O
observador independente português Alberto Costa considera que o julgamento de
duas ex-ministras timorenses, condenadas em dezembro, pautou-se por
"vícios e falhas graves" do tribunal que fez uma "deficiente e
errónea valoração da prova".
Alberto
Costa, ex-ministro da Administração Interna e ex-ministro da Justiça português
que foi contratado pelo Governo timorense como observador independente para
acompanhar todos os aspetos do julgamento da ex-ministra das Finanças Emília
Pires e da ex-vice-ministra da Saúde Madalena Hanjam.
No
relatório do caso, a que a Lusa teve acesso, Costa antevê que o Tribunal de
Recurso venha a corrigir a decisão da primeira instância e considera que se
isso não ocorrer, e dados os graves problemas do julgamento, a reputação da
justiça timorense seria afetada.
Emília
Pires e Madalena Hanjam foram condenadas respetivamente a sete e a quatro anos
de cadeia pelo crime de participação económica em negócio, sendo ambas
absolvidas pelo crime de administração danosa. A defesa recorreu, pedindo a
absolvição, e o Ministério Público também, pedindo um agravamento das penas.
No
relatório, Alberto Costa considera que o acórdão foi uma "decisão que não
observa padrões de qualidade, normas legais e da Constituição e princípios de direito
de reconhecimento universal".
Por
isso, acrescenta, "é expectável que o Tribunal de Recurso venha a censurar
seriamente o acórdão em causa", já que se isso não ocorrer "a justiça
timorense, num caso com a projeção do presente, ficaria afetada, na sua
reputação".
Alberto
Costa acusa os juízes do Tribunal de Díli de "uma gravosa manifestação de
parcialidade" por afirmarem que as ex-governantes terão sido responsáveis
por "uma apropriação de quantias monetárias do Estado timorense, mesmo
depois de terem reconhecido que não se provou que tenham causado prejuízos
patrimoniais ao Estado".
"Contradição,
obscuridade, confusão, erro, omissão, insuficiência, sem exagero, abundam. E
abundam tanto na ótica de um jurista como na do simples cidadão desejoso de
compreender as razões do Tribunal e formar o seu juízo", escreve Costa.
O
acórdão do Tribunal Distrital de Díli, considera o relatório do ex-ministro
português, "padece de contradições, obscuridades e insuficiências técnicas
que o tornam inidóneo para legitimar - o que implica fundamentar lógica e
percetivelmente - uma condenação penal, para mais com a gravidade da
presente".
Além
disso "incumpre também extensivamente exigências específicas constantes da
lei processual timorense (...) em termos que dificilmente escaparão ao
escrutínio do Tribunal de Recurso, já com persuasiva jurisprudência nesse
domínio".
Ao
longo do texto, o observador detalha várias contradições, erros e confusões da
decisão condenatória e aponta a sua falta de fundamentação em diversos pontos
críticos do acórdão, com os juízes a serem incapazes de compreender importantes
questões jurídicas.
Alberto
Costa refere-se ao que diz ser o ponto-chave do julgamento, a "insuperável
contradição" dos juízes que dão como não provado que as arguidas tenham
causado um prejuízo patrimonial ao Estado para depois manterem "a
conclusão de que as ex-governantes teriam, mesmo assim, cometido esse
crime".
Considera
ainda que o Tribunal não tinha provas para dar como provada a tese de conluio
entre as arguidas, construindo uma decisão "à míngua de prova, erguida à
revelia dos princípios universalmente reconhecidos da presunção da
inocência".
Os
juízes, refere o texto, desconsideraram os depoimentos de vários ex-Presidentes
da República, ex-primeiros-ministros, membros e ex-membros do Governo e do
Parlamento Nacional, adotando "uma leitura deformada e errónea do processo
de decisão no âmbito do Governo".
Entre
outros aspetos, Alberto Costa destaca a "manifesta incapacidade do
Tribunal apreciar as questões de inconstitucionalidade que lhe foram colocadas
e que exigiam a absolvição das arguidas".
Alberto
Costa deixa várias recomendações, incluindo mais formação dos magistrados em
questões de direito constitucional, mais investimento no recrutamento, seleção
e formação dos magistrados e a aprovação da lei de responsabilidade criminal
dos titulares de cargos públicos.
SAPO
TL com Lusa
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