Díli,
02 fev (Lusa) - O ex-primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri confirmou hoje
em tribunal que Timor-Leste viveu no início de 2012 um complicado surto de
dengue a que o principal hospital do país não tinha condições para responder
adequadamente.
Alkatiri
foi ouvido hoje como testemunha da defesa no julgamento de duas ex-ministras
acusadas de participação económica em negócio e administração danosa.
A
ex-ministra das Finanças Emília Pires e a ex-vice-ministra da Saúde Madalena
Hanjam são acusadas de irregularidades na compra de centenas de camas
hospitalares em contratos adjudicados à empresa do marido da antiga responsável
pelas Finanças, com um suposto conluio entre os três para a concretização do
negócio, no valor de 800 mil dólares.
Mari
Alkatiri confirmou ao tribunal de Díli que no início de 2012, na altura
secretário-geral da Fretilin (na oposição), visitou o Hospital Nacional Guido
Valadares (HNGV) porque existia um surto de dengue que a unidade hospitalar
"não tinha condições para enfrentar (...), especialmente [não tinha]
condições mínimas para acolher doentes".
O
antigo primeiro-ministro explicou que na altura exigiu ao Governo medidas
imediatas para conter o surto da doença e para arranjar soluções "para que
o surto não se transformasse em epidemia", confirmando ainda que a
situação das camas e dos pacientes era "objetivamente muito má".
A
acusação contesta os motivos para a compra das camas, nomeadamente o argumento
da defesa de que foi necessário atuar de emergência, com recurso ao fundo de
contingência, para responder ao surto de dengue e às condições nos hospitais,
onde os doentes já se acumulavam até no chão.
Alkatiri,
atual responsável da região administrativa especial de Oecusse, foi ainda
questionado sobre o procedimento para recurso a esse fundo e recordou que
Timor-Leste ainda sente muitas fraquezas ao nível da administração pública.
À
saída do tribunal, disse à Lusa que parte do problema se deve às
"interpretações erradas" que em todo o Estado timorense se dão,
"muitas vezes", a aspetos dos processos, "particularmente quando
as pessoas querem entrar em questões muito técnicas e de especialidade e
interpretam como se fosse uma coisa banal".
Alkatiri
afirmou que se na altura fosse primeiro-ministro, teria atuado da mesma forma,
com medidas "urgentes" para tentar travar o surto de dengue e para
criar condições para os pacientes.
"O
sistema é claríssimo. Qualquer Governo que se prese tem de ter um fundo de
contingência. Tem de se se saber se foi ou não orçamentado dinheiro para isso,
se não [foi orçamentado] e for urgente tem de se recorrer ao fundo de
contingência", afirmou.
"Tem
de se saber se ainda existe dinheiro no fundo. Se não existir, tem de se voltar
ao parlamento. Mas se existe e há uma situação de emergência, então não vejo
porque não se usa, particularmente quando tem a ver com a saúde e a vida das
pessoas", acrescentou.
Ouvido
também hoje foi o médico Sérgio Lobo, que assumiu as funções de ministro da
Saúde já depois da aquisição das camas, mas quando o processo de entrega e
distribuição pelos hospitais timorenses ainda estava a decorrer.
Ao
tribunal confirmou que as camas estão a ser utilizadas, que são de muito boa
qualidade e que são favoráveis à recuperação dos pacientes e de normal
manutenção.
Rejeitou
ainda o argumento, defendido pela acusação, de que as camas são demasiado
sofisticadas para Timor-Leste e confirmou que em 2011 e 2012 havia um claro
défice de camas, com pacientes no chão e nos corredores.
Como
tem acontecido ao logo do julgamento, a sessão de hoje foi acompanhada pelo
advogado português Alberto Costa, que foi ministro da Justiça entre 2005 e
2009.
Alberto
Costa está em Díli como observador internacional que, a pedido do Governo
timorense, acompanha o processo, o mais mediático da história da justiça do
país.
Durante
a tarde de hoje deverá ser ouvido Xanana Gusmão, que era chefe do Governo na
altura da compra das camas.
ASP
// MP
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