Díli, 08 ago 2019 (Lusa) -- A
televisão privada timorense GMN TV decidiu cancelar a transmissão prevista hoje
de uma entrevista com o ex-líder da milícia Aitarak Eurico Guterres acusado de
vários crimes em Timor-Leste em 1999, fortemente criticadas nas redes sociais.
"A GMN decidiu cancelar.
Isto era um produto jornalístico, mas temos que respeitar a vontade do
povo", disse à Lusa o presidente da GMN TV, Jorge Serrano, explicando que
a decisão foi tomada hoje numa reunião.
"Houve muitos protestos,
sugestões e grande atenção à entrevista. Agradeço a confiança do público na
GMN, mas este não é o momento para lançar esta entrevista", afirmou.
Serrano disse que ainda não há
decisão sobre se a entrevista será ou não transmitida, garantindo que o
objetivo foi entrevistar um dos intervenientes na consulta popular de 1999 e
que nunca houve uma tentativa de branquear a figura de Eurico Guterres.
"Seria impossível fazer isso
aliás. Aqui toda a gente sabe quem ele é. Não precisamos ser nós a falar. Esta
entrevista não tem intenção de fazer qualquer branqueamento. Insere-se apenas
na comemoração do 20º aniversário", afirmou.
"Quisemos saber o que pensa
de Timor, depois dos massacres, da destruição. Não se trata de tentar melhorar
a figura dele em Timor", afirmou.
A polémica surgiu depois da GMN publicar
nas suas páginas no Facebook imagens de promoção da entrevista, que foi
realizada em Kupang, a capital de Timor Ocidental, a metade indonésia da ilha,
e que vai ser transmitida hoje à noite.
A promoção, que define Eurico
Guterres como "líder histórico", tornou-se viral com críticas de
vários quadrantes políticos que contestam o que dizem ser uma tentativa de
branqueamento do papel do líder da milícia Aitarak.
As críticas, que se repetem em
dezenas de 'post', criticam o facto da GMN estar a da voz a Guterres ignorando
o sofrimento dos que lutaram pela independência do país.
Uma das vozes mais críticas tem
sido a de Cris Carrascalão, filha do político timorense Manuel Carrascalão, que
acusa Eurico Guterres de responsabilidade no massacre que ocorreu em abril de
1999 na sua casa, em que morreram dezenas de pessoas incluindo o seu irmão
Manelito Carrascalão.
"Não vou calar! Nunca! É
fácil dizer para eu esquecer e olhar para frente. Claro! Não é nenhum de vós
que ficaram com o cheiro de sangue fresco na vossa sala de jantar. O cheiro não
vai embora. Aquilo perdura na tua mente", escreveu.
Eurico Guterres foi condenado em
março de 2006 a
10 anos de prisão por violações de direitos humanas em Timor-Leste -- uma
sentença idêntica já lhe tinha sido aplicada por um tribunal ad-hoc em 2002.
Dois anos depois, porém, a
sentença foi anulada pelo Supremo Tribunal indonésio e Eurico Guterres foi de
imediato libertado da cadeia de Cipinang, nos arredores de Jacarta.
Na altura o seu advogado disse
que a anulação da sentença se deveu a "novas provas" apresentadas
pela defesa que demonstram ter havido "erros" na sentença anterior.
Mais recentemente, Eurico
Guterres foi número sete na lista de candidatos do Partido Perindo à assembleia
regional da província indonésia de Nusa Tenggara Timur.
Guterres, que este ano cumpre 48
anos, foi colaborador das forças indonésias e integrou a milícia Gadapaksi,
grupo que se transformou em Aitarak no final de 1998 e do qual se tornou
comandante.
A milícia Aitarak, que tinha a
sua sede num espaço em Díli que é hoje um hotel, foi responsável, entre outros
crimes, pelo ataque à casa de Manuel Carrascalão, em abril de 1999, que causou
dezenas de mortos, entre eles o filho do líder timorense, Manelito.
Guterres identifica-se como
"chefe da milícia dos ativistas pró-integração de Timor-Leste" na sua
página no Facebook na qual nos últimos dias se multiplicaram 'post' de
timorenses a questioná-lo sobre a entrevista.
Numa entrevista à Lusa em Jacarta
em dezembro de 2015, Eurico Guterres disse não estar arrependido do que fez em
Timor-Leste.
ASP // SB
Sem comentários:
Enviar um comentário