Quando
chegaram a Timor-Leste em 2004, os padres italianos Chico e Luiz vinham com a
ideia de descansar depois de 34 anos nas periferias de São Paulo e Fortaleza,
mas envolveram-se em projetos que revolucionaram a ilha de Ataúro.
Doze
anos depois, o volume de trabalho continua, tendo a decorrer vários projetos,
de maior ou menor dimensão, na ilha ao largo da capital timorense, Díli.
Tinham
ido para o Brasil no âmbito do movimento do II Concílio do Vaticano, que
pretendia levar mais padres à América Latina, mas a vivência no Brasil mudou a
sua forma de ver a fé, o papel da Igreja e o seu próprio ministério.
"O
Brasil mudou a minha visão do ministério, do meu trabalho. No Brasil a igreja
tomou a opção preferencial para os pobres, colocou-se ao lado dos pobres,
humanamente, politicamente falando", conta à Lusa o padre Luiz.
Um
movimento, diz, que ajudou a construir as comunidades de base que fortaleceram
o Partido dos Trabalhadores (PT, no poder), trabalhando junto das comunidades
das periferias e colaborando com apoio "espiritual, material e
político" para que "o povo dos pobres se pudesse fortalecer politicamente".
O
padre Chico (Francesco Moser), 79 anos, e o padre Luiz (Pierluigi Fonastier),
76 anos, foram os primeiros padres diocesanos a estabelecerem-se permanente na
ilha, onde a população é metade Católica, metade protestante e onde a presença
dos padres era, até aqui, em visitas pontuais.
Algo
estranho, a princípio, para a comunidade local - como explicou à Lusa o padre
Luiz (o seu colega está em Itália para tratamento médico e regressa em breve) -
mas que hoje é já “normal" entre os residentes da ilha e especialmente de
Maquili.
Luiz,
que nasceu na localidade de Bolzano, na região italiana de Tirol, e saiu de
casa aos 29, explica que depois de dois ou três meses em contacto com as
autoridades religiosas em Timor-Leste - onde a visita de dois diocesanos causou
alguma surpresa - veio a ideia de ir para Ataúro.
"Aqui
em Timor-Leste há poucas experiências de padres diocesanos que vêm de fora. E
viram a nossa chegada com um pouco de estranheza. Pela primeira vez dois que
nem foram chamados e vieram aqui para ficar. Não sabiam bem o que fazer
connosco", recorda.
Uma
conversa com o então bispo de Díli, Alberto Ricardo da Silva, levou à sugestão
de Ataúro, a pequena ilha de cerca de 10 mil habitantes que, em praticamente
todos os critérios, não poderia ser mais distante das periferias das grandes
cidades brasileiras.
O
trabalho começou, com algumas dificuldades, "especialmente por questão
culturais", e progressivamente os dois padres foram envolvendo cada vez
mais a comunidade, iniciando, com a sua experiência brasileira de trabalho
social e promoção humana, um dos projetos mais importantes da ilha.
Trata-se
de um sistema para levar água a todas as 340 famílias da localidade e,
posteriormente, à construção de 340 casas-de-banho de qualidade, numa
comunidade onde não havia uma única.
Luiz
admite que em projetos como este, em que as famílias beneficiam diretamente, o
seu envolvimento "é mais fácil" do que noutros em que o benefício
"é mais para a comunidade", lamentando que os habitantes locais, por
exemplo, não tenham feito a manutenção de algumas estruturas, incluindo
nomeadamente um filtro instalado para tornar a água potável.
Além
deste projeto, os dois padres são ainda responsáveis por um dos projetos mais
emblemáticos da ilha, as Bonecas de Ataúro, uma cooperativa sediada em Vila
Maumeta, que com quase uma década de operação, se tornou uma das principais
fontes de recursos para a pequena ilha, apoiando diretamente mais de 500
pessoas e 50 famílias.
Apoiaram
ainda a criação de dois restaurantes, um deles em modelo de cooperativa, o
projeto Biojoia, para o fabrico e venda de colares e outros itens decorativos e
o mais recente, Tilapia Alimentação e Comércio, que envolve a criação de peixe
e algumas atividades turísticas.
Em
fase de consolidação - interrompido pelos problemas de saúde do padre Chico -
está ainda o projeto Varanda Verde, para higiene e saúde e que envolve, entre
outros aspetos, o fabrico de produtos de higiene e remédios tradicionais.
"Ainda
não conseguimos descansar muito", admite o padre Chico.
Os
dois párocos foram propostos para a edição deste ano, a nona, do Prémio de
Direitos Humanos Sérgio Vieira de Mello, na categoria de Direitos Sociais,
Económicos e Culturais, atribuídos pelo chefe de Estado, Taur Matan Ruak.
A
decisão do Presidente da República sobre os galardoados deste ano deverá ser
conhecida em breve.
SAPO
TL com Lusa - Foto@ António Sampaio / Agência Lusa
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