Díli,
29 ago (Lusa) - Xanana Gusmão considerou hoje "difícil de explicar" o
facto de a Austrália se continuar a recusar a aceitar o convite timorense para
definir as fronteiras marítimas entre os dois países, processo já concluído com
todos os outros vizinhos.
"O
governo australiano continua a recusar convites de Timor-Leste para negociar. A
recusa da Austrália é difícil de explicar. A zona em questão representa apenas
1,8% da zona marítima australiana", disse o ministro do Planeamento e
Desenvolvimento Estratégico.
Xanana
Gusmão falava em Haia na sessão de abertura da Comissão de Conciliação
solicitada pelo Governo timorense em abril para tentar forçar Camberra a
negociar a delimitação das fronteiras marítimas entre os dois países.
Uma
delimitação permanente que Camberra recusa negociar, disse, porque insiste na
validade do acordo temporário assinado com Díli em 2002, disse Xanana Gusmão,
numa altura em que Timor-Leste se debatia com os inúmeros desafios depois da
destruição que se sucedeu ao referendo de 1999.
"Na
altura Timor não tinha nada, as nossas pessoas tinham sido massacradas, mais de
90% da nossa infraestrutura foi queimada. Não tínhamos dinheiro e éramos
obrigados cada seis meses a pedir esmola à comunidade internacional para os
serviços mais básicos", disse.
Uma
situação que deixou Timor-Leste numa posição mais vulnerável quando negociou o
acordo temporário com a Austrália e que, posteriormente, veio a provar-se ser
ainda mais fraca devido à espionagem levada a cabo por Camberra.
"Não
sabíamos na altura que, sob cobertura de ajuda humanitária, Camberra instalou
equipamento de escuta nos gabinetes do Governo para espiar durante as
negociações desse acordo", recordou Xanana Gusmão.
"Tentei
falar com sucessivos governos australianos para conversarmos amigavelmente e
resolver o assunto. Mas continuaram a recusar", disse.
O
líder timorense, negociador principal das fronteiras marítimas, recordou o
acordo ilegal para explorar os recursos do Mar de Timor, assinado pela
Austrália e Indonésia durante a ocupação de Timor-Leste e o acordo temporário
assinado, posteriormente, entre Díli e Camberra.
"Hoje
reconciliámo-nos com a indonésia, que como Timor-Leste é hoje uma democracia, e
hoje somos modelos de reconciliação e já começamos negociações para delimitar
as nossas fronteiras", explicou.
Destacando
as dificuldades económicas e de desenvolvimento que Timor-Leste ainda enfrenta,
Xanana Gusmão disse que a soberania do país continua a ser
"desafiada", perante o desinteresse da Austrália em negociar.
"Hoje
continuamos preparados para a nossa disputa ser analisada por um tribunal
internacional. Mas a Austrália continua a virar as costas ao direito
internacional", disse.
"Não
viemos a Haia para pedir favores ou tratamento especial. Viemos para pedir os
nossos direitos na lei internacional. Até eu, educado na floresta e na prisão,
entendo a justiça básica de sentido comum: a lei dita que a fronteira entre
dois países deve ficar a meio caminho entre eles", disse.
Vista
como uma primeira vitória de Timor-Leste neste debate com a Austrália, o
encontro de Haia corresponde ao arranque do Procedimento de Conciliação
Obrigatória (PCO) que Timor-Leste desencadeou nas Nações Unidas, nos termos do
Anexo V da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
A
sessão de abertura, transmitida em direto pela internet, foi acompanhada num
encontro no Ministério dos Negócios Estrangeiros em Díli em que participou
grande parte do executivo timorense, incluindo o primeiro-ministro Rui Araújo,
representantes de outras instituições nacionais e o corpo diplomático.
Elisabete
Exposto, responsável do gabinete de fronteiras, abriu a intervenção timorense
em Haia recordando que "o povo de Timor-Leste pagou um grande preço pela
sua independência" e que a delimitação das fronteiras "é uma
prioridade nacional (?) essencial para o futuro das novas gerações".
"Por
isso estamos aqui. Iniciamos estes procedimentos para resolver a nossa disputa
com a Austrália de forma amigável e em colaboração. Pretendemos defender os
nossos direitos, a nossa soberania como qualquer outra nação", disse.
"Timor-Leste
pode ser jovem mas não é naive, não deixaremos de reivindicar o que
consideramos que é nosso e até que isso seja alcançado. Temos esperanças que
esta comissão nos permita alcançar este objetivo com a Austrália, para levar
este processo à sua conclusão", considerou.
O
encontro foi aberto pelo diplomata dinamarquês Peter Taksoe-Jensen,
ex-secretário-geral adjunto das Nações Unidas para assuntos jurídicos, e que
lidera a Comissão de Conciliação solicitada por Timor-Leste.
"O
objetivo desta sessão pública e dar a cada parte uma oportunidade para
apresentar os seus argumentos iniciais a partir das quais esperamos poder
avançar, ao longo da conciliação, até chegar a um acordo", disse
Taksoe-Jensen.
A
expetativa, explicou, é de que o debate decorra até quarta-feira, com a
comissão a deixar quinta-feira para deliberações.
ASP
// JPS
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