«A Voz
Socialista, Órgão Central do Partido Socialista de Timor, reinicia hoje as
suas publicações com o primeiro número de 2016 com a absoluta convicção de que
o PST é um Partido com quem os que acreditam numa sociedade fraterna podem
sempre contar, principalmente nesta fase da luta contra a situação de
desemprego, a improdutividade agrícola e contra a desigualdade de
oportunidades, de momento sem paralelo na nossa sociedade. Este número
da Voz Socialista inicia sua presença com uma reflexão profunda sobre
o actual estado da nossa sociedade.
Um
pouco na linha de raciocínio de Quivy e Campenhoudt, uma boa pergunta de
partida para iniciarmos este «Editorial» é aquela que contribui para um melhor
conhecimento dos fenómenos a analisar, portanto, onde se destacam os processos
sociais, económicos, políticos ou culturais. Neste sentido, perguntemos a todos
nós, qual é o ponto de situação em relação à distribuição das riquezas em
Timor-Leste e ao desenvolvimento do País?
As
estatísticas do PNUD (2014) indicam que Timor-Leste regista desigualdades muito
elevadas, quer no domínio do desenvolvimento humano, quer na
educação, porque tem muitas debilidades no que respeita ao acesso aos bens e
serviços fundamentais e às infra-estruturas básicas. Por outras palavras,
apesar de Timor-Leste dispor de importantes recursos naturais, a pobreza e a
exclusão social são preocupantes e crescem de forma exponencial. Por agora não
se nota nenhuma política pública que possa contornar esta calamidade.
A
pobreza pode ser vista de diversas perspectivas como argumentou Avelino Coelho
da Silva / Shalar Kosi FF na sua obra editada em 2014 intitulada “As causas da
pobreza e subnutrição em Timor-Leste”. Contudo, apesar dos diferentes pontos de
vista, há uma certeza, a pobreza deve ser entendida como uma situação
existencial, relacionada com as necessidades materiais, onde intervêm também
aspectos de ordem sociológica, social, cultural, etc., com repercussões na vida
e na personalidade de cada um.
Amartya
Sen (1999), citado por Bruto da Costa (2008), faz uma associação muito
interessante entre a pobreza e a noção de (falta de) liberdade. É uma nova
perspectiva que aprofunda o conceito e aplica-se que nem uma luva ao nosso caso
de Timor-Leste. E Porquê? Uma pessoa com fome não é livre, antes de tudo não é
livre de comer. E quem não é livre de comer também não tem condições para o
exercício da liberdade. Quem enfrenta a fome, por lhe faltar meios de
subsistência, está postado à dependência dos mais fortes. Aí reside a nova teia
denominada dependência, que constitui uma nova fonte da desumanização humana.
Quem vive dependente dos outros, principalmente no âmbito económico, esvazia a
sua natureza de ser livre e autónomo.
Se
olharmos para a sociedade timorense como um conjunto de sistemas sociais nos
diferentes aspectos como o económico (mercado de bens e serviços, educação ou
saúde), por exemplo, verificamos que os agricultores não produzem por falta de
apoio e somos obrigados a importar produtos como o arroz que por sua vez é
comprado pelos agricultores para poderem sobreviver. Mas não é apenas isto,
outro factor que contribui para os agricultores não produzirem é a nova
mentalidade implantada nos últimos anos da ocupação de Timor-Leste. As nossas mentalidades
alteraram o curso da própria evolução, onde os que já conseguem ler e escrever
se sentem escravizados a trabalhar nas hortas e várzeas. Esta situação tem a
ver hoje com a falta de mãos de obra jovem nas zonas agrícolas e o crescer
exorbitante do desemprego nas cidades urbanizadas. Cresceu nas entranhas da
nossa sociedade uma categoria de intelectuais orgânicos mas, por estarem
estagnados, nunca até aqui conseguiram ser a pedra basilar das mudanças sociais
e económicas.
Há
níveis de analfabetismo assustadores no seio da juventude, abandono escolar
precoce, discriminação e violência crescente. Estes são traços emblemáticos dos
modelos de sociedade onde reina o modelo de produção capitalista. Onde ou em
que estágio estamos?
No
mercado de trabalho há factores de exclusão gritantes, como o desemprego e
salários baixos e problemas graves ao nível da segurança social. Em matéria de
saúde, temos um péssimo sistema de acesso aos serviços de saúde e acesso aos
medicamentos. Ao nível institucional, temos péssimos serviços de apoio social,
pois não há apoio à infância, não há apoio a idosos, nem a deficientes.
O
nosso sistema jurídico, importado ou copiado, não corresponde à fase actual do
nosso desenvolvimento sociocultural e económico. Daí que as leis andem à frente
da sociedade, e o povo postado a seguir ou a aceitar um sistema jurídico, quer
híbrido e não híbrido, quer civilista ou do “common law”, pouco importa, e que
não contribui para a moldagem de uma nova sociedade pela qual muitos deram a
vida. São as leis instrumentos que moldam as sociedades, os aspectos de “law
enforcement” simplesmente trabalham na manutenção do sistema. As leis asseguram
a justiça, para os que sentem que elas as condicionam, mas para os que vivem na
fome de tudo, aceitam que as leis não os beneficiam. Aqui reside o relativismo
da justiça social.
No
deambular nas trincheiras incertas, houve-se gentes a agitar uma ideia
“absurda” ao querer cultivar na mente dos nossos camponeses a urgência duma lei
de terras e propriedades. Compõem uma canção meticulosa, demasiado, para
afirmar que não vem investimento se não tivermos uma garantia dos títulos de
propriedade. Estas gentes esquecem-se de que temos dois sistemas legais de
títulos de propriedade, o sujeito ao direito consuetudinário/direito
tradicional que ainda vigora nas nossas aldeias mais remotas e que nunca se
submeteram ao direito positivo colonial; e o sujeito ao direito colonial.
Forçar a aprovação de leis das terras e propriedades sem definir uma política
agrária é o mesmo que entregar de bandeja todas as parcelas de terras,
propriedade indiscutível dos nossos camponeses. Com este estado de coisas,
queiramos ou não, irão contribuir para as desigualdades sociais.
No
que diz respeito à habitação, há milhares de jovens sem acesso à habitação
social e existem situações de sem abrigo. É uma situação preocupante! Pode ser
reflexo dum sistema económico desadequado à nossa evolução como povo e nação,
ou pode ser por falta de iniciativas, como resultante duma sociedade ou dum
modelo de sociedade que perdeu as suas próprias características. Por onde
avaliar?
A
leitura a fazer em relação à situação actual em Timor-Leste é a de que a
independência não conduziu o povo a trilhar os novos caminhos depois da ponte
de ouro. As gentes viram na independência o fim das suas lutas. Acreditavam que
a independência em si libertaria cada um e todos e que seria erguido um Estado
Previdência e Providência, como outro lado do Estado Social, que ofereceria pão
e água para todos. Uma expectativa errada, a causa da ausência da
conscientização política das massas. Aqui se alimenta a emoção das classes
sociais, quer ela burguesa, pequena burguesa, ou as classes mais
desfavorecidas. O Poder, cedo ou tarde, pendulará entre segmentos destas
classes sociais que a nossa luta produziu e o nosso actual sistema amamentou.
No
âmbito das leis que alimentam o processo democrático, o Parlamento Nacional
aprovou a proposta de lei nº 22/III (3ª), segunda alteração à lei nº 5/2006, de
28 de Dezembro (Órgãos de Administração Eleitoral). Esta lei situa em causa os
órgãos eleitorais, factores determinantes para a construção de uma verdadeira
vida democrática. Porque é que esta lei, para além de outros, traz como um dos
objectivos acabar com o actual mandato da CNE - Comissão Nacional de Eleições
(2013/2019) e desvincular os seus comissários? Alterar a composição dum órgão
eleitoral a meio do mandato, não existe outra conclusão a não ser a de
querermos mostrar que o nosso sistema é tão frágil e inseguro para gentes que
trabalham num tal ou qualquer órgão.
Esta
lei é claramente inconstitucional porque em conformidade com a lei anterior
sobre Órgãos de Administração Eleitoral (Artigo 6º - Estatuto), e que se mantém
na lei ora aprovada, “os membros da CNE são inamovíveis e independentes no
exercício do mandato...”. Se são inamovíveis, em bom português, significa que
“não se pode mover”, ou seja, os Comissários da CNE, por força da lei, não
podem ser retirados à força até 2019.
Tudo
o que foi dito, e outros aspectos da nossa sociedade que não foram ressaltados,
constituem o rosário da vida de um povo que lutou, porque queria ser livre e
independente mas não estava preparado para assumir os jogos e as regras dum
sistema democrático. O povo depositou nas urnas os seus votos, o cardinal
democrático dos seus poderes. Mas, fê-lo, movido por
laços emocionais, e por vínculos primordiais amarrados à teia de uma
ilusão material, abalados por uma fatia de pão e por uma gota de água que em
nada lhe enalteceu ao longo dos anos de uma governação, que não lhe pertence,
após a validação dos votos válidos convertidos.
O
Partido Socialista de Timor (PST) está consciente de que as relações das
diferentes classes sociais estão a crescer no País e são divergentes em
questões essenciais. Por esta razão, com convicção e apoio total da sua
Direcção Política, o PST aprovou importantes resoluções no IV Congresso
Nacional realizado em Díli nos dias 12 e 13 de Setembro de 2015, com a eleição
e renovação dos seus principais órgãos.
Pela
sua história, pelo seu passado político, enquanto AST, na luta de libertação
nacional de Timor-Leste, pelo seu papel na fundação da Brigada Negra (BN), uma
das forças especiais do Estado-Maior das FALINTIL nos momentos mais difíceis da
luta, pelos valores e princípios que defende, tendo consciência de que as
relações entre as classes dominantes e as classes dominadas são
fundamentalmente relações de desequilíbrio económico e de ausência de uma
consciência política e ideológica, o PST tudo irá fazer politicamente para que
a sua luta, a luta dos trabalhadores, oprimidos e excluídos, constitua um dos
motores da história e das transformações sociais em Timor-Leste para prosseguir
a luta na construção de um País com Humanismo, Solidariedade Social e Justiça Social»
Editorial
do Jornal “A Voz Socialista” – Timor-Leste (Nº 1 de Fevereiro de 2016) para
conhecimento e divulgação ( Azancot de Menezes)
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