quinta-feira, 28 de setembro de 2017

PM timorense regressa 11 anos depois ao Palácio do Governo, onde prometeu não voltar

Díli, 27 set (Lusa) -- O primeiro-ministro timorense, Mari Alkatiri, teve de aguardar hoje pelo fim do dia e passar por vários rituais para voltar ao Palácio do Governo onde há 11 anos, três meses e um dia jurou que não voltaria a entrar.

Os onze 'lian naain', os 'contadores de histórias', os transportadores da voz 'lulik' (o sagrado timorense) vieram propositadamente de cinco regiões do país (Rai Ulun, Bunak e Kemak, Mambai, Baikeno e Carketo) para a cerimónia de 'Dada Ikas' (Retirar Juramento) e 'Loke Dalan' (Abrir Caminho).

Um complexo ritual em várias línguas em que, um por um, os 'lian naain' foram invocando os espíritos 'lulik', o sagrado timorense, para levantar a promessa que Alkatiri fez a 26 de junho de 2006 quando se demitiu e garantiu que nunca voltaria a entrar no Palácio do Governo.

A cerimónia tinha que ser feita "naquele espaço entre o dia e a noite" e por isso Alkatiri, que chegou ao Palácio antes, teve que esperar o cair do dia.

Aos pés do mastro gigante de onde já tinha sido retirada a bandeira de Timor-Leste, os homens esticaram duas esteiras, montaram duas chapas de zinco e um grelhador improvisado e iniciaram um longo ritual de mais de 90 minutos.

Alkatiri recordou o momento em que fez a sua jura, explicou que muitos lhe pediram para voltar a ser primeiro-ministro - a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), partido de que é secretário-geral venceu as eleições de 22 de julho - e disse que aceitou o cargo com "honra e sentido de responsabilidade".

Sentados em círculo na esteira, os velhos líderes do animismo timorense recordaram a jura e depois pediram autorização ao 'maromak', o criador no conceito divino tradicional, para que Alkatiri pudesse regressar ao Palácio.

Folhas de areca, conhecidas como malus - chegavam a ser usadas como proteção simbólica contra balas - foram abençoadas e entregues por vários dos 'lian naain' a Alkatiri.

Um dos líderes tradicionais, da ponta leste do país, Rai Ulun, ia cortando uma pequena cana de bambu que cada um dos seus companheiros assoprava.

Depois, um por um, misturavam rezas com preces, discursos cantados com frases em línguas locais.

Já na reta final e antes de um brinde com tuasabu, a aguardente de cana, foram sacrificados três galos, cujas entranhas - iluminadas por lanternas na já quase escuridão do início da noite - foram lidas e comentadas pelos 'lian naain'.

"O caminho será longo, mas direito", explicou um deles, com acenos de cabeça dos companheiros a atestar a boa noticia que os fígados do animal traziam.

"Foram unânimes a dizer que o caminho está aberto, mas também que tenho que andar com cuidado porque há sempre obstáculos pela frente", acrescentou Alkatiri.

Minutos depois, o primeiro-ministro dá o primeiro passo no edifício onde não entrava desde 2006.

"Onze anos e três meses depois desde que saí nunca mais voltei a entrar aqui, nem por esta porta, nem pelas traseiras. Hoje voltei e penso que isso, só por si, mostra que há mudanças no país", disse à Lusa.

No andar de cima, depois de regressar ao gabinete que foi seu e volta a ser a partir de hoje, Alkatiri entra na sala de Conselho de Ministros e fica em pé à cabeceira da longa mesa oval onde ainda estão quatro placas com os nomes de ministros do anterior executivo, entre eles Xanana Gusmão.

Alkatiri, emocionado, bate determinado por duas vezes na mesa, acena afirmativamente com a cabeça e sai, regressando ao seu gabinete.

"É o cumprir de uma missão e de um dever. Vou tentar fazer o meu melhor. O objetivo principal é unir todos e olhar para a frente", diz, explicando esse momento.

Doze dias depois de tomar posse - tem trabalhado desde aí no Palácio Nobre de Lahane - Alkatiri e o seu VII Governo constitucional ainda não tinham, formalmente, ocupado o Palácio do Governo, sede do executivo.

Daí que a cerimónia de hoje tenha tido grande significado: marca o regresso de Alkatiri à sede do Governo de onde a sua saída, no meio da crise de 2006, foi particularmente marcante para o líder timorense.

"É um sentimento contraditório: vim com sentido de missão, mas 11 anos são sempre 11 anos e o peso é maior, para quem deixou isto com 50 e tal anos e regresso com 60 e tal", acrescenta.

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