Afmend Sarmento* | opinião
A
filosofia vigente em Timor-Leste é a de Estado de direito democrático, conforme
consagrado no número 1.º do artigo 1.º da Constituição. Contudo, a Nação está a
viver um agravamento da instabilidade política, que poderia definir o nosso
Estado como uma "democracia posta à prova" (cf. Bobbio, As ideologias
e o poder em crise, 12). Quando foi interpelado pelo jornalista Rafael
Belicanta, numa entrevista dada em Roma, disse Dom Basílio do Nascimento, bispo
de Baucau, que “a democracia, por exemplo, não é um costume da governação
timorense, de maneira que nós passamos de um sistema tradicional para um
sistema moderno e tudo isso acarreta uma aprendizagem (...) para saber viver
esta nova situação” (cf. http://www.fatima.com.br/categorias/noticias/bispos-de-timor-leste-em-roma-entrevista-a-d-basilio-do-nascimento).
De facto, a democracia é uma nova cultura adquirida pelo povo timorense na era
da Independência. Etimologicamente, a democracia significa poder do povo, para
o benefício do bem comum, da polis. Esta “democracia representativa” foi
exercida pelo povo no dia 22 de julho, de forma excelente, na eleição dos
representantes para o Parlamento Nacional. Porém, o que é problemático
relativamente ao teor desta instabilidade política é o caráter cultural dos
valores da democracia – as formas como as elites políticas tomam as decisões,
que, muitas vezes, sem ter sido fundamentado no princípio da "supremacia
da lei" (cf. Bobbio, As Ideologias e o Poder em crise, 97), em sentido
contrário à convicção de que o governo democrático poderia, finalmente, dar
vida à transparência do poder, ao "poder sem máscara" (cf. Bobbio, O
Futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo, 28). Em outras palavras,
“pode-se definir a democracia das maneiras mais diversas, mas não existe
definição que possa deixar de incluir em seus conotativos a visibilidade ou
transparência do poder”. É o que ensina Norberto Bobbio.
Além disso, a democracia está vinculada ao respeito pelas regras do jogo, o que constitui o fundamento da legitimidade de todo o sistema (cf. Bobbio, O Futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo, 28). Um dos traços mais característicos de um regime democrático consiste na livre opção entre consenso e dissenso (cf. Bobbio, As Ideologias e o Poder em crise, 51), complementada com o princípio da “maioria” como regra áurea da democracia (cf. Bobbio, As ideologias e o poder em crise, 52). Assim, inspirado no teor da democracia, o País que nasceu de uma longa marcha em busca da independência depara-se, de imediato, com a forma clássica de democracia. Parafraseando Bobbio, a democracia timorense pode ser designada de frágil, mas, apesar de tudo, é também viva, segundo os costumes e ritmos dos detentores do poder político.
Além disso, a democracia está vinculada ao respeito pelas regras do jogo, o que constitui o fundamento da legitimidade de todo o sistema (cf. Bobbio, O Futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo, 28). Um dos traços mais característicos de um regime democrático consiste na livre opção entre consenso e dissenso (cf. Bobbio, As Ideologias e o Poder em crise, 51), complementada com o princípio da “maioria” como regra áurea da democracia (cf. Bobbio, As ideologias e o poder em crise, 52). Assim, inspirado no teor da democracia, o País que nasceu de uma longa marcha em busca da independência depara-se, de imediato, com a forma clássica de democracia. Parafraseando Bobbio, a democracia timorense pode ser designada de frágil, mas, apesar de tudo, é também viva, segundo os costumes e ritmos dos detentores do poder político.
Classicamente,
a democracia é um sistema político que pressupõe o dissenso (cf. Bobbio, As
ideologias e o poder em crise, 46). De facto, apesar de o Primeiro-Ministro ter
afirmado, muitas vezes, que se procura concertar o "consenso
político" no Parlamento Nacional, na realidade histórica encontramos uma política
na qual "não existe consenso mas dissenso, competição e concorrência"
(cf. Bobbio, As ideologias e o poder em crise, 46). Este dissenso resulta da
visão da oposição de que o Governo não reuniu o critério determinante como conditio
sine qua non para a formação do Governo, ou seja, a Maioria Parlamentar. Este
incumprimento deve-se à retirada do PLP no meio da negociação, pois para este
partido não existe o sentido de "reciprocidade de poder" (cf. Bobbio,
As ideologias e o poder em crise, 42) no seio da Fretilin, isto encarna-se na
declaração de Taur Matan Ruak, “O PLP também não apoia a Fretilin ser
omnipotente, com um Presidente da República da Fretilin, um Primeiro-Ministro
da Fretilin e o Presidente do Parlamento Nacional da Fretilin”. Refira-se também
o Khunto, que se retirou já nos momentos finais que antecederam a assinatura da
Plataforma da coligação. Assim, coloca-se a posição política do VII Governo
Constitucional num beco sem saida!
Ultimamente,
aparecem muitos "constitucionalistas a la facebook" que interpretam a
C-RDTL segundo a sua filiação partidária. Assim, o conceito "sentido de
Estado" torna-se o consumo diário nos media sociais, principalmente no
Facebook. Uns empregam o termo para se referir a XG e TMR como pessoas sem
sentido de Estado. Outros apontaram a Luolo e MA como pessoas que ambicionam o
poder. Enfim, apenas os espíritos mais dominados pelo fanatismo ou pela
ignorância se atreveriam a dizer que líderes nacionais como estes mencionados
não têm sentido de Estado e patriotismo para defender o interesse do Estado de
Timor-Leste. É, com efeito, dentro deste plano de ideias que se coloca a
questão: quem será o verdadeiro defensor do interesse do Estado? Em suma,
optar por um partido político é um dever cívico de cada cidadão, mas para
desenvolver Timor-Leste é uma responsabilidade de todos os timorenses. Nesta
ótica, Xanana Gusmão, Taur Matan Ruak, Lu-Olo, Marí Alkatiri e Ramos Horta,
constituem uma vis representative - uma força de representação daquilo que é “ser
timorense”, naturalmente, eles se diferenciam na ideia de como conduzir o país,
mas todos têm uma meta comum: desenvolver e defender esta sagrada obra de
Ukun-Rasik-An.
Curiosamente,
todos os homens estão inevitavelmente envolvidos na política nesta era da
democracia. O filósofo alemão Karl Marx disse que a religião é o ópio do povo.
Essa opinião reflete-se na situação atual de Timor-Leste em que a política se
torna "ópio". Este ópio não atinge tanto o povo, mas sim os fanáticos
e os fiéis militantes dos partidos políticos, que estão a aproveitar este
acontecimento histórico para apresentar as suas afirmações fortes, mas que
estão sempre condicionadas pelo seu fundamento "irracional", pela
ausência de fundamentos lógicos ou pelo significante vazio em interpretar a
C-RDTL.
Inserido
no contexto da situação política atual, procurarei abordar aqui o sentido
epistemológico do termo "Sentido de Estado". Etimologicamente, o
termo "Estado" remete-nos para a expressão latina "status",
isto é, ubi societas, ibi status - uma sociedade política criada pela vontade
de unificação, numa palavra, o Estado é como uma comunidade humana (cf. Max
Weber, Ciência e Política duas vocações, 38) que habitam em determinado
território. Por esta razão, se é verdade que, para o homem, enquanto criatura
divina, extra ecclesiam nulla salus, é igualmente verdade que, para o homem
enquanto ser natural e racional, não há salvação extra republicam (Bobbio, Sociedade
e Estado na Filosofia Política Moderna, 89). O famoso termo “sentido de Estado”
diz respeito, em sentido literal, aos atos de um indivíduo que defende o
interesse do Estado em detrimento do interesse pessoal ou partidário. Tal
“Sentido de Estado” torna-se uma praxis, conforme aponta a declaração do
Saudoso Fernando Lasama "HA’U NIA DIGNIDADE LA AAS LIU DIGNIDADE NASAUN
NIAN”.
O
termo falta de sentido de Estado vem na sequência do enquadramento da nomeação
do Primeiro-Ministro Dr. Mari Bim Amude Alkatiri. Para alguns, esta decisão
política do Presidente da República resulta de um gap, ou um déficit na
interpretação do Artigo 85.º e Artigo 106.º da C-RDTL; para outros, esta
decisão cumpre plenamente a Constituição. Esta disputa remonta, em última
instância, ao conflito “constitucional” que gera a crise política. Em outras
palavras, pode dizer-se que os primeiros remetem o assunto para a questão da “legimidade
do poder”, por não ter sido verificado o requisito mais elementar, ou seja, a
maioria parlamentar; os outros, remetem o assunto para a maneira pela qual o
poder pode ser exercido plenamente, segundo a Constituição, ainda que o Governo
seja apoiado por uma minoria no Parlamento Nacional.
A
diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de interpretar a C-RDTL
faz com que apareça uma caótica divisão entre os próprios timorenses.
Efetivamente, nota-se que há duas posições antagónicas: por um lado, o VII
Governo aparece com a bênção de figuras incontornáveis como José Ramos Horta,
Abílio Araújo e Rogerio Lobato, que testemunharam a cerimónia da assinatura da
plataforma de coligação entre Fretilin-PD; por outro lado, TMR e XG
mantiveram-se em profundo silêncio, para surpresa de todos. A petição da
oposição foi abençoada por XG e TMR, que culmina, no aniversário de TMR, com a
feliz mensagem de Xanana: "ao meu irmão TMR por esse dia 10-10-2017
desejo-lhe parabéns, longa vida e votos de muitas felicidades para si e sua
família. Do seu irmão Kayrala Xanana Gusmão" (cf. Timor Post, 11 de
Outubro 2017, 1). Assim, realiza-se o "retorno nostálgico" do
relacionamento entre KXG e TMR e o “desencontro” entre KXG-MA. Todos nós
esperamos que esta divisão não seja aproveitada pela terceira pessoa para
dividir os timorenses, trazendo de volta a trágica tragédia de lágrimas e de
sangue ocorridos in illo tempore. Em suma, para se sair já deste “impasse
político”, o Tribunal de Recurso, enquanto órgão interpretativo da Lei, assume
o papel importante de esclarecer todas as dúvidas relativamente a estes
artigos.
Procuremos,
nesta prévia abordagem, refletir também sobre o "encontro desencontrado
entre XG-MA" e o "retorno nostálgico de XG-TMR", que geram a
"crise política" na sociedade timorense. Através deste desencontro
entre XG-MA dá-se uma reviravolta na feliz promessa de MA no momento da
Campanha: "Fretilin manan, Xanana manan". O retorno nostálgico de
XG-TMR dá um estímulo e um impulso aos partidos da oposição para não abençoarem
o poder do VII Governo Constitucional, manifestando-se contra o programa da
governação. Assim, terminou a «política romântica» entre Xanana Gusmão e Mari
Alkatiri, entre o CNRT e a Fretilin, que se tinha iniciado com a bênção do
projeto ZEEMS, a transferência do poder executivo para o Dr. Rui Maria de
Araújo (2015) e tinha culminado com a vitória de Lu-olo (2017) que o leva a
ocupar o Palácio Aitarak Laran. Neste sentido, verifica-se na política uma
"relação como inimigo-irmão”, conforme bem disse Bobbio, “umas vezes mais
irmãos, outras mais inimigos, de acordo com as circunstâncias” (Bobbio, As
ideologias e o poder em crise, 11). Assim, fica aberto o caminho à crise
política, devido à incapacidade de congregar todos os interesses do complexo
social; além disso, surgirá para o Estado o problema da legitimação do poder, ou
seja, o consenso acerca da legitimidade do Governo na orientação das suas
intervenções políticas.
O
simples ato da rejeição do programa do VII Governo Constitucional não resulta
do facto de o programa não-ser-pró-povo, mas está em causa o choque da
personalidade dos líderes históricos que têm uma "relação como
inimigo-irmão”. Em última instância, a intenção era mesmo procurar todas as
formas para afastar MA pela segunda vez do cargo de PM, lembrando a história
negra de 2006: "Não porque MA fosse muçulmano, mas antes porque, no
entendimento das pessoas, era muito autoritário, não negociava e, então, arranjou
um inimigo, não só para si próprio, como para a Fretilin" (cf. Maria
Ângela Carrascalão, TAUR MATAN RUAK a Vida pela Independência, 286). Este homem
deve armar-se da força de alma que lhe permita a vencer o naufrágio de todas as
suas esperanças irrealizáveis para “Timor ida buras liu”. Em suma, aquele que
permaneça capaz de dizer “a despeito de tudo!”, numa só palavra, aquele que tem
a “vocação” da política.
Muitas
das vezes, a nossa arrogância política está mascarada com os termos do
interesse nacional e interesse do povo, mas tudo se perde no vazio e no
absurdo. O povo não se torna o autor do desenvolvimento, mas, sim, o
instrumento para atingir os objetivos pessoais e partidários. Na verdade,
e em última análise, Max Weber disse que os dois pecados mortais da política
são a falta de objetividade e a irresponsabilidade, frequentemente provocados
por vaidade e, acrescentamos, por ódio e vingança política. Assim descreveu Max
Weber esses dois pecados mortais: (1) não defender causa alguma e (2) não ter
sentimento de responsabilidade (cf. Max Weber, Ciência e Política duas Vocações,
72). Duas coisas que, repetidamente, embora não necessariamente, são idênticas.
Constata-se que, na realidade, os políticos privilegiam o interesse pessoal e
partidário, mais do que o interesse do Estado. O eco da retórica de defender o
interesse do Estado torna-se uma "política utópica", isto é, não
corresponde à situação real, ou seja, "vácuos de sentido" no real,
apenas enfatizados para satisfazer os caprichos em busca do poder. Numa
palavra, os políticos, muitas vezes, caíram na mais ridícula caricatura da
política que é o mata-mouros que se diverte com o poder como um novo rico ou
como um Narciso vaidoso do seu poder. Em suma, dito de outra forma, como
adorador do poder pelo poder (cf. Max Weber, Ciência e Política duas Vocações,
73). Nesta dinâmica, o homem político deve manter-se na política a “ausência de
distância”, isto é, à distância entre os homens e as coisas, que conduz ao
caminho da corrupção.
Assim,
vimos então que o envolvimento na política depara-se com um dilema fundamental
para os políticos. Neste sentido, toda a atividade política deve ser orientada
segundo a “ética da responsabilidade” ou segundo a “ética da convicção” (cf.
Max Weber, Ciência e Política duas Vocações, 76). Para o filósofo alemão, a
ética da convicção é o conjunto de normas e valores que orientam o
comportamento do político na sua esfera privada. Enquanto, a ética de
responsabilidade representa o conjunto de normas e valores que orientam a
decisão do político a partir da sua posição como governante ou legislador.
Neste dilema, o político deve tomar a decisão seguindo a sua convicção pessoal
ou tomar decisões impostas pelas circunstâncias. Refere-se, portanto, ao senso
moral e à consciência ética individuais na praxis política em prol do interesse
do Estado.
Para
finalizar esta exposição, cabe citar o Papa Francisco: "Hitler não tomou
poder. Foi votado pelo povo e depois destruiu o povo. Esse é o perigo."
De igual modo, este constitui um perigo para a nação e o povo, pois o
povo votou neles para desenvolver a nação, mas cada um busca os próprios
benefícios pessoais, familiares e partidários em detrimento do interesse do
Estado. Este perigo pode converter-se numa política de vita mea é mors tua (cf.
Bobbio, Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos,
171), isto é, as elites políticas perseguem o sentido da existência em direção
às próprias sensações de bem-estar, enquanto o povo vive num oceano de
miséria. Assim, o fim da política deixa de ser o de alcançar o Bem Comum e
passa a ter em vista o bem da família e do partido. A nação – para estes animal
politicus – torna-se a segunda opção, dada a prioridade à primeira opção que é
a família e o partido.
Em
suma, na democracia idealizada pelos Atenienses, em caso de conflito de
interesses, o interesse do bem comum prevaleceria sobre o bem do indivíduo e
partidário; pelo contrário, na sociedade timorense o bem do indivíduo e o bem
partidário têm a supremacia. Oxalá, que o interesse do Estado venha a
constituir uma ordem sacra impressos no coração de todos os homens políticos.
Deixem para trás os interesses partidários e individuais, todos lutam para a causa
do interesse do Estado da República Democrática de Timor-Leste.
*Opinião
pessoal do cidadão da aldeia Cassamou, suco Seloi Craic, Município Aileu.
Bibliografia
- BOBBIO,
Norberto, As ideologias e o poder em crise - Brasília : Editora Universidade de
Brasília. 4a edição, 1999.
- O
futuro da democracia - uma defesa das regras do jogo, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986.
- Sociedade
e Estado na Filosofia Política Moderna, Brasil, Editora Brasiliense, 1996.
- Teoria
geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2000.
- BOBBIO,
Norberto, MATTEUCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília:
Editora UnB, 9ª. ed., 1997.
- CARRASCALÃO,
Maria Ângela, TAUR MATAN RUAK a Vida pela Independência, Lisboa, Lidel, 2012.
- WEBER,
Max, Ciência e Política duas Vocações, São Paulo : Cultrix, 2011.
- NASCIMENTO,
Basílio do, Bispos de Timor Leste em Roma. Entrevista a D. Basílio Do Nascimento,
in http://www.fatima.com.br/categorias/noticias/bispos-de-timor-leste-em-roma-entrevista-a-d-basilio-do-nascimento.
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