quinta-feira, 9 de março de 2017

Líder da missão do Lusitânia Expresso a Timor diz que objetivo foi "plenamente alcançado"

Lisboa, 08 mar (Lusa) -- O responsável da missão "Paz em Timor", que há 25 anos tentou levar ativistas a Timor-Leste a bordo do 'ferryboat' Lusitânia Expresso, considera que o objetivo de garantir a atenção mediática internacional para a causa timorense foi "plenamente alcançado".

"Todo o projeto foi pensado como uma ação de impacto mediático", relatou à Lusa Rui Marques, que dirigiu a missão "Paz em Timor", que levou quase 150 pessoas a bordo do Lusitânia Expresso, com o objetivo de depositar flores no cemitério de Santa Cruz, em Díli, onde em novembro anterior mais de 200 pessoas tinham sido assassinadas pelas tropas indonésias.

A 11 de março de 1992, o 'ferryboat' foi impedido por quatro navios da marinha de guerra indonésia de prosseguir em direção a Díli.
O momento ficou marcado na memória dos participantes. Ao amanhecer do dia 11, um dos navios que se aproximara do Lusitânia Expresso estabeleceu comunicação, anunciando: "Isto é Papa Kilo Alfa India. Navio de guerra indonésio. Estão agora em águas territoriais indonésias".

Com mais de uma centena de jornalistas, estudantes e individualidades, entre elas o ex-Presidente português António Ramalho Eanes, a bordo, o navio português acabaria por regressar à Austrália, depois de Rui Marques ter decidido que era a única forma de as imagens do bloqueio da marinha indonésia serem divulgadas internacionalmente.

As flores foram lançadas ao mar e só 20 anos depois, alguns membros da missão conseguiram cumprir o propósito anunciado da iniciativa de homenagear as vítimas do massacre, em Díli.

"Houve uma gestão muito rigorosa dos objetivos estratégicos da missão e um grande cuidado para não cometer erros e para alcançar o máximo de impacto possível", descreveu Rui Marques, em entrevista à Lusa.

Segundo o antigo diretor da missão, a iniciativa permitiu "construir um planalto de atenção mediática" sobre Timor-Leste, após o "pico" na sequência do massacre de Santa Cruz, em novembro de 1991, e março de 1992, quando se realiza a viagem.

"O problema sério de Timor, durante duas décadas, era o silenciamento mediático. Consegue-se furar o silêncio e então começa a haver muita pressão internacional", recordou.

Sobre o papel do Lusitânia Expresso nos acontecimentos que conduziriam à independência de Timor-Leste, em 2002, Rui Marques afirma que o navio "não é protagonista da história", apenas funcionou como "um holofote, que ajudou a mostrar ao mundo o que era o sofrimento e, sobretudo, a coragem dos timorenses".

"O que foi realmente importante na história de Timor-Leste foram os timorenses, a sua capacidade extraordinária de resistir, com uma coragem inaudita", sublinha.

Quanto a críticas de que a missão deveria ter ido mais longe, forçando um incidente com as tropas indonésias, Rui Marques considera que "é muito fácil falar 25 anos depois ou falar de fora".

Já com Timor à vista, o 'ferryboat' português viu-se rodeado por "um conjunto de navios com canhões apontados", além dos helicópteros que faziam voos rasantes. Se tivesse sido atingido, "demoraria três minutos a afundar".

"É só ingenuidade pensar que um 'ferry', com uma flotilha de navios à sua volta, conseguiria passar", descreveu.

Da missão, 25 anos depois, Rui Marques elogia a "generosidade, humildade e entrega extraordinárias" do general Ramalho Eanes, que tinha sido Presidente da República até 1986.

"Confiou em gente que era muito nova. Confiou o seu prestígio, a sua vida. Foi o mais disciplinado membro da missão", recorda.

Por outro lado, Rui Marques, atualmente responsável da Plataforma de Apoio aos Refugiados, destaca o "apoio secreto" que o Governo português, então chefiado por Cavaco Silva, deu à missão, ao mesmo tempo que negociava com a Indonésia para colocar um fim à ocupação de Timor.

Para o então primeiro-ministro, a missão era já "uma questão nacional".

Foi o executivo, com o então secretário de Estado da Juventude, Nuno Ribeiro da Silva, como interlocutor dos ativistas, que financiou a viagem, até Darwin, na Austrália, dos ativistas portugueses e europeus que se tinham concentrado em Lisboa.

A missão "Paz em Timor" será evocada em Lisboa, no próximo sábado, numa cerimónia que contará com a presença de antigos participantes e apoiantes, e que pretende lançar o desafio sobre quais são as grandes causas que devem motivar os jovens no século XXI.

JH // PJA

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