Camberra, 08 ago 2019 (Lusa) -- O
Governo australiano tentou, no final de 1998, congelar durante pelo menos uma
década a realização de um referendo em Timor-Leste, o que irritou o então
presidente indonésio que acelerou esse processo, recorda um académico australiano.
Clinton Fernandes defende que o
ex-primeiro-ministro John Howard não queria um referendo em Timor-Leste a
tão curto prazo e escreveu ao presidente indonésio a dizer que preferia deixar
o assunto "no congelador" durante uma década.
"A Austrália quer tirar
Timor da agenda e por isso Howard escreve a Habibie a sugerir que se resolva a
questão de Timor-Leste da mesma forma que se resolveu a questão da Nova
Caledónia", afirmou.
"A carta não é uma mudança
de posição, não é um reconhecimento de Timor. É dizer: vamos lidar com isso
daqui a 10 ou 20 anos. Se Habibie tivesse seguido a sugestão de Howard,
teríamos estado a discutir Timor só em 2019 e não em 1999", afirmou.
Para Clinton Fernandes, a
política australiana era de a de "congelar" Timor-Leste, tirar o
assunto da agenda imediata.
Ex-militar australiano e
responsável pela Timor Desk a partir de 1998, Clinton Fernandes esteve
destacado no Australian Army Intelligence Corps (AUSTINT) e é atualmente
professor de Estudos Políticos e Internacionais na Universidade de
NSW-Camberra, tendo publicado vários artigos e livros sobre Timor-Leste.
Numa conversa com a Lusa,
Fernandes recorda o contexto em que se abriu a possibilidade de um referendo
aos timorenses, com a economia indonésia a "implodir", a redução de
apoio militar norte-americano ao país e Timor-Leste a 'contaminar' os esforços
internacionais indonésios.
É nesse contexto, recorda, que no
final de 1998 o então chefe do Governo australiano, John Howard, escreve a
Yusuf Habibie, então presidente indonésio.
A carta acabou por ser depois
promovida pelo Governo australiano como um sinal de mudança da sua política
face a Timor-Leste, tentando "criar a imagem de Howard como pai da
independência".
"A carta só queria comprar
tempo. Os dois lados queriam livrar-se de Timor: Howard queria meter o assunto
no congelador e Habibie não, disse para se avançar logo", considerou.
O próprio Habibie disse, 10 anos
depois do referendo, numa entrevista à televisão australiana ABC, que admitiu ter
ficado zangado com o conteúdo da carta de John Howard.
"Na carta ele diz que devia
resolver o assunto como os franceses fizeram na Nova Caledónia. Isso significa
prepará-los durante 10 anos ou o que seja e depois dar-lhes independência. Li
isso e fiquei zangado", afirmou.
O papel de Habibie no referendo
tem sido debatido nas últimas semanas em Timor-Leste, depois da decisão do
Governo de dar o seu nome a uma nova ponte na parte leste de Díli, que deve ser
inaugurada no dia 30 de agosto.
A decisão está a suscitar
polémica, com críticas nas redes sociais ao facto de se honrar o presidente que
estava no poder quando Timor-Leste viveu toda a violência antes e depois do
referendo de 30 de agosto.
ASP // FPA
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