segunda-feira, 30 de julho de 2018

Porque razão Timor-Leste optou pelas línguas oficiais tétum e português


M. Azancot de Menezes*| Jornal Tornado

A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no seu Artigo 13.° (Línguas oficiais e línguas nacionais), é referido que «O tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste» (ponto 1) e que «o tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas e desenvolvidas pelo Estado» (ponto 2).

Em 1974, quando Timor-Leste procurava transitar para a independência, não precisou de procurar uma identidade nacional porque estava unificado pelo uso de duas línguas complementares, o tétum praça (essencialmente falado), como língua franca urbana, e uma língua essencialmente escrita, o português, utilizado como língua de ensino, desde a abertura das primeiras escolas primárias pelos dominicanos, no século XVII (Fonseca, 2015). De notar que o português começou a ser utilizado como língua da administração desde o início do século XVIII.

A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), no seu Artigo 13.° (Línguas oficiais e línguas nacionais), é referido que «O tétum e o português são as línguas oficiais da República Democrática de Timor-Leste» (ponto 1) e que «o tétum e as outras línguas nacionais são valorizadas e desenvolvidas pelo Estado» (ponto 2).

Em conformidade com a CRDTL, a Lei de Bases da Educação (LBE), aprovada pela Lei n.º 14/2008, de 28 de Outubro, vem definir no seu artigo 8.º que as línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português. Assim, a resolução do Parlamento Nacional n.º 24/2010, de 26 de Outubro, ressalta que a língua tétum e a língua portuguesa constituem ambas património nacional, e que a língua portuguesa constitui um fator crucial para o desenvolvimento da língua tétum.

O que dizem os especialistas, os políticos timorenses e o Parlamento Nacional

A explicação para a opção de duas línguas oficiais, tétum e português, segundo a opinião de especialistas, políticos e governantes de Timor-Leste, e com base nas resoluções do Parlamento Nacional, assenta no facto de haver factores de ordem identitária, histórica, política, afectiva, científica e pedagógica, entre outros, que ajudam a fundamentar a necessidade da coexistência das duas línguas oficiais de Timor-Leste e de se optar pelo português como língua única de ensino, sem prejuízo de ser utilizado, em casos que facilitem as metodologias didácticas, o tétum e as línguas nacionais.

Apesar da língua portuguesa não constituir a língua materna da maioria dos timorenses, e em muitos casos também não o Tétum, após ter revisitado o estudo intitulado «Processo Educativo na Educação Pré-Escolar e no 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico. Diagnósitco e Recomendações» (Ministério da Educação e Cultura, 2018), que será oportunamente divulgado no Jornal Tornado, na íntegra, aglomerei alguma dessa argumentação para ajudar a fundamentar a escolha do português como uma das línguas oficias, como se segue:

i. língua da resistência

O Português sobreviveu como língua de resistência, sendo utilizada pela FRETILIN e pelas outras organizações da oposição ao ocupante nas suas comunicações internas e no contacto para o exterior.
Batoréo, 2010

Ramos-Horta destaca que «apesar da brutal colonização indonésia e da repressão cultural dos últimos 21 anos, da proibição de uma língua e cultura que chegaram à nossa região há cerca de 500 anos, em Timor-Leste esta língua secular persiste teimosamente» (Ramos Horta, 1997).
Paulino, 2015

ii. língua da identidade

[O português] funciona como um elemento de distinção identitária, uma afirmação da diferença.
Almeida, 2011

[O português] é uma língua de identidade histórica e do presente, válida porque serve de elo de ligação entre a grande família dos países lusófonos, que oferece ao país uma identidade única em todo o Sudoeste Asiático.
Almeida, 2011

Sem o português, a identidade do país rapidamente se dissolveria nas culturas circundantes, indonésia e australiana. «Se somos um país pequeno, ainda por cima sem recursos, porque não investimos em ser diferentes?» diz Alkatiri [ex-primeiro ministro] (Moura, 2007).
Batoréo, 2010

Nas palavras de Xanana Gusmão foi exactamente o facto de falarem o português que determinou o reconhecimento da ONU da sua diferença cultural do resto da Indonésia e por isso a necessária tutela no processo de independência: «Somos a metade de uma das 13.000 ilhas da Indonésia e só somos diferentes porque temos uma cultura diferente, uma identidade diferente… Nossa língua é o português.» (ou seja, são as línguas portuguesa e tétum que demarcam claramente o território de Timor-Leste em relação aos seus países vizinhos (Austrália e Indonésia)).
Tupinambá, 2001

iii. factores históricos / herança cultural / tradição

A escolha do Português para uma das LO do país justifica-se, nas palavras de Xanana Gusmão, pelo peso da sua tradição: «O português é a nossa identidade histórica, que ironicamente nos foi concedida pela presença colonial».
Batoréo, 2010

O português faz parte da história e do povo timorense e é um elemento essencial da sua identidade nacional, pois «o facto de ter sobrevivido à perseguição que lhe foi movida, prova que é parte da cultura nacional» (Mendes, 2005).
Paulino, 2015

Na verdade, pode-se afirmar que a política de língua que minimize o lugar e o papel da língua portuguesa em Timor-Leste não considera a força que canalizou a Resistência Nacional contra a ocupação: o apego dos timorenses à génese da sua herança cultural.
Resolução do Parlamento Nacional N.º 20/2011, p. 5133

iv. factores político-estratégicos

Nas palavras de um político timorense, Francisco Guterres, presidente da FRETILIN, trata-se de «uma opção política de natureza estratégica para afirmação da nossa identidade pela diferença que se impôs ao mundo».
Batoréo, 2010

Por uma decisão político-estratégica de marcar a identidade nacional timorense diante da Indonésia e da Austrália e de ressaltar a sua especificidade no contexto regional do Sudoeste Asiático e Oceânia.
Batoréo, 2010

Neste sentido, o desafio, consagrado constitucionalmente em 2002, de adotar o tétum e o português como Língua Oficial, apesar de o tétum ter sido até então uma língua franca sobretudo falada e de o português ter sido, entretanto, reduzido a 5% da população, não foi mais do que o corolário da consolidação da identidade cultural e política de Timor-Leste, antes e durante a ocupação, e da sua afirmação pela diferença, que sempre existiu, em relação à outra metade da ilha e às ilhas vizinhas.
Resolução do Parlamento Nacional N.º 20/2011, p. 5133

v. instrumento administrativo, religioso e cultural

O Português mantém-se, ainda hoje, como a língua da escrita, da religião, da escola e da escolarização, da administração (parcial) e da cultura.
Batoréo, 2010

vi. simbolismo / afectividade

Segundo estudiosos da área, o Português goza de uma forte carga simbólica e de uma grande afectividade, rara noutros países em relação a uma antiga língua colonial, constituindo «cimento aglutinador da identidade cultural entre os povos do Timor Oriental» (Thomaz, 1998: 648) e «cordão umbilical que articula as culturas locais» (Thomaz, 2002: 140).
Batoréo, 2010

(…) esta afectividade traduz-se, por exemplo, a nível onomástico: calcula-se que, ainda hoje, 70% dos apelidos e 98 % dos nomes próprios são portugueses» (Carvalho, 2002: 71).
Batoréo, 2010

vii. valorização e desenvolvimento do tétum

Nas palavras do [antigo] presidente de Timor [José Ramos-Horta]: «A língua portuguesa é fundamental para a nossa identidade. O próprio tétum, para se desenvolver, precisa do português. Alimenta-se dele.» (Moura, 2007: 2).
Batoréo, 2009

(…) parceiro histórico na evolução do Tétum moderno (…).
Batoréo, 2010

As perspectivas para a sobrevivência e o desenvolvimento do tétum são mais animadoras num contexto de relação contínua com o português, que é a sua fonte tradicional para a ampliação e a renovação do léxico.
Hull, 2001

(…) a aparência de uma imediata vantagem para o tétum e para outros vernáculos no português ter um prestígio menor do que tem o inglês. Este facto faz com que o português não vá constituir uma ameaça para a ordem linguística tradicional.
Hull, 2001

Os timorenses escolheram o português como a sua Língua Oficial em vez do inglês, porque, dizia Gunn (2001), o Tétum, para sobreviver, precisa do português e o sistema de valorização é essencial e inalienável para os timorenses definirem a sua identidade nacional, de modo que as línguas coexistem num relacionamento mutuamente benéfico, sendo o português o suporte natural do tétum no seu desenvolvimento continuado. (Mendes, 2005, p. 234).
Paulino, 2015

viii. semelhanças entre o português e o tétum

O português tem também a vantagem de que o tétum (língua franca) não seja formalmente muito afastado do português na sua pronúncia, gramática e vocabulário. O português não é um idioma demasiado difícil para os timorenses pois estes já possuem um relativo conhecimento passivo do português devido ao facto de que já falam o tétum-Díli. O mesmo já não se poderia dizer da relação entre o tétum e o inglês.
Hull, 2001

Conforme sintetiza Costa (2012), a propósito da escolha das Línguas oficiais de Timor-Leste:

[…] o povo timorense, através dos seus legítimos representantes, escolheu o tétum e o português como suas Línguas oficiais. A escolha da língua portuguesa contabiliza: um peso simbólico (por ser língua de resistência à invasão indonésia, língua usada para dar informações ao mundo sobre a luta e os efeitos da invasão), um aspecto identitário (o do seu passado sem grandes imposições, sem grande impacto), um aspecto afectivo (ligação ao catolicismo, igreja que em conflitos de guerra – segunda guerra mundial, invasão indonésia – nunca abandonou o povo) e um aspecto geoestratégico (Timor confinado à Indonésia e à Austrália).

A escolha da língua tétum constitui, por um lado, a assunção do compromisso de defesa, desenvolvimento e promoção de uma língua em situação altamente desfavorecida.
Costa, 2012, p. 215, citado por Carvalho in Guedes et al., 2015



M. Azancot de Menezes, professor universitário. Também colabora em Timor Agora


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