Magistrado
do DCIAP terá recebido €200 mil de uma sociedade ligada à Sonangol no mesmo dia
em que arquivou uma investigação sobre Manuel Vicente e as origens do dinheiro
usado pelo atual vice-presidente de Angola para comprar um apartamento no
Estoril-Sol Residence
Micael
Pereira – Rui Gustavo - Expresso
Batizado
com o nome Operação Fizz, o caso está a provocar ondas de surpresa e choque no
Ministério Público. Orlando Figueira, um ex-procurador do Departamento Central
de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que foi responsável até 2012 por
investigar algumas figuras do regime angolano, foi detido esta terça-feira por
indícios de corrupção passiva “na forma agravada” por ter recebido duas
transferências bancárias no mesmo dia em que arquivou um inquérito-crime sobre
Manuel Vicente, atual vice-presidente de Angola e outros arguidos.
O Expresso sabe que Vicente é suspeito de ser o corruptor ativo do
magistrado, ainda que, para já, não tenha sido constituído arguido.
"Posso
confirmar que o meu escritório foi alvo de buscas", admite Paulo Amaral
Blanco, advogado de Manuel Vicente e constituído arguido por corrupção ativa.
"Isto não tem pés nem cabeça", crítica o advogado. Segundo Amaral
Blanco, os investigadores levaram, entre outros documentos, comprovativos dos
honorários de Manuel Vicente entre 2007 e 2010. "Estava a ser investigada
a compra de um apartamento no Estoril-Sol e eu fiz chegar ao processo esses
comprovativos. Quando o processo foi arquivado pedi-os de volta. Agora a
polícia levou-os."
É
a primeira vez na história do DCIAP, um departamento de elite do Ministério
Público em Portugal dedicado às investigações mais complexas de crimes de
colarinho branco e de criminalidade organizada, que um dos seus elementos é
alvo de um processo-crime. E é também a primeira vez que um membro do governo
de Angola é suspeito de corrupção em Portugal. Até agora, o que havia em
relação a figuras do regime de Luanda eram investigações que resultavam apenas
dos mecanismos de prevenção de branqueamento de capitais, na sequência de
alertas obrigatórios emitidos pelos bancos quanto ao fluxo de somas avultadas
de dinheiro associadas a antigos e atuais governantes.
Na
Operação Fizz, Manuel Vicente é considerado suspeito de corrupção ativa pelo
facto de duas transferências bancárias totalizando um montante de 200 mil euros
terem sido feitas para uma conta de Orlando Figueira pela Primagest, uma
sociedade controlada pela Sonangol, precisamente quando o atual vice-presidente
de Angola era o CEO da companhia estatal angolana de petróleo. "Na tese da
investigação, Manuel Vicente é o corruptor", admite Paulo Amaral Blanco. O
dirigente angolano não está em Portugal e só por isso não terá sido constituído
arguido.
As
transferências foram feitas a 16 de janeiro de 2012, no mesmo dia em que o
então magistrado do DCIAP arquivou um inquérito-crime sobre branqueamento de
capitais relacionado com Manuel Vicente. Segundo o que
o Expresso apurou, o dinheiro foi depositado numa conta aberta
aparentemente de propósito no Banco Privado Atlântico Europa – a filial
portuguesa do angolano BPA – e cujo beneficiário era Orlando Figueira. Esses
valores viriam a ser mais tarde declarados pelo ex-procurador como rendimento
do trabalho.
DE
ONDE VINHA O DINHEIRO?
O
inquérito-crime sobre Manuel Vicente encerrado em janeiro de 2012 dizia
respeito à origem do dinheiro usado pelo então CEO da Sonangol para adquirir um
apartamento no nono piso do bloco A do edifício Estoril-Sol Residente, em
Cascais, por vários milhões de euros.
Trata-se
de uma investigação iniciada em 2011 e anterior a uma outra, aberta já em 2012
na sequência de uma queixa apresentada ao Ministério Público pelo historiador,
professor universitário e ex-embaixador angolano Adriano Parreira e com
denúncias adicionais feitas pelo jornalista Rafael Marques. Conhecido como “o
processo dos angolanos”, o inquérito-crime sobre os factos avançados por
Adriano Parreira viria a ser parcialmente arquivado em novembro de 2013,
incluindo quanto a suspeitas sobre Manuel Vicente.
Numa nota divulgada esta terça-feira, e sem referir quaisquer nomes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma a realização de um extenso número de buscas a casas, escritórios de advogados e a um banco e que “foi efetuada uma detenção” na sequência das diligências levadas a cabo por 11 procuradores, oito juízes e 60 inspetores da Polícia Judiciária.
Numa nota divulgada esta terça-feira, e sem referir quaisquer nomes, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirma a realização de um extenso número de buscas a casas, escritórios de advogados e a um banco e que “foi efetuada uma detenção” na sequência das diligências levadas a cabo por 11 procuradores, oito juízes e 60 inspetores da Polícia Judiciária.
“Os
factos em investigação indiciam suspeitas da prática dos crimes de corrupção
passiva na forma agravada, corrupção ativa na forma agravada, branqueamento e
falsidade informática”, esclarece o comunicado da PGR, acrescentando: “Em causa
está o recebimento de contrapartidas por parte de um magistrado do Ministério
Público (em licença sem vencimento de longa duração desde setembro de 2012) com
a finalidade de favorecer interesses de suspeito, em inquérito cuja
investigação dirigia”.
A
saída de Orlando Figueira do DCIAP esteve envolta em polémica por causa dos
rumores que correram então de que teria sido contratado por Angola,
alegadamente para o banco BIC, mas a instituição financeira negou que isso
fosse verdade. O magistrado não informou a hierarquia qual era a empresa para
onde ia trabalhar, já que tinha assinado um acordo de confidencialidade, sendo
que o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) concedeu-lhe uma licença
de longo prazo, permitindo-lhe voltar a exercer mais tarde funções de
procurador.
O
empregador-mistério veio a revelar-se ser o Millenium BCP, cujo maior acionista
é a Sonangol e onde Orlando Figueira é consultor do departamento de compliance
desde 2012. Em 2014 passou a ser também assessor jurídico do CEO do ActivoBank,
uma instituição do grupo Millenium BCP vocacionada para a banca online. Além
disso, é advogado no escritório da sociedade BAS.
Foto:
Getty
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