Díli,
17 jan (Lusa) - A Fundação Oriente em Díli apresenta sábado um documentário
sobre as crianças timorenses que foram roubadas durante a ocupação indonésia,
levados para aquele país e começam agora, pela primeira vez a regressar a casa.
"Nina
e as crianças roubadas de Timor-Leste", foi produzido pela AJAR - Asian
Justice and Rights, uma associação de direitos humanos na Indonésia com
representação em Timor-Leste e que usa alguns casos pra ilustrar uma realidade
que afeta a milhares de timorenses.
Realizado
em indonésio e legendado em português e inglês o filme é exibido na tarde de
sábado na delegação da Fundação Oriente em Díli, seguindo-se à exibição algumas
explicações dos antecedentes do trabalho por parte de elementos da AJAR.
Espalhados
pelo vasto arquipélago indonésio, há milhares de timorenses que, à força, ainda
crianças, foram retirados às suas famílias, das suas terras e levados para milhares
de quilómetros de distância, obrigados a mudar de religião e até de nome.
Vítimas
praticamente invisíveis da ocupação indonésia de Timor-Leste e que, ainda hoje,
continuam sem ver a família, sem regressar à sua terra natal, sem saber sequer
se os familiares estão vivos ou onde se encontram.
Do
lado de Timor-Leste, os seus familiares procuram por eles, sem saber onde se
encontram. Em alguns casos, até já fizeram o luto, deixando perto de casa
túmulos sem corpo a lembrar um filho ou uma filha perdida.
Em
maio do ano passado um pequeno grupo de 11 homens e mulheres, alguns já pais e
mães, chegou a Timor-Leste, a maioria pela primeira vez desde que foram
roubados às famílias e levados para cidades e vilas na Indonésia.
Galuh
Wandita, da AJAR - que é responsável por este programa de reunião familiar -
explicou à Lusa na altura que se trata de encontrar a "geração
roubada", um grupo de pelo menos 4.000 timorenses - segundo o relatório da
Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR) - que terá sido levado
de Timor-Leste.
"Estamos
a procurar sobreviventes de um grupo que eu acho que pode ser muito maior do
que essa estimativa de 4.000. Para já, só estamos a trabalhar com contactos com
outros sobreviventes, que se lembram de pessoas ou conhecem outras", explicou.
Hoje
com as suas vidas na Indonésia, é particularmente complexo procurar as
reuniões.
"É
uma questão muito sensível para eles. Vivem na Indonésia há muitos anos, estão
integrados nessa cultura e nesse país e nós tentamos apenas fazer a
ponte", explicou.
"De
um ponto de vista de direitos humanos, são crianças roubadas às famílias. Mas a
realidade é que hoje já têm eles as suas próprias famílias, estão em novas
comunidades", notou.
O
choque ao sistema que muitos sentem ao regressar pela primeira vez, depois de
muitos anos, é um sinal do drama pessoal que cada um viveu, separado da sua
infância e família com quem hoje têm até algumas dificuldades em comunicar, por
questões de língua ou outras.
Todos
têm nomes diferentes daqueles com que foram batizados: desapareceram os nomes
próprios e apelidos timorenses - ou portugueses - e são hoje conhecidos por
nomes indonésios, a maior parte muçulmanos.
Entre
os que vieram em maio, por exemplo, Ernâni Monteiro é Mubaraj Wotu Modo,
Eugénio Soares é Muhammad Irfan, e a sua mulher, com quem se casou em 2001, é
também uma criança roubada, Dortea Hornai, agora Siti Latifah Dortea.
Rosita,
hoje Rosnaeni, é uma das crianças roubadas há mais tempo. Em 1978 ela e a irmã
foram levadas à força da sua casa em Railakolete por elementos do batalhão
indonésio 612 para Makassar, onde, mais tarde, acabaram por ser separadas.
Rosita nunca mais viu a irmã.
As
promessas de uma educação, feitas pela família indonésia de acolhimento, nunca
se materializaram e Rosita passou a vida a trabalhar arduamente nos terrenos
agrícolas. Fugiu muitas vezes mas era sempre devolvida a casa.
Hoje,
já adulta, saiu de Makassar e vive em Sulawesi Central, ainda sem acesso à
educação que lhe foi prometida.
Outro
elemento desse grupo de maio, natural de Baucau, é uma das meninas roubadas em
1999, durante a debandada final dos ocupantes indonésios.
Foi
levada como refugiada para Atambua, no lado indonésio da ilha, e, mais tarde
foi transportada num navio militar para Makasar, onde ficou ao cuidado da
Fundação Islâmica Ansar.
Instalada
com outras crianças numa casa de acolhimento, Teresa foi regularmente
espancada: não sabia rezar e era uma refugiada de Timor-Leste, de uma realidade
distante da comunidade onde, à força, foi integrada.
Mudaram-lhe
o nome, agora é a Sity Alma, é empregada doméstica e vive a quase 2.000
quilómetros de Baucau, na cidade de Malili, nas Celebes.
ASP
// FV.
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