sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Oportunismo político 'criou' falsa divisão leste-oeste em Timor-Leste - Abílio Araújo


Díli, 03 dez (Lusa) - Um dos fundadores da Fretilin, Abílio Araújo, considera, em entrevista à Lusa, que o oportunismo político criou e alimentou uma divisão falsa entre o leste e o este do país, apenas para gerar instabilidade e confusão.

"Houve muito oportunismo político, que encobriu toda a história e todo o processo de luta. Por parte de várias pessoas", refere Abílio Araújo, em entrevista à Lusa.

"Houve em determinados momentos da nossa luta a ideia e a opinião de que só foram os leste-timorenses, os da ponta leste, que fizeram a luta. Isso não é verdade, porque a luta, de facto, as grandes campanhas de cerco e aniquilamento até começaram pela fronteira, onde muita gente morreu, não só os de oeste como os de leste", afirma.

Araújo, um dos criadores do programa e manual político da Fretilin (Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente) e ministro de Estado para os Assuntos Económicos e Sociais do I Governo, insiste que a luta foi ganha "por haver um espírito de comunidade, de povo".

A ideia "de que uns lutaram e outros não lutaram" demonstra "desconhecimento da história e oportunismo, de quem não quer transmitir mas quer mistificar a realidade", o que, diz, cria "ideias falsas e o terreno propício e favorável para a instabilidade".

Pontualmente ao longo das últimas décadas - e mais recentemente nos confrontos de 2006 que levaram à queda do Governo da Fretilin, liderado por Mari Alkatiri - houve referências a uma suposta divisão entre as zonas mais a leste do país e as mais próximas à fronteira com Timor indonésio.

Referências a termos como lorosae (da ponta leste) e loromono (da parte oeste) ou aos firacos (mais ao leste) e os caladi (mais a oeste) ou tentativas de 'contabilizar' quem mais contribuiu para a luta ou quem era mais ou menos a favor da independência.

Uma divisão que, imaginária ou não, real ou simbólica, acaba por surgir em momentos de tensão e instabilidade política e até mesmo, em alguns casos, na contabilidade de apoios eleitorais ou políticos.

Apesar disso, Araújo insiste que "a divisão Leste/Oeste é uma divisão que nunca existiu", sublinhando que os laços exogâmicos, pelo casamento, tornaram os timorenses quase todos família, "mas o genocídio destruiu parte disso".

Lá fora, e apesar de divisões e diferenças que se manifestaram com maior ou menor intensidade durante toda a ocupação indonésia, também havia uma unidade de propósito "porque toda a gente andava a atacar a Indonésia".

"Toda a gente lá fora, cada um a dar os tiros por seu lado, mas estavam todos a tentar atingir a Indonésia na denúncia do genocídio, da violação dos direitos humanos e da militarização que estava a ocorrer em Timor", disse.

Recorda que depois da morte de Nicolau Lobato (considerado pai da nação timorense e segundo presidente, que morreu em 1978), houve "dois anos de desorganização total das forças, ficando a reorganização cargo de Xanana Gusmão e de Ma'Huno, "os dois únicos sobrevivente do Comité Central".

Em março de 1981, recorda, realizou-se em Timor-Leste a primeira Conferência Nacional de Reorganização das Forças onde, apesar de não participar, Abílio Araújo garante ter sido eleito secretário-geral da Fretilin e onde se vincou a ideologia marxista-leninista.

Uma fase de "maior radicalização" - antes da despartidarização que Xanana Gusmão conduziria pouco tempo depois - em que o partido proclamou "aos sete ventos que era comunista, um partido marxista-leninista".

Opção que diz não ter apoiado e que considera "contraproducente" porque na altura havia já uma aproximação à Igreja.

Progressivamente Fretilin e UDT (União Democrática Timorense), primeiro partido timorense e que defendeu em 1974 uma transição para a independência ou autonomia sob Portugal, foram-se aproximando.

Projetos como a Convergência Nacionalista, esforços que acabaram por criar o Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) ou outras iniciativas de aproximação das várias correntes timorenses foram-se consolidando.

Abílio Araújo considera mesmo que um dos momentos mais importantes da luta foi a decisão dos timorenses, apesar de divergências anteriores (e algumas posteriores) terem decidido "sentar-se juntos", incluindo os que "estavam a trabalhar com os indonésios".

"O diálogo timorense inclusivo, que decorreu na Áustria sob os auspício das Nações Unidas, foi um marco decisivo, porque veio dar uma nova força, um novo alento, à luta diplomática que Portugal estava a desenvolver", disse, referindo-se aos encontros de 1993.

"E nisso o que eu posso dizer, como ninguém fala, ou se falam procuram denegrir a minha contribuição, quero dizer, é que tive uma grande contribuição, não direi exclusiva, mas uma grande contribuição com a minha entrada na Indonésia e os contactos com os vários sectores, nomeadamente o futuro presidente (indonésio) Habibie", disse.

ASP // PJA

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