Díli, 05 dez (Lusa) - As
autoridades timorenses demoliram hoje uma estrutura onde operava desde 2000 um
restaurante, em frente a um dos edifícios emblemáticos de Díli - onde esteve
instalada a Embaixada de Portugal -, por considerarem nula a locação.
Funcionários do Estado, apoiados
por uma retroescavadora e protegidos por efetivos policiais, destruíram a
estrutura de metal que tinha sido construída no passeio em frente ao edifício
da antiga Associação Comercial, Agrícola e Industrial de Timor (ACAIT), que
nasceu em 1953 e que o Estado timorense considera ter sido extinta em 1974.
A embaixada transferiu-se para
novas instalações no ano passado e grande parte do edifício continua
desocupado, tendo o restaurante continuado a operar até ao despejo agora
executado.
Uma decisão fortemente contestada
pela proprietária do restaurante, Kathleen Gonçalves, que recorreu, sem
sucesso, ao primeiro-ministro para tentar reverter a ordem de despejo emitida
pelo ministro da Justiça.
Em causa está uma disputa sobre a
propriedade do espaço que o Estado timorense considera seu e que é reivindicada
por um grupo de timorenses - que diz liderar a antiga Associação Comercial,
Agrícola e Industrial de Timor (ACAIT).
O edifício foi construído pelos
sócios fundadores da ACAIT num terreno cedido, em grande parte pela
administração colonial portuguesa e por um proprietário privado, segundo
explicou à Lusa Álvaro Antunes, genro de Manuel Viegas Carrascalão, um dos
fundadores da ACAIT.
João Gonçalves, marido da
proprietária despejada e filho de outro dos fundadores da ACAIT, diz que o
edifício foi construído com dinheiro dos sócios e o terreno cedido pelo Estado
à associação, facto comprovado no Boletim Oficial de Timor de 06 de abril de
1957, consultado pela Lusa.
A portaria da cedência foi
assinada pelo então governador da Província de Timor, César da Serpa Rosa.
O processo mais recente começou
em julho deste ano quando a proprietária do restaurante, Kathleen Gonçalves
(nora de um dos fundadores do ACAIT) solicita ao Ministério da Justiça um
espaço que tinha sido usado pelo Camões, para expandir o seu negócio.
Manuel Cáceres da Costa, ministro
da Justiça, respondeu a 25 de setembro - num despacho obtido pela Lusa -,
considerando que "com o fim do Estado Novo e a Revolução dos Cravos que
culminou na saída da Administração Colonial portuguesa, a ACAIT deixou de
existir".
"Conclui-se que a ACAIT é
uma pessoa coletiva pública extinta e o seu acervo patrimonial passou a
integrar o património do Estado timorense", pelo que se considera
"nulo o contrato de locação" assinado pela proprietária com Jaime
Santos, presidente da associação em 2009.
O despacho termina com uma ordem
para no prazo de 45 dias "deixar o referido espaço completamente devoluto
de pessoas e bens".
O contrato em causa, a que a Lusa
também teve acesso, prevê o pagamento de uma renda mensal de mil dólares à ACAIT.
Kathleen Gonçalves recorreu da
decisão para o primeiro-ministro que indeferiu o pedido, a 07 de novembro.
Álvaro Antunes, cunhado de Manuel
Carrascalão - filho de um dos fundadores da ACAIT - recordou à Lusa o processo
em torno ao edifício logo nos primeiros anos depois do referendo, em que ficou
instalada a missão portuguesa.
A missão portuguesa solicitou o
uso do edifício à então administração da ONU (UNTAET), tendo solicitado depois
ao Governo a confirmação do estatuto da utilização.
No tempo da ocupação indonésia, a
ACAIT "simplesmente deixou de funcionar", recorda Álvaro Antunes,
salientando que o espaço foi ocupado pela administração ocupante.
Foi já com o impulso da missão
portuguesa, depois do referendo, que "se tentou estimular o reavivar da ACAIT",
tendo o seu cunhado, Manuel Carrascalão, liderado o processo.
"A embaixada falou com o
Governo e foi informada de que aquilo era do Estado e que a embaixada poderia
continuar a utilizar as instalações sem pagar renda", disse Antunes.
Opinião contestada por vários
timorenses que garantem que a ACAIT continua a funcionar, entre eles Leandro
Isaac, presidente da Assembleia Geral, a última das quais há apenas 4 dias, que
garante que a associação não foi extinta.
"A ACAIT continua a
trabalhar e não foi extinta. O terreno foi cedido à ACAIT, que continua a
existir e a operar", disse o responsável.
No entanto, as atas da associação
indicam um hiato de tempo entre 2001 e dezembro de 2018.
ASP // PJA
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