seu
pai, trabalhador dos correios.
As
corridas, recorda, dominavam as conversas de café, onde se faziam
"palpites" e "trocavam informações" sobre os cães.
Para
o macaense Jorge Fão, o grande motivo para encerrar o canídromo é económico.
"Já deu o que tinha a dar. Devem utilizar aquele espaço para outras
finalidades", diz.
As
receitas do canídromo, localizado numa zona de elevada densidade populacional,
têm vindo a cair há vários anos. Em 2015 cifraram-se em 125 milhões de patacas
(13,7 milhões de euros, ao câmbio atual), menos 13,7% em que 2014, e menos 63%
que em 2010. As corridas de cães representaram no ano passado 0,05% do total
arrecadado por todo o setor do jogo.
"Era
muito divertido, era uma novidade para as pessoas que viviam cá. Apostar nos
galgos é como apostar no futebol, é preciso estudar os cães, o peso, o
comportamento, o treinador", recorda.
Fão
afasta qualquer tipo de preocupações, à época, com o bem-estar dos animais:
"Qual quê! A gente até comia os cães. Era tradição e hábito".
Dos
quatro macaenses entrevistados pela agência Lusa, Francisco Manhão é o único
que gostaria de manter o canídromo de portas abertas, desde que fizesse obras
de melhoramento.
"Acho
que fechar é uma pena, ainda há um grande número de entusiastas. Naquela
altura, as pessoas não estavam preocupadas [com os cães], queriam passar um bom
bocado ao fim de semana. Mas naturalmente que também acho que devia ter
melhores condições, aquilo é lastimável, os galgos devem ser mais bem
tratados", defende.
"Sempre
gostei de ir às corridas, desde novo. Em 1963, a aposta mínima era de duas
patacas (22 cêntimos, ao câmbio atual). De vez em quando ainda dou lá uma
saltada. Se fechar fico um bocado magoado", diz.
A
Companhia de Corridas de Galgos Macau (Yat Yuen), que faz parte do universo da
Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), fundada por Stanley Ho, tem
hoje cerca de 700 animais.
Segundo
a Anima, entre 260 e 280 cães morreram no ano passado, alguns apenas um mês
depois de chegarem à pista. Não havendo um programa de adoções, os animais são
abatidos quando começam a piorar a sua prestação, sendo necessário adquirir
novos regularmente.
De
acordo com a Anima, cerca de 30 animais eram abatidos mensalmente, ainda
jovens, por já não serem rentáveis. No entanto, em maio, a Anima indicou que
desde que a campanha internacional conseguiu suspender a vinda de animais da
Austrália, o maior fornecedor, em dezembro de 2015, apenas nove cães tinham
chegado a Macau, vindos da Irlanda.
As
organizações esperam conseguir 'secar' totalmente a fonte de galgos, de modo a
obrigar o espaço a fechar.
ISG
(DM/MP)// PJA
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